Cultura do Estupro: e eu com isso?

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Opinião

Cultura do Estupro: e eu com isso?

Ao criar uma peça, troque a personagem mulher por um homem. Ficou parecendo ridículo? Então porque você aceitaria colocar uma mulher nesse papel?


6 de junho de 2016 - 10h02

O termo “rape culture” (cultura de estupro) foi usado pela primeira vez na década de 1970 por feministas norte-americanas numa tentativa de conscientizar a sociedade sobre esse sistema. Trata-se de um cenário no qual as atitudes sociais sobre o gênero e a sexualidade fazem da violência sexual algo normal. Esse sistema funciona como uma rede de códigos e comportamentos que juntos reforçam e alimentam essa cultura, assegurando que a opressão às vítimas seja sempre mais forte que a punição.

O caso do estupro coletivo no Rio de Janeiro, onde 33 homens filmaram e publicaram o estupro de uma menina de 16 anos, expôs uma série de comportamentos que evidenciam essa cultura. A culpabilização da vítima por parte da sociedade e a tentativa de veículos de comunicação em justificar a violência por ela sofrida são alguns dos exemplos, mas não os únicos.
Outras maneiras de perpetuar a cultura do estupro são: fazer piadas sobre violência de gênero; romantizar a ideia da perseguição (o tal do “‘não’ significa ‘sim’”); ignorar a linha do consentimento ao ensinar meninos que “mulher não sabe o que quer” e por isso deve-se sempre insistir; ensinar meninas a se “dar o respeito”, como se a violência sexual fosse a norma à qual elas devem se adaptar; desacreditar vítimas quando o agressor/estuprador é alguém próximo (como se a violência sexual só acontecesse em becos escuros da Manhattan dos anos 1970 ou nos morros cariocas).

Objetificamos meninas de 11 anos de idade com seu primeiro sutiã e depois lavamos as mãos para assédios em locais públicos ou casos mais graves de violência contra menores de idade

A lista de códigos e comportamentos é longa. Porém, o objetivo deste texto é fazer o mea culpa em nome de criadoras e criadores de conteúdo. Não são poucos os casos em que nós ajudamos a perpetuar esses códigos.

Sim, ainda existem casos em que meninos aprendem em casa a assediar, mas na maioria das vezes esse comportamento é incentivado em filmes, novelas, músicas, comerciais e campanhas publicitárias. Lendo o MiniManual do Jornalismo Humanizado da Think Olga, tive a ideia de jogar para o mundo da comunicação algumas dicas. Então vamos lá:

Do planejamento a execução:
Colaborar com a cultura do estupro não se resume àquele post fail nas redes sociais do cliente. Essa conscientização deve estar presente desde o início do planejamento até a execução da campanha. Modelos seminuas em feiras e salões de automóveis, meninas vestidas de maneira sensual para oferecer brindes e decorar pontos de venda… São estratégias que perpetuam a cultura do estupro ao esvaziar essas pessoas de conteúdo e objetificar seus corpos.

Romantizar o assédio
Sim, nós publicitários adoramos fazer isso. Objetificamos meninas de 11 anos de idade com seu primeiro sutiã e depois lavamos as mãos para assédios em locais públicos ou casos mais graves de violência contra menores de idade. Cabe aqui um alerta especial para os casos em que o público alvo da campanha é masculino: é nesse recorte que muitos criativos se sentem livres para disseminar a masculinidade tóxica como se não houvesse consequências, tanto para as mulheres, quanto para os próprios homens.

Casa de ferreiro, espeto de pau
Muitos já perceberam que o momento pede um reposicionamento de seus clientes com peças livres de machismo e opressão. A campanha pode ficar linda, ganhar prêmios e ser elogiada nas redes sociais. Porém, não basta que isso seja feito apenas da porta para fora. Se dentro da sua agência você ainda faz, ou permite que façam, piadas com a saia de uma colega (esteja ela presente ou não), brinca com a ideia de contratar mais “estagiárias da Faap”, chama uma mulher para uma reunião apenas para “embelezar” a sala para o seu cliente, seu novo posicionamento será mero oportunismo, incapaz de se sustentar. Sem falar na dificuldade em reter colaboradores dentro desse ambiente de trabalho.

E se fosse um homem?
Caso você, assim como eu, acredita que a publicidade é uma ferramenta crucial para o fim da cultura do estupro, esse teste será de grande valia. Quando criar uma peça, troque a personagem mulher por um homem. Ficou fora da realidade? O personagem parece ridículo e nada aspiracional? Então porque você aceitaria colocar uma mulher nesse papel?

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