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Cannes Lions

20 A 24 DE JUNHO DE 2022

Hegarty: Cannes virou festival tech e Sorrell tem vários problemas

Pela 29ª no festival, publicitário britânico diz que maior parte das peças inscritas é fantasma e alfineta as holdings, a ditadura dos dados e até o case Fearless Girl


18 de junho de 2018 - 18h54

Por Brian Baker, editor do Ad Age*

Sir John Hegarty vem para o Festival Internacional de Criatividade de Cannes desde 1989, quando foi jurado pela primeira vez. Os tempos mudaram. Hegarty, não muito. Ele está na Riviera Francesa mais uma vez para promover “Feed our Future”, uma nova campanha global para o United Nations World Food Programme, feito com a Sawa, grupo global de empresas de publicidade no cinema.

Um dos acionistas e fundadores da Saatchi & Saatchi e cofundador da TBWA Londres antes de começar na Bartle Bogle Hegarty em 1982, sir John esteve por trás de trabalhos notáveis para Audi, Levi’s e Volkswagen. Nunca tímido em suas opiniões, Hegarty aproveitou mais uma passagem pelo Cannes Lions para compartilhar alguns pensamentos sobre o atual estado da criatividade.

Há muita conversa sobre a redundância em Cannes este ano.
O festival perdeu foco. Se você começa a entregar tantos Grand Prix, desvaloriza o Grand Prix.

Saiu do controle?
É uma máquina de fazer dinheiro. E é sempre assim quando você deixa os contadores dirigirem a companhia. Tudo o que eles fazem é partir para o lucro. Claro que lucro é fundamental, mas você acaba minando o valor da marca. Muitos festivais e prêmios fizeram isso. Não acho que Cannes é o único culpado nisso. Tornou-se – você não precisa que eu te diga, ande de um lado ao outro da Croisette – um festival tech, não um festival criativo.

Você lamentou o crescente papel que os dados e a tecnologia têm desempenhado no processo criativo.
Fui acusado por Martin Sorrell de ser um dinossauro porque alguém disse que “Hegarty não acredita em dados”, o que não é totalmente verdade. Dados são fundamentalmente importantes. Uma das melhores histórias já contadas, o nascimento de Jesus, saiu da nossa coleção de dados, não foi? Você tem de lembrar que o trabalho de uma marca também é converter. Você tem de sair e jogar sua rede. Como eu sei quem vai gostar do que estou vendendo?

Significa que, por meio da segmentação, os anunciantes estão pregando para os convertidos?
Não é isso. É um marketing preguiçoso: “olhe para os dados, o que os dados nos dizem? É um manual de instruções”. Não, não é um manual de instruções. Você tem de pensar sobre como você está construindo os valores desta marca. Sei que sou chato e digo isso o tempo todo, mas uma marca é feita não somente pelas pessoas que as compram, mas também pelas pessoas que sabem sobre ela.

Essas pessoas seriam a marca em si e também os agentes da marca?
Se eu disser para você “Rolls Royce”, você diz, “Ooh”. Você provavelmente não vai comprar um, mas falar para uma audiência ampla que entende o propósito da sua marca faz com que você se torne parte da cultura.

Você viu algum trabalho no Palais este ano?
Não, eu acabei de chegar aqui, mas a maior parte do trabalho é fantasma, então não posso responder.

O que quer dizer com isso?
A maior parte das peças de print é fantasma, dá para perceber, dá para ver a uma milha de distância.

Então são criadas apenas para ganhar prêmios?
Sim. Não vim aqui para olhar o portfólio de alguém. Quer dizer, tudo bem se você me disser “essa é a seção de portfólio”, então eu vou dar uma olhada. Mas quando você finge que essa é uma peça publicitária que teve impacto no mercado, esqueça.

No ano passado, a conversa girou em torno de Fearless Girl. Não parece haver um sucessor este ano.
Vou ser provocativo mais uma vez: Fearless Girl fez o quê pela marca? Não sei a qual marca está associada. Perdemos a conexão. Confundimos persuasão com promoção. Todos ficaram muito empolgados com o Nike Fuelband dez anos atrás. Não correria de Nike de jeito algum. New Balance, sim. Não ligo quantas FuelBands você pode criar, eu não vou comprar. Não acho que vocês fazem tênis de corrida bons. Vocês têm que me persuadir.

Então o que deveria ser feito para persuadi-lo a comprar um par de Nike?
Você tem que me persuadir que a tecnologia por trás do tênis de corrida faz com que eu corra melhor e com mais segurança. Isso leva muito tempo.

Tempo fazendo o quê?
O que eu ouço constantemente é um debate sobre o que a tecnologia está fazendo, não o que nossa audiência quer ouvir. Tive uma conversa com um cara adorável, um ex-cliente nosso que agora faz mídia social para Jaguar Land Rover e ele diz, “Sabe John, tenho de estar online o tempo todo”. Eu perguntei por quê: “quem diz que você tem de estar on o tempo todo?” Facebook vai te dizer isso. Google vai te dizer isso. É o interesse deles, não o seu.

O que tem a dizer das consultorias entrando no terreno das agências?
Por que essas pessoas não deveriam se envolver? O problema é que as agências são suas próprias piores inimigas e não são muito boas em estabelecer um relacionamento de confiança com os clientes.

Até que ponto o modelo das holdings interfere nesse relacionamento?
É um modelo falido, provavelmente. Não está respondendo às necessidades dos clientes. Clientes podem fazer tanto quanto as holdings fizeram com mídia, dados, análise de dados. Tivemos aquele grande relatório mostrando que as holdings não estavam sendo transparentes. Então os clientes olham para as agências e para as holdings como pessoas nas quais não podem confiar. Agências e holdings deveriam saber que a base da marca é confiança. Então não consigo ver um futuro para as holdings. Nos próximos 15 anos veremos um completo realinhamento e uma ruptura.

O que você acha que Sorrell está tramando?
Acho que ele tem todos os tipos de problemas. Com ele mesmo, realmente. Quando você diz “modelos”, que tipo de modelos você quer dizer? (risos). Vamos esperar que continuem sendo modelos de negócios. É uma vergonha o que ele pensa que vai fazer. Ele parece alguém que está tentando se vingar e sabemos que esse é um prato que se come frio. Ele deveria fazer outra coisa. Minha única previsão sobre o futuro é a criatividade.

Você mencionou o nascimento de Jesus como exemplo da criatividade alimentada pelos dados. Você olha para os Dez Mandamentos, um dos conteúdos mais duradouros do mundo, e foi escrito em pedra. O meio mais velho que existe.
Exatamente. A melhor marca do mundo é a Igreja Católica. Melhor logo. Toda lição de marketing está ali. A questão é: dois milhões de anos, alguns problemas, ainda vive. Onde estará você daqui 2.000 anos?

*Tradução: Isabella Lessa

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