A Lei Rouanet não é democrática, diz Muylaert

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A Lei Rouanet não é democrática, diz Muylaert

EM novo livro, jornalista resgata criação da Exame, presidência da Bienal, governo FHC e outras passagens de sua trajetória profissional


6 de dezembro de 2018 - 9h34

O jornalista e empresário Roberto Muylaert já publicou uma diversidade de livros, sobre os mais variados assuntos e numa diversidade de formatos: relato de viagem, crônicas, infantil, futebol, guerra… Mas nunca antes havia compilado suas experiências profissionais, sendo boa parte delas dedicadas à indústria da comunicação. Faz Pouco Tempo, lançado semana passada pela editora do Sesi-SP, resgata boa parte dessas histórias, repletas de curiosidades, bastidores e até mesmo polêmicas. O tom é autobiográfico e bastante espontâneo, recapitulando desde a criação da revista Exame nos anos 1960, até a reformulação da Ícaro, nos anos 1990.

Roberto Muylaert (Crédito: Arthur Nobre)

Nesse ínterim, Roberto dirigiu a Fundação Bienal de São Paulo, conduzindo projetos marcantes para a entidade, e presidiu a Fundação Padre Anchieta de 1986 a 1995, reestruturando a TV Cultura e colocando-a para disputar audiência com grandes emissoras comerciais. A passagem lhe rendeu o Caboré de 1990 para Profissional de Veículo e um convite para ser ministro da Secretaria de Comunicação Social de Fernando Henrique Cardoso, ainda em seu primeiro governo. O episódio também ganha contornos especiais em Faz Pouco Tempo, revelando seu relacionamento tenso com o poderoso Sérgio Motta, ministro das Comunicações, que pressionou Muylaert, segundo seu relato, para que assumisse dívidas da campanha eleitoral como se fossem investimentos em publicidade estatal, ao que se recusou.

“Ele estava tratando da questão da privatização da telefonia e eu era o corpo estranho ali. Nessa terceira reunião, ele me deu um uísque e começou a ficar violento. Disse: ‘Acho que você não entendeu. Esse negócio tem que ser feito para pagar a campanha’. E a turma dos profissionais credores de novo ali, olhando para mim”, relata, em um dos trechos, sobre parte dos diálogos com o famoso Serjão que, antes de morrer, em 1998, chegou a ser acusado de comprar votos para passar na Câmara o projeto de reeleição do ex-presidente. Pressionado, Muylaert deixou a pasta três meses depois de chegar em Brasília. Confira a seguir trechos da entrevista sobre o novo livro:

Meio & Mensagem — Como surgiu a ideia do livro?
Roberto Muylaert — É meu oitavo livro, mas é o primeiro que eu trato da minha vida profissional, com uma narrativa em primeira pessoa. O prefácio é do Amir Labaki, que é um amigo que encontrava esporadicamente e sempre insistia que eu tinha de compartilhar minha experiência na TV Cultura, escrever a respeito. Acabei fazendo e falei para ele “Bem-feito, agora você vai ter de escrever o prefacio” (risos). O título Faz Pouco Tempo é para não dar a impressão de que são memorias do Roberto Muylaert, mas são fatos que, do ponto de vista histórico, “faz pouco tempo” que aconteceram, não tem uma estrutura de memória que, acredito eu, é algo mais sério, não falo tanto da minha vida, exceto episódios profissionais.

Dos episódios profissionais, pode-se dizer que a criação da Exame foi dos mais marcantes? Antes ela era um encarte de revistas técnicas.
Bom, eu sempre quis ser jornalista… Mas não tinha faculdade de jornalismo na minha época. Em São Paulo, fui estudar engenharia, me formei, consegui trabalho e, aos 22 anos, estava no Rio de Janeiro, como engenheiro de uma empresa de transporte de minério… Não era jornalista, mas pelo menos estava morando em Copacabana, adorava. Só que a sede me chamou de volta e fiquei meio na fossa. Saí do auge da Bossa Nova para a Mooca industrial… A empresa tinha comprado um espaço semanal no Estadão e comecei a escrever um boletim para esse anúncio, era sobre transporte industrial, o que chamou a atenção da Abril. Bateram na minha porta, perguntando se não queria ir para lá escrever na Transporte Moderno… Como disse, sempre quis ser jornalista, então fui correndo. Saía com minha (câmera) Rolleiflex e fazia reportagens, mas logo depois virei diretor de redação. Passei a cuidar também da publicidade das revistas técnicas da Abril, então me tornei o primeiro publisher da empresa, numa posição que era estranha mesmo naquela época, pois já era forte a coisa de Igreja e Estado, mas eram revistas diferentes, técnicas, pautas frias, cabia bem isso. A Exame era um caderno de administração dentro das técnicas. Nessa época, fui fazer um curso em Stanford e fiquei impactado. Na volta, convenci o Roberto Civita que tínhamos de fazer só a Exame. Levou três meses de convencimento até ele desistir das técnicas, falava para o Roberto que ainda não tinha muito anunciante industrial no Brasil, que Exame era o futuro. Foi assim e fizemos algo voltado também para estilo e negócios, já revelado desde a primeira capa, a do golfista. Depois, com o Mino Carta e o José Roberto Guzzo no comando do editorial, foi um sucesso.

