Fingindo que não existe

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Opinião

Fingindo que não existe

A gestão de pessoas é uma questão quase ausente dos principais eventos, prêmios e publicações, e nos últimos meses tem aparecido com destaque quase sempre negativo


21 de setembro de 2016 - 8h00

Para uma indústria baseada em serviços, onde o capital humano é o principal fator de sucesso, as agências debatem pouco e investem menos ainda no desenvolvimento de seu pessoal. Esse é um pilar invisível. Existe, mas o mercado de comunicação, especialmente no Brasil, prefere se apoiar em outros dois eixos fundamentais, a criatividade e o modelo de negócios.

Os heróis nacionais da publicidade são esmagadoramente grandes gênios criativos — Marcello Serpa, Washington Olivetto, Nizan Guanaes. E, muitas vezes, o valor de uma agência é medido pelo seu número de Leões. Por outro lado, as agências brasileiras têm um modelo de negócios único no mundo, no qual uma parte significativa da receita resulta da compra de mídia. Não por acaso, o ranking de agências mais difundido e considerado é baseado exclusivamente em investimento de mídia.

Enquanto esses dois assuntos tomam boa parte da atenção, o terceiro é ignorado, apesar de ser tão ou mais importante. A gestão de pessoas é uma questão quase ausente dos principais eventos, prêmios, publicações. Mas nos últimos meses, tem aparecido com mais frequência nos principais veículos do ramo. Nesse jornal, inclusive. Porém, quase sempre com destaque negativo.

Globalmente, o tema repercutiu após as acusações de assédio moral e sexual contra líderes de redes internacionais de agências e declarações infelizes sobre a importância da diversidade nas empresas. Os três casos que vieram à tona culminaram com a saída (voluntária ou não) de executivos que há bastante tempo lideravam alguns dos grupos de comunicação mais expressivos do mundo.

No Brasil, rolou como uma avalanche há algumas semanas com a já famosa, ainda que defunta, lista de opinião sobre as agências, que deu origem a um grupo no Facebook, também já desfeito. Na sequência, o artigo “Você já motivou seu chefe hoje?” despertou ainda mais a ira de pessoas que o acusaram de apresentar um discurso vazio e não praticado pela sua autora. Tanto a lista, quanto o grupo ou o artigo, serviram de palco para opiniões, majoritariamente anônimas, que deram luz às condições pífias de trabalho aplicadas na maioria das empresas de comunicação.

Em meio a todo esse furor, um acontecimento relevante passou quase despercebido: o lançamento da quinta edição da pesquisa Melhores Agências para Trabalhar, do Great Place to Work, divulgado com exclusividade pelo Meio & Mensagem . A lista traz agências notadamente reconhecidas pela sua boa gestão, muitas delas presentes desde o primeiro levantamento. O que mais chama a atenção é a ausência dos principais players do segmento. Apenas quatro das 50 agências relacionadas no ranking Agências & Anunciantes das maiores compradoras de mídia do País se inscreveram.

Seja por falta de interesse ou por receio das respostas dos funcionários, a decisão de ficar de fora de um estudo como esse reforça a pouca importância dada às pessoas. Se queremos construir um mercado saudável, capaz de fazer com que lideranças nasçam e prosperem, é fundamental que essa mentalidade mude. O desenvolvimento do capital humano deveria obter, de agências e outros participantes do setor, o mesmo peso que os prêmios e a discussão sobre o modelo de negócios recebem.

Em um momento em que a concorrência aumenta — com consultorias, agências especialistas, produtoras e veículos —, a prioridade deveria ser a conservação dos melhores profissionais e a atração de novos talentos. Fruto da barganha de salários, a evasão é que toma conta e já nem deveria surpreender. Negligenciar a força fundamental que move as agências é inaceitável. Mesmo que tenhamos um modelo de negócios sustentável e que ganhemos tantos Leões como no passado, o nosso mercado estará com os dias contados se continuar fingindo que o pilar mais forte não existe.

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