A Bel Pesce em cada um de nós

Buscar
Publicidade

Opinião

A Bel Pesce em cada um de nós

Nos dias de hoje, as pessoas não compram você pelo que você vende de você mesmo, mas sim pelo que você faz e entrega


5 de setembro de 2016 - 12h06

Há alguns anos, eu estava num TED com uma amiga, que é presidente de uma grande empresa no país, tomando um café e conversando despreocupadamente. O salão estava cheio e ao longe caminhava uma jovem apressada. Ao identificá-la, a minha amiga sorriu e gritou seu nome: “Bel!” Elas se olharam à distância e sorriram. A jovem veio ao nosso encontro e ambas deram um caloroso abraço. Em seguida, fui apresentado a ela: “Essa é Bel Pesce”.  Eu recebi um demorado abraço da minha nova amiga, acompanhado de um sorriso farto. Foi assim que eu me apaixonei pela Bel Pesce: amor à primeira vista. Ela contou que havia concluído um novo livro chamado “A menina do Vale 2” e estava iniciando uma excursão pelo país para divulgá-lo. Esse livro vinha no rastro do enorme sucesso do seu primeiro livro “A menina do Vale” e o papo seguiu a partir desse tema.

No mesmo dia, eu pesquisei quem era Bel Pesce. Digitei seu nome no Google e surgiram milhares de textos, imagens e vídeos. Procurei dados sobre sua formação e experiência e fiquei encantado com tudo que li, ainda tão jovem mas com um história de vida inteira para contar. Sem dúvida, ela tinha uma formação eclética, única e bem diferente da média dos jovens mais brilhantes que eu conheço. Nas semanas seguintes, troquei alguns poucos e-mails com ela, sempre com respostas demoradas e alegação de agenda lotada e viagens. A minha relação com a Bel terminou num daqueles e-mails, com longos intervalos sem resposta, nunca mais nos falamos.

Duas semanas depois daquele efêmero encontro no TED, recebi numa rede social um convite para um hangout da Bel, marcado para um domingo às 23h. O convite falava que ela conversaria com internautas sobre aprendizados, eventos, tendências e novidades, e um dos assuntos seria o TED. Fiquei curioso e entrei no hangout no dia e horário marcados. Depois de cinco minutos do hangout iniciado a Bel já tinha mais de duas mil pessoas acompanhando ao vivo, postando comentários e demonstrando um engajamento em nível máximo. Após duas horas de conversa, a timeline do hangout já tinha milhares de comentários escritos por internautas, quase todos encantados com a Bel e debatendo com fervor os temas discutidos por ela.

A energia da Bel é extraordinária e contagiante. Foi ali que eu concluí que eu estava diante de alguém especial. O número de ouvintes cresceu nos hangouts seguintes, cada sessão parecia juntar mais pessoas e eu passei a tentar entender o fenômeno que estava diante dos meus olhos. Ela demonstrava uma excepcional capacidade de comunicação, carisma, boas ideias e super entusiasmo. Também explorava ao máximo o conceito da “Menina do Vale”, era evidente o quanto as pessoas ansiavam em ouvi-la. Curiosamente, a cada hangout que eu participava, o meu desinteresse pelo conteúdo apresentado aumentava. Ela continuava sendo consistente em suas conversas, sempre com brilho nos olhos, mas eu sentia falta de profundidade, histórias práticas e relatos que eu realmente pudesse aplicar no meu dia a dia. Com o tempo eu concluí o óbvio: a Bel, como qualquer jovem, tem pouca “quilometragem rodada”; apesar de sua boa formação e boas ideias, faltava a vivência necessária para me trazer o que eu queria ouvir.

Eu não considero os livros e as palestras da Bel direcionados para mim. Seus livros são bem montados e bem escritos, porém me parecem mais motivacionais do que educacionais, não apresentam conteúdo muito inovador e nem têm muita profundidade. O conteúdo produzido por ela sempre me pareceu um misto de mensagens de motivação com o “O Alquimista” do Paulo Coelho, mesmo assim, estou convencido de que existe um contingente enorme de pessoas que apreciam esse tipo de mensagem e conteúdo que a Bel oferece. Ela realmente sabe motivar as pessoas, abrir cabeças e gerar entusiasmo, suas palestras são desejadas e seus vídeos vendem.

