A peleja da qualidade com a infantilização

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A peleja da qualidade com a infantilização

Coffee Break: ?Não há dúvida de que correr irracionalmente atrás da audiência é um erro. Um erro que quase todas as emissoras abertas do mundo cometem, mas, ainda assim, um erro?


5 de maio de 2015 - 8h30

Por Marcos Caetano (*)

A menos que esteja vivendo em outro país ou planeta, nas últimas semanas você só ouviu falar da Rede Globo. O Brasil parou para comentar a trajetória da agora cinquentenária Vênus Platinada. Com toda a razão. A combinação da força da audiência da emissora com a programação especial preparada para celebrar a efeméride fez com que todas as pessoas, de todas as classes, conversassem sobre ela por meio das redes sociais — e alguns mais antiquados, pasmem, até pessoalmente. Esses eventos fizeram despertar em mim uma certeza: a televisão aberta pode readquirir a grande relevância que ostentou no passado, desde que tenha a coragem de sair da caixa, quebrar convenções, ousar com novos formatos e apostar sem medo em conteúdo de qualidade, como a retrospectiva histórica do Jornal Nacional, o indiscutível ponto alto da festa dos 50 anos.

No passado, a Globo formava sua audiência. Note que eu emprego o verbo formar não apenas para fazer menção aos grandiosos números do Ibope, mas também no sentido de formação estética, de educação do olhar. Não se iluda: foi a Globo que nos ensinou o que é um telejornal benfeito, como deve ser um novelão bom de acompanhar, de que forma deve ser transmitida uma partida de futebol, como desenvolver uma programação infantil de primeira linha, como cultivar os mais altos padrões comerciais no mercado de mídia. E tudo isso foi construído por meio de uma programação que fascinou uma geração de telespectadores, com conteúdos revolucionários para a época, como o JN, o Fantástico, a Vila Sésamo, o Globo Repórter, o Sítio do Picapau Amarelo e um punhado de novelas e séries inesquecíveis. Nessa época, nasceram coisas como o célebre Padrão Globo de Qualidade e a grande sacada da programação por faixas de horário, frutos da genialidade de homens como Boni e Walter Clark.

Se eu pudesse resumir em uma frase a principal marca da emissora naquele período, eu diria que a Globo trabalhava pelo melhor da arte e da informação — e a audiência acompanhava com entusiasmo e encantamento esse trabalho. Hoje, lamentavelmente, a TV é que corre atrás da audiência, muitas vezes permitindo que esta dite sua estética e conteúdo intelectual. E isso é algo que causa mais dano à cultura do País do que se pode imaginar. Michelangelo é eterno não por ter esculpido, pintado e projetado o que os florentinos mais simples esperavam ver, mas por ter surpreendido a todos com obras que elevaram o espírito de seu tempo e, creia-me, maravilharam também os florentinos mais simples. Até hoje nossos olhos brilham com as obras do grande mestre, da mesma forma que — guardadas as devidas proporções — assistíamos a um programa da era de ouro da Rede Globo. Um canal que tinha bambas como Eduardo Coutinho produzindo conteúdo para sua grade tradicional. João Moreira Salles, o maior documentarista vivo do Brasil, considera Teodorico – O Imperador do Sertão, dirigido por Coutinho, o maior documentário já realizado no País. Ele foi produzido para o Globo Repórter e transmitido no horário nobre, atingindo audiência superior à da novela das 21h desta semana.

Não há dúvida de que correr irracionalmente atrás da audiência é um erro. Um erro que quase todas as emissoras abertas do mundo cometem, mas, ainda assim, um erro. Infantilizar-se e tornar-se simplória para agradar a uma audiência cada vez mais infantilizada e simplória diminui a estatura da emissora e, em última análise, a alma cultural do país. E o mais triste é constatar que tudo acontece num triste círculo vicioso: uma audiência infantilizada exige programas infantilizados, que a deixa cada vez mais infantilizada e querendo coisas cada vez mais infantilizadas. O caminho deveria ser justamente o oposto. Quando a Globo quer elevar o debate, como fez na celebração de seus 50 anos, o Brasil vem junto. Nas últimas semanas, ela fez todos debaterem de forma elevada o jornalismo e os grandes temas mundiais — e todos simplesmente adoraram. Isso deveria ser tentado mais vezes, no horário nobre, e não apenas no jornalismo. A maior empresa de comunicação do País precisa confiar mais no próprio taco, na qualidade de sua programação, que sempre foi o seu superpoder. É um salto de fé que só os grandes sabem dar. A cinquentona emissora tem uma perfeita combinação de experiência e vigor para se atrever a isso. E precisa entender que, caso não se atreva, será superada em verba publicitária e audiência pelos Google e YouTube do mercado.

Feita essa reflexão, parabéns à empresa que colocou o Brasil no primeiro mundo das comunicações e é, a um só mesmo tempo, o grande totem e o grande farol do nosso mercado de TV, impedindo que ele seja tomado pela barbárie e pelo obscurantismo. Há que se ter muito respeito pela única emissora aberta que, ciente de sua missão e valores, jamais vendeu espaço em sua programação para igrejas e infomerciais. Mesmo quem diz que odeia a Rede Globo já se emocionou com alguma coisa que ela deixou como legado para a alma do País. Da mesma forma como este escriba se emocionou, na já célebre retrospectiva do JN, com aquele “boa noite” do veterano Cid Moreira, esse nosso national treasure.

* Marcos Caetano é diretor global de comunicação corporativa da BRF  

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