A supervalorizada virtude do esforço

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A supervalorizada virtude do esforço

Coffee Break: Ouço vozes defendendo o trabalho duro, os processos e os controles em detrimento do talento, da inventividade e do risco


2 de abril de 2015 - 1h06

Por Marcos Caetano (*)

A cerimônia do Oscar 2015, que por um lado foi bastante sem imaginação, por outro teve o mérito de consagrar um filme extraordinariamente inventivo: Birdman – ou a Inesperada Virtude da Ignorância. Até os anos 1970, era comum que a cada temporada Hollywood presenteasse o mundo com dois ou três filmes antológicos. Com a “adolescentização” da indústria do cinema a partir dos anos 1980, filmes inteligentes foram perdendo espaço para as superproduções de consumo rápido. Desde então, poucos foram os filmes capazes de me fazer sair do cinema com a certeza de ter visto algo transformador. Pulp Fiction, que em 2015 alcançará a maioridade, foi um desses casos raros. Birdman, para mim, está claramente nessa categoria. Só que minha avaliação está longe de ser uma unanimidade nas timelines da vida, o que me fez refletir sobre algumas questões mais profundas.

O que me deixou preocupado nessa questão menor do Oscar foi algo mais abrangente, e que tem a ver com o dilema — tão antigo quanto falso — de talento versus esforço. Nas discussões do mérito dos filmes indicados ao Oscar, notei uma polarização entre Birdman e Boyhood. O argumento usado pela maioria dos defensores do correto Boyhood em detrimento do furioso Birdman seguia mais ou menos esta linha: “Mas o diretor investiu 12 anos no projeto…” Ora, isso é como se um quadro meu que levou 12 anos sendo pintado fosse melhor do que um do Picasso, que ficou pronto em três minutos. E aqui chego ao ponto central desse texto: a crescente valorização do esforço em detrimento do talento é um fato que muito me angustia.

Não sei se esse é um fenômeno localizado no Brasil — que na década de bonança pré-crise de 2008 virou um país um tanto novo rico, deslumbrado, moralista e acomodadão — ou se é algo mais universal. O fato é que cada vez mais ouço vozes defendendo o trabalho duro, os processos e os controles em detrimento do talento, da inventividade e do risco. Como se essas coisas não pudessem coexistir. Nesse sentido, Boyhood é uma história sobre pessoas que conseguem se reagrupar e reacomodar diante das mais diferentes situações. Já Birdman é totalmente sobre tomar riscos. Do diretor que escolhe um tema polêmico e esfrega na cara da Academia a crise criativa do próprio cinema ao ator principal (e seu personagem espelho) que expõe as vísceras e se desnuda literalmente numa trama cheia de fúria, tudo no filme vencedor do Oscar se parece com um salto mortal. Caiu de pé, é aplaudido. Caiu errado, quebra o pescoço. Birdman caiu de pé. Ou nem sequer chegou a cair: graciosamente, preferiu sair voando pela janela.

A publicidade brasileira também já viveu dias de maior brilho. Houve uma época em que a genialidade e a coragem de tomar riscos valiam bem mais do que a execução impecável e fria como um desfile da Beija-Flor. Campanhas eram medidas por sua capacidade de entrar na cultura popular, criar marcas e vender produtos — e não em volume investido, GRPs, likes e outros indicadores que podem ser produzidos com esforço e dinheiro. Morro de medo de um dia ver um PowerPoint de uma agência dizendo assim: “Entregue sua conta para a gente, pois nosso ROE é de 37,5% e nosso EBITDA de R$ 100 milhões.”

David Ogilvy, gênio da publicidade e patriarca da profissão, do alto de sua sabedoria redigiu uma nota intitulada “Tolere o gênio”. Dizia assim: “Conan Doyle escreveu que ‘a mediocridade não reconhece nada melhor do que ela mesma’. Tenho observado que os homens medíocres reconhecem o gênio, ressentem-se dele, e sentem-se compelidos a destruí-lo. Existem poucos homens de gênio nas agências de publicidade. Mas precisaremos de todos os que pudermos encontrar. Quase sem exceção, eles são desagradáveis. Não os destruam. Eles põem ovos de ouro.”

* Marcos Caetano é diretor global de comunicação corporativa da BRF  

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