Quando li a primeira vez sobre a FazInova, fui tentar entender do que se tratava. O conceito e a proposta são boas, mas a FazInova ainda é conhecida como o projeto da Bel Pesce. Uma das razões é que o projeto ainda é recente, a FazInova ainda está em seus passos iniciais, tentando encontrar o caminho, portanto é prematuro esperar que a curto prazo essa escola entregue resultados concretos e seja considerada uma referência em empreendedorismo. Para o projeto decolar é preciso incorporar pessoas com calos nas mãos e cicatrizes nas costas, gente que colocou a mão na massa e tem experiência real de empreendimentos, de sucesso ou não. Conheço muitas pessoas que se lançaram em empreendimentos que não deram certo. São pessoas que caíram e levantaram, buscaram outros caminhos, caíram de novo, se levantaram novamente e estão aí na vida construindo seus sonhos e projetos. Esses deveriam ser abraçados na FazInova e por outras organizações que pretendem não apenas incentivar, mas ajudar o empreendedorismo com substância concreta, provendo uma escola de modelos de negócios com metodologias, alternativas de financiamento e experiência real de campo. Nesse sentido, como todo jovem, a Bel ainda carece de histórias de vida para se posicionar como uma empreendedora experiente, com ensinamentos e aprendizados práticos para compartilhar. Talvez isso justifique encontrarmos em seu site mensagens do tipo: “Bel é uma grande defensora de que todos os sonhos são atingíveis e de que a força está dentro de cada um de nós. Sua história possui episódios completamente improváveis e Bel acredita piamente que qualquer pessoa é capaz de alcançar os seus sonhos”. São mensagens motivacionais e inspiracionais, que são notadamente reforçadas em sua atuação no programa “Caderninho da Bel” da rádio CBN, que avalio ser um programa dispensável, com conteúdo de pouco valor.

Olhando tudo que já foi publicado a respeito desse episódio, inclusive a resposta dela nas redes sociais, fica evidente que a Bel exagerou na forma como ela apresentou a sua vida até agora, sua formação e experiência. Realmente não foi legal. Não concordo com uma amiga que publicou a seguinte frase em defesa da Bel: “Quem nunca inflou o seu currículo?” Eu tenho uma resposta para ela: eu! Nos dias de hoje, as pessoas não compram você pelo que você vende de você mesmo, mas sim pelo que você faz e entrega. Aceitemos ou não, mas títulos, currículos e medalhas não têm mais valor como antigamente. Talvez até nos faça dar um pouco mais de consideração por quem está na nossa frente, pode nos incentivar a dar dois minutos de atenção em vez do um minuto tradicional, apenas isso, nada mais. O importante é o conteúdo e valor que você entrega. Seja generoso e as pessoas serão generosas com você.

Apesar de tudo que falei acima, de me incomodar com a expressão marqueteira “garota do Vale”, de condenar o excesso exercido por ela própria em sua autopromoção, do ufanismo exagerado que a mídia dedica à sua personalidade e da descrição desproporcional que ela faz de sua formação, eu ainda acho que ela tem conteúdo de valor para ajudar pessoas e projetos. Ela dará a volta por cima e continuará tendo um contingente de pessoas desejando ouvir suas histórias. Ela saberá tirar lições de tudo que está passando e se tornará uma pessoa melhor. Teremos uma Bel Pesce mais bem preparada e com mais conteúdo quando o tsunami passar. Ela é talentosa e tem toda uma vida ainda pela frente. Não foi por acaso que ela fez apresentações no TED, deu entrevistas nos principais programas da TV brasileira e ganhou vários reconhecimentos públicos, como ser eleita pela revista Época como uma das 100 pessoas mais influentes do Brasil em 2012.

A Bel está sofrendo um escrutínio público. Ela está no meio de uma crise de imagem. Podemos até discutir se o mundo está sendo justo com a Bel ou não, mas o fato é que as mesmas “headlines” que a transformaram em menina prodígio, agora a transformaram em vilã. Vivemos a era da superficialidade onde as pessoas têm pouco tempo para se aprofundar e refletir sobre os fatos, por isso casos como esse se agigantam em pouco tempo e ganham evidência. A Bel continua sendo a mesma menina brilhante de sempre, nada mudou, com os mesmos atributos e histórias que a qualificaram até hoje como uma jovem de sucesso.

Como disse um amigo meu, não se aprende a fazer gerenciamento de crises sem passar por crises. Ironicamente, o momento atual da Bel poderá ser a experiência mais prática e dolorosa que ela já viveu na vida até agora. Além das palestras de criatividade e empreendedorismo que ela apresenta, em breve ela terá mais uma em seu currículo: gerenciamento de crise pessoal. E nessa aí ninguém vai poder reclamar que ela não tem experiência prática para compartilhar. Acho que vem novo livro por aí. Esse eu vou comprar.

O descrito acima é o meu ponto de vista sobre o caso, totalmente pessoal. Agradeço a meus amigos que responderam o meu pedido no facebook sobre percepções nesse caso da Bel Pesce. Agradecimento especial a Maria Eugênia Rocha que me inspirou muito, mas também ao Gil Giardelli, Fabio Seixas, Diego C. Silva, Betania Almeida, João Gabriel Chebante, Renato Muller, Marcio Okabe, Emerson P. Pires, Ricardo Fernandes, Carlos A. de Toledo, José Carlos Cunha, Vanessa Pugliese, Bernardo Miranda, Diego D. Moreira, Marco Marcelino e Giulia De Marchi.

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • Negócios do futuro

    Equilibrando inovação, ética e rentabilidade no mundo corporativo contemporâneo

  • Dos monstros da nossa cabeça

    É preciso acessar camadas mais profundas de nós mesmos, por mais que os processos sejam, muitas vezes, dolorosos