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Opinião

Dependentes digitais

E a chamada alienação que pode ser transformada em mudança


16 de junho de 2016 - 8h30

BELCHATOW POLAND - MAY 02 2013: Modern white keyboard with colored social network buttons.

Muito se fala sobre o quanto estamos imersos e realmente viciados no mundo digital. Que, apesar de sermos bombardeados por notícias o tempo todo, de todos os estilos e linguagens, temos apenas a falsa sensação de estarmos bem informados sobre tudo – no fundo, é tudo um repeteco sem fim.

Falam que a internet deixou de ser uma ferramenta democrática, capaz de abrir os olhos e os ouvidos das pessoas, e se transformou em algo alienante e excludente. Que vivemos em uma bolha cada vez mais restrita, na qual vemos apenas aquilo que nos é pertinente – seja por conta dos tais algoritmos, dos filtros pessoais relacionados as nossas preferências e histórias de vida ou das tais redes sociais – que restringem nossos emissores de informação ao nosso círculo de amigos. E só. Nada além disso.

Toda essa análise e discurso tem muito fundamento, eu sei. Faz sentido. Viver em nichos virtuais pode ser realmente segregador, mas eu ainda prefiro um mundo no qual tenhamos a possibilidade de estimular a discussão entre um pequeno grupo a um universo no qual ninguém exprime sua opinião sobre nada – e continua sendo, silenciosamente, um ser humano nocivo e perturbador.

Tenho a ligeira sensação de que de tanto algumas coisas serem faladas em pequenos grupos ou locais as ideias têm ganhado força online e off-line. Nos coletivos, nas ONGs e até no judiciário. Nunca tantas bolhas cresceram a ponto de incomodar outras. Nunca tantas bolhas foram ouvidas fora delas.

Estupradores e entusiastas políticos estão online. Pedófilos, nutricionistas, engenheiros civis. Viciados em armas, em drogas, negros, ruivos e gays. Em cada uma das nossas bolhas existe uma pessoa que agrada e surpreende e outra que gera repulsa e reflexão. Indignação. Alguém que te faz perceber que ali, no seu pequeno círculo estudantil, no trabalho ou na academia, existe um pouco de cada crime e mazela do mundo. De dor, de ódio, de drama e de fé. De problemas sociais, psicológicos, patológicos, no qual todo mundo faz parte. Do qual todo mundo precisa ser informado sobre.

A internet te faz perceber que existem assuntos capazes de sair dos filtros impostos. Capazes de burlar as normas dos algorítimos. Tão poderosos por seu conteúdo e, às vezes, tão absurdos que se tornam virais. Viajam do Snapchat para um portal de notícias, do Twitter para o Facebook, do Instagram para a televisão.

A bolha nociva que nos aliena também é capaz de nos orientar.

De te obrigar a discutir política, ainda que do jeito errado. De te mostrar quanto de ódio pode existir entre pessoas aparentemente iguais. De parar de criar seus filhos com ideais machistas porque percebeu, finalmente, que o efeito que isso traz para o mundo é diário, é palpável. É cruel. Está lá no depoimento da mana, no crime passional, na porta da escola da sua vizinha, nas fotos que você recebeu com tom de piada via Whatsapp.

A internet, principalmente as redes sociais, nos permite mudar de rumo sim, bloquear a família talvez, mudar de opinião sempre. Repensar nosso círculo social ou aquilo que sempre estivemos acostumados a ver, a sentir, a ouvir ou a acreditar que era certo.

Podemos dizer muitas coisas sobre a proporção da cultura inútil recebida online ser infinitamente superior ao conteúdo relevante produzido por lá, ou infinitamente mais disseminável, mas não podemos negar a força que a internet tem para os movimentos civis, quaisquer que sejam.

Não podemos ser tão negativos a ponto de realmente acreditar que o tal do ativismo de sofá não muda nada. Se ele não se converte em saraus, manifestações e novos grupos de protesto, no mínimo, incomoda aqueles que estão instaurados, legalizados, completamente incoerentes e nunca se viram ameaçados.

Vamos fazer um escândalo. Nem que seja online e sobre tudo aquilo que for possível. Existe o lado bom até mesmo no excesso das coisas.

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