O tímido avanço do compliance em tempos de Lava Jato

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Opinião

O tímido avanço do compliance em tempos de Lava Jato

Desde a entrada em vigor a Lei Anticorrupção muitas empresas já enveredaram por essa trilha, mas boa parte de seus programas continua no patamar da incipiência


12 de maio de 2016 - 13h12

Um dos principais legados da chamada Operação Lava Jato para o Brasil deverá ser a profunda transformação da cultura corporativa, por meio da adoção e do aprimoramento consistentes de políticas e programas de compliance, expressão que, em inglês, resume um conjunto de virtudes, entre as quais ética, transparência e conformidade com as leis e normas em vigor.
Desde o final de janeiro de 2014, quando entrou em vigor a Lei nº 12.846 – batizada de Lei Anticorrupção –, muitas empresas já enveredaram por essa trilha, mas boa parte de seus programas continua no patamar da incipiência. Pesquisas recentes realizadas no Brasil por algumas consultorias e auditorias indicam que mais da metade das empresas de médio e grande portes entrevistadas não possuem qualquer estrutura, política ou programa de ética e compliance formalizados e divulgados aos públicos interno e externo. Entre as restantes, apenas uma reduzida minoria (em torno de 10%) já dispõe de sistemas integrados, funcionais e de elevado desempenho, enquanto as demais tratam de integrar ações ou têm somente uma estrutura mínima de compliance.

A implementação de políticas e práticas de compliance é, de fato, um grande desafio. Envolve um amplo escopo de ações, como a definição dos valores éticos e do código de conduta, a avaliação profunda dos riscos de fraudes em todas as operações da companhia, o envolvimento de todas as áreas, a implementação de comitês e de auditorias e a participação da alta cúpula, ditando a direção, o ritmo e o tom das iniciativas. E envolve, sobretudo, comunicação. Muita comunicação.

Como prega Paulo Nassar, diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) e professor livre-docente da Escola de Comunicações e Artes da USP, “se as organizações desejam ser éticas e transparentes, se querem combater a corrupção no nascedouro, se pretendem liderar pelo diálogo, precisam se comunicar bem, interna e externamente”.

Somente a participação estratégica e proativa dos comunicadores difundindo as mensagens, valores e condutas das empresas pode garantir a efetividade dos programas de compliance e a disseminação de uma cultura de ética e transparência que perpasse o mundo dos negócios e alcance todos os segmentos da sociedade – acionistas, investidores, parceiros, fornecedores, clientes, terceiros, comunidades, consumidores e, especialmente os funcionários e colaboradores, que são os protagonistas desse processo.

De acordo com o estudo “Report to the Nations on Occupational Fraud and Abuse – 2014 Global Fraude Study”, da Association of Certified Fraud Examiners (ACFE) – fundação baseada no Texas (EUA) que é uma das maiores instituições de educação antifraude do mundo –, as denúncias e “dicas” de funcionários são, de longe, o método mais comum e consistente de detecção de práticas de corrupção dentro das empresas. Elas respondem por 51% das descobertas de fraudes nas empresas com canais de denúncias, enquanto as taxas de detecção por meio de auditorias internas e externas ficam em 15,2% e 1,3%, respectivamente.

Outro estudo, denominado “2015 World’s Most Ethical Companies” e realizado pelo Instituto Ethisphere – que tem sede no Arizona (EUA) e se dedica à definição e aprimoramento de padrões de ética nos negócios – indica que, entre 2013 e 2015, passou de 72% para 94% o número das empresas mais éticas que desenvolveu planos de comunicação para articular e disseminar as mensagens de compliance. As formas de comunicação são variadas: de murais e boletins informativos internos a processos de comunicação entre gestores e subordinados, de redes sociais a e-mails de incentivo, de seminários a recursos de Intranet (como blogs e fóruns), passando por publicações internas, e-mails marketing e portais na Internet. Segundo o Ethisphere, 85% das companhias mais éticas têm planos plurianuais de comunicação na área de compliance e 100% utilizam métricas para medir a efetividade das ações.

O objetivo da comunicação, como ensinam especialistas estrangeiros mais afeitos a programas de compliance, é tornar a informação interessante, relevante e usável, a fim de estimular o engajamento dos funcionários e de outros públicos. Parece óbvio, mas nem todas as empresas atentam para a necessidade de dispor de um time de evangelistas capaz de entregar a mensagem certa na linguagem certa para o público certo na hora certa. E, quase sempre, é disso que dependem a saúde do ambiente corporativo e a reputação da companhia.

A catequese interna torna-se mais premente ainda na medida em que, segundo a ACFE, os funcionários subalternos respondem por 42% das fraudes ocupacionais (apropriações indevidas, corrupção e desvios financeiros), o nível de gerência, por 36%, e os sócios e executivos, por 19%. Não é por acaso que a Operação Lava-Jato, originada na investigação de desvios na Petrobras, tem a intensidade de um tsunami na cultura empresarial brasileira. As fraudes já apuradas estão na casa dos bilhões e quanto mais avançam as investigações da Operação Lava Jato menor é a tolerância da sociedade brasileira a malfeitos corporativos.

Fraudes e corrupção não são, obviamente, exclusividades do Brasil. O estudo global da ACFE indica que as empresas perdem anualmente 5% de sua receita com fraudes. Já o Fórum Econômico Mundial estima que o custo da corrupção chega a US$ 2,6 trilhões por ano, o equivalente a 5% do PIB global. O problema do País é a secular tolerância aos desvios, que precisa ser devidamente sepultada se os brasileiros quiserem construir uma nação sólida e saudável, com instituições robustas, economia fértil e produtiva e justiça social.

Nessa missão de transformar a cultura brasileira por meio da ética e da transparência, as empresas e as agências de comunicação corporativa têm muito trabalho pela frente. Mãos à obra!

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