O fim da linha de montagem

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O fim da linha de montagem

Ezra Geld, CEO da J. Walter Thompson, afirma que as agências precisam encerrar o copy paste e atuar de forma mais colaborativa


17 de setembro de 2015 - 12h41

Historiador, Ezra Geld tornou-se CEO da J. Walter Thompson, uma das maiores agências do Brasil, em julho de 2013. Movido pela curiosidade sobre o comportamento humano, ele decidiu trabalhar com publicidade na PHD de Londres, durante os dez anos que viveu no exterior.

Em 2004, de volta ao Brasil, ingressou na J.Walter Thompson como diretor de pesquisa de mídia. Em 2011, foi promovido a diretor-geral e, em 2013, a presidente

Especialista em revolução francesa, cujos impactos na sociedade foi tema de seu mestrado, Ezra acredita que o mercado de Comunicação vive um momento de grande disrupção.

Algumas regras antigas, não valem mais. Uma delas é o que ele chama de “linha de montagem”, estruturas nas agências voltadas à criação de campanhas no método copy-paste. Hoje, cada projeto precise ser pensado de maneira exclusiva. Outra disrupção é na forma mais colaborativa de se trabalhar, oposta à ideia de propriedade intelectual de um único criativo, por exemplo.

Não é fácil comandar essa transição que afeta profundamente a cultura de uma agência de publicidade. “O mercado sofre uma ruptura porque as nossas máquinas ainda funcionam para alimentar uma linha de montagem que deixou de funcionar”, afirma Ezra Geld, em entrevista cuja íntegra foi publicada na edição impressa 1677 de Meio&Mensagem. Confira os principais trechos do bate-papo:

Meio & Mensagem — Quais os desafios para estabelecer uma gestão mais colaborativa em um negócio como a publicidade?

Ezra Geld — Há uma longa tradição de autoria e propriedade intelectual no mercado que é compreensível. Quem cria algo se sente dono. O que está acontecendo é que, no contexto das mudanças na área, e mesmo no mundo, a criatividade tem mais a ver com a cooperação, o que deixa todos muito desconfortáveis. A pessoa pode ter tido a ideia, mas a partir do momento em que alguém a melhorou, passa a ser algo compartilhado. Essa é uma questão mal resolvida no mercado de comunicação, especialmente porque as ideias são difíceis de delinear. E existe a questão geracional. Para a turma que está chegando, até os 30 e poucos anos, a coisa de ser dono e ter posse de alguma coisa é diferente da minha perspectiva e daquela das gerações mais velhas. Há um desapego maior. Isso tem a ver com movimentos sociais que têm ocorrido e com a tecnologia. Você não tem que ter posse de tudo. As coisas estão aí e você pode aproveitar, ou não. Essa visão altera a maneira como encaramos o trabalho em comunicação.

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M&M — Altera de que maneira? A ponto de afetar o modelo sob o qual as agências tradicionalmente constituíram suas operações?

Geld — Se fosse fazer uma crítica ao mercado, diria que passamos muito tempo em cima do modelo que nasceu na revolução industrial de copy paste e linha de montagem, que funcionou bem por muito tempo. O mercado sofre uma ruptura porque as nossas máquinas ainda funcionam para alimentar uma linha de montagem que deixou de funcionar. Estamos nos acostumando com um cenário em que não há uma fórmula mágica. O que é feito aqui é ajustado ali, logo depois. Para dar vida a uma constante mudança, é preciso cooperação nas agências. Essa é a mágica de empresas mais jovens, que nascem com a máquina pronta para rodar de um novo jeito. O desafio das agências é resertar sua máquina, embora ela ainda tenha relevância e resolva parte dos problemas. Há estabilidade por conta dessas estruturas, mas é preciso correr mais riscos calculados. Se houver tempo para planejar, a agência pode mudar gradativamente. Se há mudança brusca, aí tem que resetar e começar do zero.

M&M — Pensar a gestão de forma mais colaborativa envolve pensar no aspecto humano. Como gerenciar egos nesse cenário?

Geld — Ego é um problema quando se sobrepõe ao objetivo do nosso negócio. O ego pode ser o freio do atraso, de tirar a humildade necessária para te ajudar a entender novas coisas. Mas é fácil acusar o ego de ser o principal problema. É preciso ter curiosidade de saber o que vem por aí e coragem de experimentar e errar. A garantia da linha de montagem, de ter um produto vendável no final do processo, não existe mais. Os criativos são inteligentes e querem evoluir. O maior desafio é ter mais desapego em relação às ideias. O que estão aprendendo na marra é que a ideia não é exatamente aquilo que vão colocar na rua. Será ajustada. Plantam a semente, mas não regam sozinhos.

M&M — O quão profundas são as mudanças que o mercado de comunicação atravessa? É uma evolução ou revolução?

Geld — Existe uma evolução na sociedade, porque sempre tivemos acessos a tecnologias novas, da roda à faca de cortar pão, às tecnologias digitais, que nos modificam. No caso do mercado de comunicação, é mais profundo: trata-se de uma disrupção muito agressiva. Mas até isso é por tabela, porque a disrupção verdadeira ocorre no mercado de mídia, nos veículos de comunicação, e na forma como pessoas consomem conteúdo. Existia uma questão de posse, transacional e financeira, em que eu pago pelo conteúdo para ter o direito de usá-lo. Mas, hoje, a distribuição e geração de conteúdos são fáceis. Os antigos latifúndios editoriais não estão sozinhos. Isso não quer dizer que detentores de conteúdo não sigam sendo relevantes. Mas a curadoria toma a dianteira no modo como as pessoas vão filtrar essa riqueza de conteúdo. À medida em que existe um dilúvio de conteúdos, a comunicação e a propaganda podem se perder. O mercado está sendo obrigado a voltar a gerar conteúdo com a meta de que ele seja relevante. Hoje, as pessoas têm opções. Por isso, todo mundo tem que subir o sarrafo. A publicidade está competindo com o gerador de conteúdo editorial. E sendo forçada a editar o que gera de uma forma mais relevante.

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