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Comunicação

Opinião: a felicidade não está nas coisas

As marcas não podem mais se dar ao luxo de concentrar seus esforços ao monoteísmo da mídia de massa porque a missa ficou chata


4 de fevereiro de 2016 - 8h50

Por Fernand Alphen*

Por mais estranho que pareça dizer que a propaganda nasceu para ser uma ferramenta de transformação de pessoas normais em consumidores apaixonados (ou cegos), principalmente em um veículo que fala com os atores dessa técnica quase científica revestida de um verniz criativo, este artigo prenuncia uma tendência sutil das marcas para reconhecer que fomos longe demais. Tudo começou com a mídia de massa, ela também um extraordinário pasteurizador de conteúdos, em que triunfa a filosofia do mínimo denominador comum. A equação é simples: a originalidade do conteúdo é tão menor quanto maior for a quantidade de pessoas impactadas. Assim, também a propaganda raciocina para encontrar estímulos que motivem muitas pessoas, diferentes entre si, mas iguais em determinados valores, aspirações e necessidades.

E o que poderia ser este senso universal que toca e convence as dóceis ovelhas? Emoção. Qualquer convencimento que apela para as emoções das pessoas atinge muito mais indivíduos do que seus gostos racionais. Se o argumento exigir o gosto e der início a uma elaboração intelectual (isso é bom ou ruim porque… ou isso é melhor ou pior do que aquilo porque…), há bem menos chances de adesão por um grupo grande de pessoas do que qualquer argumento de sedução emocional. Todo mundo ama, quer viver a vida, desfrutar das coisas boas e sonhar, mas nem todo mundo gosta de branco ou doce ou gelado ou pontudo ou rápido. Nem todo mundo acredita no argumento do mais barato, do mais seguro, do mais na moda, mas todo mundo quer abrir a felicidade.

Isso era do tempo em que a mídia que consumimos era exclusivamente de massa. Isso era do tempo em que as pessoas eram ovelhas comportadas. Isso era do tempo em que a cauda era curta e as participações de mercado das grandes marcas eram fatias gordas e suculentas. Mas nosso comportamento está mudando. Embora a mídia de massa ainda hipnotize a bunda de milhões de espectadores, a atenção das pessoas está dividida e absorta alhures, em outras telas. A televisão de massa, que antes protagonizava soberana nos lares, virou salva-tela.

E antes do ovo, a galinha. Os cidadãos, com acesso a informação universal e fácil, e com um poder de opinião amplificado, já aprenderam que o entorpecente não é agradável e tem intenção ideológica. Em outras palavras, se você desvia é porque tem algo a esconder. Ou, simplesmente, não me engane que eu não gosto.

Pois antes da galinha, o ovo. Se antes a escala fazia o sucesso de uma empresa, hoje a concorrência especializada corrói rapidamente qualquer soberania. Até porque as curvas de aprendizado se estreitaram drasticamente com o poder do compartilhamento da multidão. Isso sem falar na morosidade dos tecnocratas das grandes multinacionais, que não tiram o olho do retrovisor, rezam um pai nosso às pesquisas e fogem como diabo da cruz à intuição.

As marcas, reflexo e causa dessas mudanças, não podem mais se dar ao luxo de concentrar seus esforços ao monoteísmo da mídia de massa porque a missa ficou chata.

E porque as marcas espalham seu discurso de comunicação, adaptando suas mensagens a grupos cada vez menores, é audacioso ou míope seguir acreditando na mensagem universal e intoxicante.

As marcas pregadoras, que rezam uma verdade única, tendem a perder seus fiéis porque outros infinitos deuses são mais terrenos.
Esse movimento das marcas voltarem a falar de suas verdades, de produto, é redentor para o consumidor que otimiza suas escolhas e minimiza o desperdício.

É também um enorme alívio para os marketings que já não sabem mais o que mentir.

E, finalmente, é um extraordinário incentivo à inovação técnica, funcional e concreta, que é pelo bem de todos.

Estamos livres para ser felizes sem mais precisar das coisas que consumimos.

*Fernand Alphen é chief strategy officer da J. Walter Thompson 

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