Fidel Castro em encontro com Muylaert para gravação de um Roda Viva especial, em 1990 (Crédito: Arquivo Pessoal)

E a reformulação da TV Cultura? A empresa estava muito diferente quando você assumiu.
Eu havia sido diretor da Bienal e depois, presidente. Usei estratégias de marketing cultural sem pedir dinheiro para o governo e levantei de 70% a 80% da verba assim. Isso pavimentou meu caminho para a Cultura, onde acabei fiquei nove anos, reeleito três vezes. Mas a empresa estava mal… Haviam acabado de mudar de nome, pois achando que “Cultura” espantava o público, chamava-se RTC, e haviam mudado a identidade de cor, colocado um laranja. O jornalismo era sucateado… Lembro que comecei a ver no telejornal um apresentador e parecia que a gravata estava suja, babada. “Que estranho”, pensei. Logo em seguida veio o meteorologista, com a mesma gravata babada. E isso era só a ponta do iceberg. Havia um pensamento de que tudo da Cultura era para ajudar as emissoras comerciais, toda a produção de conteúdo, até profissional, técnica, era cedido sem nada em troca. Descobri que havia uma portaria sem muito controle, nos fundos, pela qual muita gente circulava transportando arquivo e equipamento para outras emissoras. Tinha até um número, um ramal interno, pelo qual se podia jogar no bicho. Além de tudo, eu entrei em junho, depois do incêndio em fevereiro, que havia destruído estúdios, ilha de edição etc. Peguei nessas condições e fomos mudando as coisas, trazendo mais seriedade para a coisa. Depois de nove anos, estávamos disputando o terceiro lugar todo dia e, excepcionalmente, o segundo lugar de vez em quando. A grade acompanhava a família, começava com a programação no infantil, ia para o juvenil, o adulto… Tínhamos o Rá Tim Bum (que posteriormente deu origem ao Castelo Rá-Tim-Bum), Anos Incríveis, Mundo da Lua, Nossa Língua Portuguesa, telejornais e programas jornalísticos, como o Vitória, de esportes radicais com música, o Metropolis... Também os semanais como o Vitrine, o Roda Viva, que entrou no lugar do Vox Populi, e o Matéria Prima (que revelou Serginho Groisman na televisão).

As decisões importantes sobre cultura ficam totalmente fora do Estado. É um absurdo, isso não é democracia, é delegar sem saber como e o que está acontecendo

Você também se destacou pelos projetos em cultura e publicou um livro específico sobre patrocínio na área. Como vê a questão hoje, diante tanto debate que o financiamento de artistas gerou recentemente durante a corrida eleitoral?
Acredito piamente que o volume de dinheiro que hoje sai pela Lei Rouanet é muito maior do que o volume que sai do governo. Mas, desse jeito, as decisões importantes sobre cultura ficam totalmente fora do Estado. É um absurdo, isso não é democracia, é delegar sem saber como e o que está acontecendo. Meu livro Marketing Cultural ensinava como bater na porta das marcas, apresentar uma proposta, mostrar as vantagens ao patrocinador… Tirando as atualizações do tempo, estava tudo lá. Mas a Rouanet venceu, tirou esse tipo de estratégia do foco, e hoje virou briga de cachorro grande: lobistas, empresários, produtores tirando fatias enormes de dinheiro… O artista em si ainda tem que bater na porta, principalmente o independente, que sofre demais, enquanto um conjunto de empoderados brigam pelas verbas de Rouanet. Quando um pequeno consegue um projeto aprovado na lei, ele comemora, mas mal imagina que aquilo é só o início da batalha, não é garantia de financiamento. Quando era cogitado para o Ministério da Cultura, eu propus na época selecionar 20 grandes projetos anuais e nacionais, convocando empresários para assinar do lado do presidente, com imprensa, TV e tudo o mais, de modo que ficassem comprometidos, mas não foi adiante (Muylaert acabou indo para a Secretaria de Comunicação Social). Não sou contra a Lei Rouanet, precisamos sim, mas conduzido pelos interesses da sociedade e do governo. Não adianta ficar xingando a Maria Bethânia (que chegou a conquistar financiamento via renúncia fiscal para um blog sobre poesia, em 2011, mas sofreu intenso escrutínio público e desistiu), ela estava certa. Hoje, é muito difícil ter uma diversidade de projetos patrocinados.

 

Atualizado às 14h34.

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