No outono, você desistiria de lutar?

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No outono, você desistiria de lutar?

Cobriria o oponente de pancadas para se vingar? Tentaria preservar sua dignidade? Nada disso


5 de janeiro de 2015 - 3h01

* Por Marcos Caetano

Não estamos no outono. Mesmo se você ler esta crônica numa das mais remotas cidades do mundo, ainda assim não será outono. Será verão ou inverno, mas outono jamais. Este início de ano me deu vontade de falar sobre o outono. Não sobre a estação climática, mas sobre o outono metafórico, aquele temível e quase invariavelmente triste: o outono da vida, os últimos tempos, o fim de carreira, a cruel visita do tempo, pau, pedra, fim do caminho.

Já parou para pensar nele? Se você tem mais de 30 anos, aposto que sim, embora
alguns comecem mais cedo. Há alguns anos, um pequeno problema de saúde me forçou a ficar de pernas para o ar por uma semana, num leito de hospital.

As enfermidades, por menores que sejam, têm o poder de nos fazer pensar sobre
a inevitável decadência física, de forma que, mesmo sem ter chegado aos 50 anos, idade que, para um executivo, corresponde à adolescência, não consegui evitar pensamentos outonais. Outra consequência de um repouso forçado é o tempo que nos sobra para ler e ver filmes na TV. Numa dessas horas vadias, assisti aos últimos minutos do filme Réquiem Por um Lutador, estrelado pelo saudoso Anthony Quinn, que foi pugilista antes de dedicar-se às telas.

O filme narra o drama de Mountain Rivera, um boxeador decadente que, depois de 17 anos nos ringues, é alertado por um médico sobre a impossibilidade de continuar a lutar. A penúltima cena transcorre nos vestiários de uma arena de luta livre, modalidade parecida com o velho telecatch, na qual grandalhões fantasiados participam
de combates forjados. Num canto do vestiário, visivelmente humilhado, está o expugilista Rivera, vestido com uma improvisada roupa de índio e uma patética peruca com longas tranças. Mesmo contrariado em participar do espetáculo burlesco, ele
precisa do dinheiro.

O veterano até aceita lutar, mas implora por uma pequena concessão: só subirá ao ringue sem a constrangedora peruca. O mafioso organizador da luta não concorda com o apelo de Rivera e manda seus capangas caírem sobre ele.

O velho pugilista espanca seus oponentes e diz que não lutará mais. É quando as
ameaças se voltam para o empresário e amigo do pugilista. Um empresário picareta,
que chegou a apostar contra seu protegido no último combate, mas que, apesar
de tudo, era uma das únicas pessoas das quais o boxeador gostou na vida. Ao ver o
amigo nas garras dos capangas, Rivera capitula.

Veste a peruca, apanha a machadinha de madeira e, caracterizado como um
cacique de bloco dos sujos, sobe no ringue. A cena final mostra Rivera atravessando
a multidão sob vaias, xingamentos e ironias — na farsa da luta livre, o cacique era um
dos vilões. Gritam-lhe que está acabado, que é uma vergonha para o boxe e que não
leve nada a sério, já que a luta é de mentira.

Com expressão perturbada, Rivera ouve o gongo e o filme chega à sua resolução.
O que faria o velho pugilista? Desistiria de lutar? Cobriria o oponente de pancadas para se vingar? Tentaria preservar sua dignidade? Nada disso. Com contas para pagar
e o amigo nas garras dos capangas, Rivera caminha em direção ao adversário, leva a
palma da mão direita até a boca e golpeia-a seguidamente, enquanto grita como
os índios dos filmes de segunda categoria:

“Uh-uh-uh-uh-uh!”. O filme acaba.

Um desfecho duro, mas que retrata perfeitamente o final de carreira de muita gente.
Depois do filme, lá no hospital, ponderei que a decadência não é uma exclusividade
dos atletas. E recordei as palavras de um jornalista veterano, quando questionei
um texto que ele escreveu para um informe publicitário, recomendando enfaticamente
um restaurante que ele não apreciava tanto assim. “Essa é uma das coisas menos nobres que o sujeito precisa fazer para pagar o colégio dos filhos quando chega ao outono da carreira.

É possível que um dia você precise fazer algo parecido”, disse-me o amigo.
E ele tem razão. É bom que nos acostumemos com a ideia de que, mais cedo ou
mais tarde, muitos de nós seremos convidados a vestir aquela triste fantasia de índio.
Faremos o possível para evitar a peruca de tranças, mas isso já seria um bônus.

Como resolução de 2015, prometo demonstrar toda a minha compreensão para
com aqueles que não conseguiram chegar à reta final da carreira com um cinturão de
campeão do mundo no currículo. E olhar para suas tranças e machadinhas com o
respeito que devemos aos que lutaram o bom combate. 

* Marcos Caetano é diretor global de comunicação corporativa da BRF

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