Salsichas em tempo de Big Brother

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Opinião

Salsichas em tempo de Big Brother

As redes sociais serão efetivas ligações entre grupos mais restritos, com forte destaque para o universo do consumo


1 de junho de 2016 - 8h20

O que mais angustia quem trabalha com comunicação é a decadência dos meios como os conhecemos até hoje e a vertiginosa velocidade com que as mensagens são multiplicadas, deformadas e substituídas por novas. Nada mais parece importar a ponto de durar mais que breves — mesmo que violentas — chuvas de cliques, com poucos instantes de efetiva fixação na consciência de um receptor exaurido pela avalanche de informação cotidiana. Enganava-se em suas previsões Andy Warhol: no futuro que já é presente, a fama não durará 15 minutos. O simples conceito de tempo de exposição deixará gradativamente de valer como medida para cérebros saturados. Mas, nesse contexto, o que, afinal, valerá como parâmetro de referência?

Antes que o leitor caia no desespero, cabe ressaltar que a sociedade tende a se adequar e acomodar a tudo o que lhe é confortável, e a rejeitar o que não lhe convém. O que é excessivo, pelas leis da natureza, é expelido pelo organismo. Isso vale para vitamina C e para informação. E será na avaliação da dose correta do quanto despachamos ao público que residirá o segredo do sucesso da mensagem.

Análises de cenários nos médio e longo prazos realizados pelo Copenhagen Institute for Future Studies (CIFS) reforçam a certeza de que, cada vez mais, o consumidor vai selecionar os canais de comunicação que melhor atendem a seus interesses e só a eles. Ele vai acessar esses canais em busca do que sabe muito bem que deseja, e vai demandar o atendimento de sua necessidade no menor intervalo e com o mais baixo custo possível. Ele já tem isso, hoje, ao alcance de seu smartphone. Se essa realidade, à primeira vista, parece criar uma situação em que o contraditório e a concorrência parecem fadados a desaparecer,ou seja, em que se pregaria aos já convertidos, na prática gera imenso desafio para criação e planejamento: identificar e aproveitar brechas no discurso alojado na zona de conforto de cada um, para introdução de novas mensagens que, até, o modifiquem e levem o destinatário a questionar suas convicções. Mais que comunicação subliminar, será uma comunicação que podemos chamar de embutidos. Como em uma bela salsicha identificamos temperos e texturas, da mesma forma, no conteúdo, deveremos poder notar os detalhes que o alteram. Se o resultado vai ser bom ao paladar ou jogado no lixo, dependerá da perícia do cozinheiro.

O que vemos hoje nas redes sociais é o que de pior podemos encontrar, tanto numa salsicha como em comunicação. Como nos primeiros tempos do cinema com som e da TV colorida, a tentação é o paroxismo do discurso e da mensagem. Todas as cores são fortes, todos querem gritar mais alto e pouco se apreende das mensagens cruzadas. Pois assim como o cinema achou seu caminho e a TV aprendeu a lidar com as cores, as redes vão migrar para algo mais sereno e objetivo. Não serão mais redes como as que temos hoje, mas efetivas ligações entre grupos mais restritos, com forte destaque para o universo do consumo. Há pouco, o vice-presidente do Facebook, David Marcus, previu que em breve os números de telefone desaparecerão, substituídos pelos canais de mensagens como o WhatsApp e Messenger, que permitem fazer ligações diretamente. O refinamento dos filtros e meios de comunicação, assim, é um processo gradativo que, inclusive, já vem sendo adotado, por meio de bloqueios e seleções diversas.

Recentemente, o relatório do CIFS Como Ser Resiliente no Século 21, trouxe nota sobre o crescimento do chamado Finstagram, uma rede que jovens das gerações Y e Z, avessos a todo tipo de autoritarismo e imposições sociais, vêm adotando como opção ao superexposto Instagram. Ali, com perfis falsos, esperam estar a salvo da cada vez maior tendência dos empregadores a espiarem seus perfis nas redes oficiais, para detectar possíveis problemas que possam comprometer a imagem das empresas. Soluções como essas são reação natural à falta absoluta de privacidade que ocorre hoje e que tende a implantar um cenário “orwelliano” à sociedade. Mas são, também, uma prova de que essa mesma sociedade, como no mundo do Big Brother, cria mecanismos para se defender dos controles formais. Lidar com essas brechas será, com certeza, o grande desafio para os comunicadores das próximas décadas.

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