Opinião: Dá um tempo, cabeça!

Buscar
Publicidade

Comunicação

Opinião: Dá um tempo, cabeça!

Criativos mudam de foco, não de profissão. É como se tivéssemos uma sina da qual não queremos nos livrar por nada neste mundo


14 de janeiro de 2016 - 8h45

(*) Por Mauro Cavalletti

Vai soar esquisito, mas não vou desejar um ano cheio de inspiração, ideias fantásticas e muito sucesso para meus colegas na indústria criativa. Este ano, meus amigos, vou desejar algum equilíbrio e um pouco de silêncio em nossas vidas. Em 2016, vamos continuar bombando aqueles projetos malucos, inventando todas as rodas que quisermos, comemorando nossos êxitos e os dos nossos colegas prediletos como fazemos todos os anos. Vamos lamentar coletivamente as revoluções que outros colegas deixaram de fazer por um cabelinho qualquer que não caiu no lugar certo na hora certa. Tudo bem, vamos continuar a nossa rotina fabulosa, mas, pelo menos uma vez ou outra, vamos dar um tempo neste ano que começa.

Conheci um taxista em Nova York com um bom humor impressionante. Quando vi a bandeirinha do Tibet pendurada no retrovisor, perguntei se era um monge (só podia ser). Ele riu alto, confirmou e me contou que foi para os Estados Unidos ensinar filosofia e budismo no programa de doutorado da Universidade da Califórnia em Santa Cruz. Quando seu contrato terminou deveria voltar para o mosteiro onde morava na Índia, mas um tio que vivia em NY o convenceu a ver como era a vida por lá, fazer algum dinheiro, ficar perto dos parentes. Seu mestre apoiou a decisão. Gostava tanto do táxi, onde podia conhecer gente, que acabou ficando. Seu mestre chegaria em algumas semanas para levá-lo de volta. Quando chegasse ao mosteiro, entraria numa prática de silêncio absoluto por alguns meses, não por castigo, mas para limpeza da mente. Meses e meses sem falar, nem resmungar, nem comentar, nada. Eu perguntei, pensando na minha própria mente sem parada: “E todas aquelas ideias malucas que não param de aparecer sem convite? Algumas são realmente boas, né?” Ele riu de novo e falou: “No começo elas são muito agressivas, mas depois de algum tempo você aprende a se distanciar delas. Depois vem a paz e o silêncio. Quando isso acontece, ondas de felicidade começam a invadir o seu corpo.”

Pensamento interessante para um criativo, esse em que a falta de ideias leva à felicidade. No nosso caminho viajante, a felicidade tem forma de invenção e não pode ter fim. A real é que a gente não consegue dar um tempo. As ideias não param nem na hora do cafezinho. Um colega deixou a agência para um sabático no ano passado. Alguns dias depois, vi este post no meu feed: “Meu marido saiu da agência. Em 12 dias em casa nas suas férias entre um lugar e outro, ele já criou um programa de TV e já tá roteirizando o piloto, já inventou uma estratégia de mkt pra bombar a rebimboca que vende o sanduíche preferido de linguiça do interior, juntou forças criativas com uma galera bacana no Mackenzie para pensar soluções de economia para Mariana, montou uma marcenaria, foi em madeireira, e chega todo dia com ideias pra contar, estuda inglês e lê livros duas horas por dia! Alguém me salva?”.

Criativos mudam de foco, não de profissão. É como se tivéssemos uma sina da qual não queremos nos livrar por nada neste mundo. Outro colega não deixou a agência, mas mudou de nome e de país. Se meteu em um programa espacial secreto na Suécia da sua mente, e sem sair de casa entrou na rotina escandinava de seu sabático imaginário por algumas semanas. Tudo disciplinadamente documentado em seu perfil no Facebook. Um dia enjoou e voltou.

Criativos são criaturas estranhas. Aquelas vozes perturbadoras que enchem o saco de todo mundo, enchem os criativos de empolgação. Os que conseguiram encontrar paz com tanto barulho, como meus amigos acima, vivem vidas felizes e excitantes. Mas não é difícil encontrar aqueles que atravessam noites sem dormir para entregar concorrências, perdem sistematicamente os finais de semana montando apresentações e passam os dias planejando o próximo prêmio. Tudo isso é normal, ninguém aqui é monge. Por isso, desejo para mim mesmo, para meus amigos e principalmente para aquele cara que eu já fui, muitos minutos de silêncio neste novo ano.

* Mauro Cavalletti é head of creative shop do Facebook

Esta opinião foi originalmente publicada na edição 1692, de 11 de janeiro de 2016, exclusivamente para assinantes, disponível nas versões impressa e para tablets de Meio & Mensagem. Nos tablets, para acessar a edição, basta baixar o aplicativo nos sistemas iOS ou Android.  

wraps

Publicidade

Compartilhe

Veja também