O que não tem mais graça na publicidade?
Criativos falam sobre a evolução do humor na propaganda e indicam temas e assuntos que já deixaram de ser piada
Criativos falam sobre a evolução do humor na propaganda e indicam temas e assuntos que já deixaram de ser piada
Bárbara Sacchitiello
18 de abril de 2017 - 13h30
O humor sempre foi um dos pilares mais fortes da publicidade brasileira e um dos elementos responsáveis por colocar a indústria de comunicação do País entre as melhores do mundo. Saber rir das situações – sobretudo de si próprio – é um dom que o brasileiro domina com maestria. Nada mais natural que essa arte fosse aproveitada pela indústria da comunicação e se tornasse marco de muitos cases que, em diferentes épocas, conseguiram arrancar sorrisos de muitas gerações.
Construir uma mensagem publicitária engraçada, no entanto, é uma missão que exige uma constante evolução. Tão difícil quanto encontrar o tom certo das piadas é entender que tipo de humor cabe e, principalmente, qual não cabe mais em uma sociedade cujas vozes se amplificaram com as redes sociais e não poupam críticas e boicotes àquilo que julgam ser sem graça.
Para compreender essas mudanças dos tons de humor na publicidade nacional, Meio & Mensagem conversou com criativos e profissionais do mercado para saber quais os cuidados que se deve ter quando a proposta é fazer o público dar risada. Confira as opiniões:
André Pedroso, diretor de criação da Fischer
“Contar uma piada sobre homossexual nos anos 80 e contar uma piada sobre homossexual atualmente era e continua a ser ofensivo. Um profissional responsável não erraria em época nenhuma. Existem muitos filmes dá década de 1980 que continuam atuais, principalmente porque a ideia era muito boa e porque foram criados pro profissionais zelosos. Não tem graça, nem hoje e nem antigamente, atacar de forma gratuita qualquer minoria. ”
Dedé Eyer, diretor nacional de criação da NBS
“O mundo mudou, os valores mudaram e algumas piadas simplesmente não tem mais graça. Aí o argumento (simplório por sinal) de que ‘é só uma piada’ deixa de existir, já que pra ser piada o pressuposto é fazer rir. A internet democratizou o humor, permitiu que gente que antes não tinha condições de aparecer e mostrar sua linguagem, agora tenha. Agora, apesar da evolução a publicidade continua reproduzindo signos, mesmo não sendo a mensagem principal de suas campanhas, que contribuem pra eternização de alguns preconceitos. Qualquer coisa que coloque uma pessoa sequer em uma posição de inferioridade não tem mais graça.”
Fernando Sanches, diretor de cena da Spray Filmes
“Já temos um filtro que nos permite saber o que vai ou não ser aceito pelas pessoas. Cresci assistindo Os Trapalhões, que era uma programa engraçado e recheado de estereótipos e reconheço que, hoje, nada daquilo caberia mais. Piadas com características físicas, por exemplo, não tem mais vez. Nos anos 90, o Baixinho da Kaiser era engraçado por ser daquela maneira. Hoje, o protagonista dos comercial dos Postos Ipiranga também é baixinho, mas a piada da propaganda não é feita em cima disso.”
Guy Costa, sócio e vice-presidente de criação da We
“Não podemos ser o piadista chato muito menos exagerado ou com mau gosto. Não deve existir questionamento quando se fala sobre causas e bandeiras. Racismo, igualdade de gêneros, feminismo, religião… Não te graça nisso. É sério. Conscientização é a evolução da humanidade. E naturalmente em um período de mudanças temos os exageros para ambos os lados. Os profissionais e a propaganda não podem ter falta de conexão com a realidade e com o contexto. Não temos mais espaço para patetas sem noção.”
João Livi, CEO da Talent Marcel
“Quando uma marca faz graça, ela se coloca no mesmo patamar em que seus consumidores estão. O humor é a maneira mais rápida de quebrar o gelo e há inúmeras formas de fazer coisas engraçadas. Por que, então, devemos ficar repetindo as velhas piadas de sogra, de cunhado, de vizinho? Ninguém aguenta mais. Tenho preguiça de publicitário que acha que é preciso recorrer a estereotipo para criar uma campanha engraçada. Sou careca, não tenho problema com isso, mas não acho legal ficar tirando sarro ou brincando em cima dessa característica, por exemplo.”
Leo Avilla, diretor de criação da Santa Clara
“Parece que a maioria dos profissionais ainda quer fazer a mesma fórmula que fazia rir nos anos 90. Estamos contando as mesmas piadas. Não vejo um esforço muito consciente para entender o que pode ou não. É mais na base do teste, acerto ou erro ou da ideia de que ‘o mundo tá chato’. Sendo que não há nada mais chato do que reclamar do politicamente correto. Não adianta espernear, reclamar, sentir saudades do Mussum.”
Rafael Urenha, CCO da DPZ&T
“Não tem mais graça insistir em velhos gatilhos, como explorar uma imagem estereotipada da mulher. A publicidade precisa estar sempre prestando atenção no comportamento das pessoas – o que elas andam fazendo, o que andam pensando, como elas se divertem. Fazer humor geralmente é fazer uma crônica desses costumes. E, Para ser engraçado é fundamental ser autêntico, natural.”
Zico Farina, diretor de criação da Artplan
“Felizmente, a publicidade é um reflexo do seu tempo. Fumar em avião já foi normal, não usar cinto de segurança também. É o comportamento da sociedade que dita as regras. Ou você acompanha ou corre atrás do prejuízo. Qualquer tipo de preconceito e piadas sexistas não cabem mais.”
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