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Foi dada a largada #partiudiadascrianças

O ato de presentear uma criança foi substituído por raciocínios complexos, simbólicos e metafóricos


9 de outubro de 2014 - 3h21

* Por Ulisses Zamboni

Século 21, 2014: duvido que você, pai ou mãe, tia ou tio, parente de alguma criança, já não tenha sido questionado [ou já não se questionou] se deve ou não comprar um presente para essa data. Duvido! Assim como duvido que você julgou desnecessário o simples ato de celebrar esse dia com ela.

Sem apelar para o saudosismo ou ainda sem valorizar demais o passado, posso garantir que a vida era bem mais simples, fácil e direta. Celebração do “Dia das Crianças” = “ganhar presente novinho”. Tão simples quanto isso.

O pontapé para o período mais promissor do varejo nacional será dado agora em Outubro, com a data promocional do Dia das Crianças. Duvido que você não se lembre de um dia das crianças da sua infância que você tenha recebido um brinquedo novo e que tenha se maravilhado com isso. Certamente, o que passava naquela cabecinha ainda imaculada pela sociedade de consumo era a ideia de que você era, simplesmente, a pessoa mais feliz do mundo.

Sim, a vida complicou. O simples ato de se presentear uma criança no tradicional “dia das crianças” foi substituído por raciocínios complexos, simbólicos e metafóricos do que esse ato possa representar, que vai de temas mais subjetivos como o da compra do amor da criança, a da compensação à culpa da ausência dos pais que trabalham fora, a da submissão intelectual infantil aos desígnios do mundo moderno até temas mais objetivos como o da validação da carestia e do capitalismo selvagem, a consumo infantil massivo desnecessário, além do desserviço que isso possa representar à educação da criança.

A maioria das questões atuais sobre o tema estão alicerçadas num objeto central e polarizante que é a vilificação da sociedade de consumo [entre adultos e crianças] em detrimento de uma vida dita mais “nobre” e menos mundana [ou consumista].

Aqui vai – de novo – outro saudosismo para construir a retórica de uma premissa sobre esse assunto: “sou do tempo” em que os coletivos (a igreja, a escola, os clubes e agremiações e, por incrível que pareça, a própria política) eram entidades fortes e estruturadas o suficiente para edificar – junto com a família – a identidade do indivíduo, a ponto dele não se corromper assim tão facilmente aos estímulos externos. A pergunta que não quer calar: há alguma dúvida que esses coletivos estão fragilizados? E que a construção identitária das nossas crianças podem estar mais perto dos referenciais vindos do último clipe de Lady Gaga ou Miley do que da própria escola?

Parece ingênuo comparar “o meu tempo” – sem web, aplicativos e PS4 – com essa era de modernidade e acesso livre à informação, mas a entidade da família está lá, ainda presente. Por que raios a célula mais próxima da criança, apesar dela ter adquirido novas configurações (tradicional, com duas mães ou dois pais, com duas mães e um pai, mães e pais solteiros…), ainda se mantém no papel de terceirizar a educação dos filhos seja para a escola, seja para a TV ou para os Youtubes e Vimeos da WEB?

Gille Lipovetski, o sociólogo que cunhou o termo “hipermodernidade” e “hiperconsumo”, definindo o mundo atual como um lugar de cidadãos ansiosos e, portanto, vorazes em tudo, concedeu entrevista recente aqui no Brasil, para o jornal Zero Hora, dizendo “Antes, as pessoas compravam para serem valorizadas em seu ambiente, era um consumo de status. Isso existe ainda, e provavelmente sempre existirá, mas, ao mesmo tempo, temos um consumo cada vez mais voltado ao prazer.”

Se levarmos em consideração a premissa que o consumo atual tende a ter um maior traço de prazer [do que o simples status], pela lógica, ele passará a ser nas próximas décadas um pouco menos massivo e um tanto mais individualizado, já que responderá mais e mais aos desejos pessoais. O que só faz crescer a importância do coletivo familiar, que precisa estar atento “24 X 7” à formação e à educação do pequeno indivíduo para que ele identifique corretamente seus desejos e consiga separar “vontade” de “necessidade”.

Isso me faz lembrar de uma recentíssima iniciativa da ABRAL – Associação Brasileira de Licenciamento – em produzir uma campanha educativa sobre o publicidade infantil. Esse tema extremamente controverso, que já vem sendo discutido há alguns anos pelo CONAR, ALANA, ABRINQ entre outras instituições que lidam sobre consumo infantil, levanta exatamente essa questão da formação e educação da criança.

Uma frase retirada da campanha da ABRAL, que tem o hashtag #eduquesemmedo me chama atenção: “o que o seu filho quer, nem sempre é o que ele precisa”. Não há dúvida que o coletivo familiar se mantém intimidado. De alguma forma enfraquecido e assustado com a responsabilidade da educação compartilhada dos seus com a TV e com a WEB. Só que vale notar que a voz da mídia não se cala. Está sempre presente. 24 X 7. Fica evidente que as vozes dos pais não podem se calar. Tão pouco falar menos. A campanha não se equivoca em apontar que os vilões não são externos. Ao contrário, identifica – sem dó – que controlar o externo é muito mais difícil e inglório do que simplesmente executar as funções paterna e materna a que os pais são inequivocadamente solicitados quando se tornam genitores.

Proibir a propaganda infantil em detrimento da proteção da criança é, em ultima instância, emitir atestado de incapacidade familiar na gestão das vontades, necessidades e preferências de seus próprios indivíduos. Nesse sentido, a campanha atinge o foco central do problema porque coloca o dedo na ferida e devolve a responsabilidade da formação identitária da criança ao seu núcleo familiar.

Se for para ser saudosista, mesmo parecendo antiquado ou muito pouco moderno, por que não usarmos a mesma educação atenta, objetiva e focada na estruturação do caráter das crianças, assim como grande parte de nós recebeu? Afinal de contas, se você está lendo esse artigo é porque o que veio da família construiu bem (e muito) seu caráter. E, sem medo, tenham um bom dia das crianças, black fridays, natais…

*Publicitário, psicanalista e CEO da Agência Santa Clara 

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