David Bowie: a morte é a mensagem

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Comunicação

David Bowie: a morte é a mensagem

Superexposição, o fenômeno midiático mais comum na nossa era, ou exposição mínima levam ao mesmo lugar?


21 de janeiro de 2016 - 4h30

*Por Abel Reis

Enquanto o Big Brother Brasil parte para sua 16ª edição na TV brasileira — confirmando que a superexposição da privacidade e a celebração do cotidiano anônimo vieram para ficar –, David Bowie seguiu direção oposta não sem chegar, de certa forma, a resultado semelhante: audiência fiel, engajada, genuinamente apaixonada e amplamente mobilizada. Nenhum post, nenhum tweet, nenhuma notícia vazou sobre seu estado de saúde. Não houve piedade compartilhada nem espetacularização da dor ou flashes de intimidade que dessem qualquer pista de sua condição física nos últimos tempos.

Mesmo assim, ausente, intermitente no show business e isolado por longos períodos, o anúncio de sua morte “bombou”. Levou seu nome e incrível trajetória ao topo das buscas na internet e de posts nas mídias sociais, inundou capas de revistas e jornais e inspirou festas e atos em sua homenagem em todo o mundo e de várias gerações.

Mas quer dizer então que superexposição — o fenômeno midiático mais comum na nossa era — ou exposição mínima levam ao mesmo lugar? Entender os meandros da comunicação, como se vê, é a própria condenação de Sísifo: no mito, cada vez que ele chega com a pedra ao topo da montanha, ela rola abaixo e o obriga a recomeçar a subida novamente…

Um caminho para entender Bowie é pensar na ideia de planejamento da obsolescência, ou da morte, em última instância. Não de forma narcisista, derrotista ou marqueteira, mas como o exercício (corajoso e consciente) de protagonismo no encerramento da experiência vital. Bowie talvez tenha definido exatamente quando “parar”, plasmando sua continuidade em outro formato.

É a cara – e a alma – dele atuar esteticamente, exaltando a beleza da vida (e da morte) até no cerrar das cortinas. Quantos inícios e términos ele já não tinha orquestrado ao longo da carreira? Tal qual Fernando Pessoa e seus heterônimos, Bowie fez do mergulho em múltiplas existências e alter egos — sempre embalados em músicas, roupas, maquiagens e expressões belas e atraentes — a sua ética particular. O eclipse do dia 10 de janeiro foi mais um ato de beleza enquanto ela ainda era possível.

Seriam então as câmeras ocultas, os desafios, as festas, os namoros e as brigas, o cenário e os concorrentes dos reality shows tão estrategicamente planejados quanto o fim do artista que atravessou décadas vestindo, despindo-se e sobrepondo tendências, atitudes e insights que ele mesmo lançou e descartou? Sim, provavelmente. David Robert Jones, seu nome de nascimento, partiu. David, o Bowie, articulou-se para imortalizar uma “ética estética” que nos captura pela força da beleza, elegância, transgressão e vanguardismo. Mesmo na morte.

Em dez anos, os sites de busca não trarão uma foto, um comentário ou reportagem sobre o crepúsculo de Bowie simplesmente por que esses registros – se feitos — não foram publicados. A mensagem que ele deixou, mais uma vez bela e inusitada, é o disco “Blackstar”. As faixas contam o último capítulo de sua história: falam de morte, dor, transcendência, desapego, sofrimento.

O CD chegou ao público na data do seu aniversário, dois dias antes de sua partida. O videoclipe “Lázarus”, inspirado no personagem bíblico ressuscitado por Cristo, é o espelho da transição programada por Bowie do mundo físico para outra dimensão, a virtual. No ambiente digital, seus velhos, novos e futuros seguidores irão cultivar, recriar, compartilhar e ritualizar seu legado, mantendo o camaleão absolute beginner. A morte, conta-nos Bowie, é então uma passagem (e não o fim) e uma mensagem (e não o silêncio). Migra-se para outro espaço, o virtual midiático, no qual o show continua infinitamente. Amém.

*Abel Reis é CEO da Dentsu Aegis Network e da Isobar Latam 

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