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Consumo, previdência e publicidade

Até a eleição de 2018, que deve definir o futuro próximo do Brasil, investimentos e economia devem seguir devagar


6 de dezembro de 2016 - 11h25

Foto: Reprodução

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As tendências econômicas para os próximos anos foram um dos assuntos debatidos durante a Conferência do GP 2016, que aconteceu recentemente em São Paulo. Moderei a mesa com o Alexandre Molon, economista-chefe do Santander, e com base nas previsões que ele fez e o cenário de sócio-econômico de médio prazo do mercado de consumo brasileiro encontramos grandes desafios que, como sempre, podem se transformar em oportunidades para aqueles que souberem se adaptar com a velocidade adequada.

O ponto central para a perspectiva de curto prazo, segundo Molon, é a taxa de juro. No entender do economista do Santander, ela tem espaço para cair de forma acentuada nos próximos 12 meses, em função do declínio da inflação, que está sendo mais rápido que o esperado – o consenso do mercado é de uma taxa de 4,9% para o próximo ano.

A taxa de juro mais baixa vai influenciar o consumo em duas pontas: ao reduzir a propensão a poupar das famílias e ao diminuir o peso das prestações sobre a renda. O que pode complicar este cenário? Uma piora da crise política que coloque em xeque a autoridade da equipe econômica, e o acirramento de tensões externas que levem ao aumento do dólar/inflação. Conclusão: a perspectiva de uma pequena melhora no mercado de consumo é tênue, e a de uma forte recuperação praticamente inexistente.

A taxa de juro mais baixa vai influenciar o consumo em duas pontas: ao reduzir a propensão a poupar das famílias e ao diminuir o peso das prestações sobre a renda

O quadro fica um pouco mais complicado na minha opinião quando olhamos o cenário estrutural do mercado de consumo. Embora ainda relativamente baixo no Brasil (25% do PIB, contra78% nos EUA), o endividamento das famílias está em níveis recordes, e mesmo com uma queda expressiva dos juros nominais, a taxa básica de juros ainda permanecerá elevada (segundo estimativas do mercado, cerca de 5% ao ano).

Como nosso mercado de crédito é sobretaxado e ainda opera de maneira relativamente pouco sofisticada em termos de informação sobre os tomadores, as taxas tendem a ser muito maiores para compensar o risco mais elevado. Isso é uma oportunidade para as Fintechs que constroem “credit scoring” com melhor qualidade de informação ou que possuem uma estrutura de captação/operações mais enxutas (o que permite maiores ganhos mesmo cobrando taxas menores que os bancos tradicionais), mas é um problema para todas as marcas que dependem de vendas em prestações, principalmente se não podem utilizar capital próprio para financiar o consumidor.

Outro tema estrutural é que a crise aumenta a concentração do consumo, pois quem dispõe de renda para aplicar recebe uma remuneração desproporcional em relação aos salários (a renda do trabalho). Um dos dados mais interessantes neste aspecto é que, mesmo com toda essa crise cresce o número de milionários no Brasil: segundo um recente relatório do Credit Suisse, o Brasil termina 2016 com 172 mil pessoas com um patrimônio disponível para investimentos acima de U$ 1 milhão, crescimento de 6,8% sobre 2015 (ou seja, geramos 900 novos milionários/mês).

Esse número está em linha com um estudo da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa, que indica um crescimento de 6% no número de domicílios da classe A (renda mensal acima de U$ 6.300,00). Ao mesmo tempo, dados do IBGE apontam para uma redução da massa salarial e crescimento do desemprego, levando mais de 1 milhão de famílias para as classes D/E. O resultado final é que o mercado fica mais promissor para quem vende para a alta renda (e aqui estamos falando muito da ênfase na “experiência” de consumo, mais do que o produto ou serviço em sí) e para quem possui escala para competir em preço na baixa renda. A conclusão óbvia: se os clientes da sua agência tem como foco a classe média, a vida vai ficar ainda mais difícil em 2017.

O resultado final é que o mercado fica mais promissor para quem vende para a alta renda (e aqui estamos falando muito da ênfase na “experiência” de consumo, mais do que o produto ou serviço em sí) e para quem possui escala para competir em preço na baixa renda. A conclusão óbvia: se os clientes da sua agência tem como foco a classe média, a vida vai ficar ainda mais difícil em 2017

Uma questão urgente e importante (talvez a mais importante de todas): reforma da Previdência. O Brasil já gasta hoje com aposentadorias (setores público e privado) 9,3% do PIB, algo próximo do da Alemanha (que tem uma população bem mais velha). Devido a queda da taxa de natalidade nas últimas décadas, vamos envelhecer mais rapidamente que o Japão: enquanto naquele país o percentual de pessoas acima de 65 anos levou quase 3 décadas para dobrar de 7% para 14% da população economicamente ativa (o limite para um modelo sustentável de previdência), vamos atingir o mesmo número em 21 anos. Sem um ajuste profundo, quebramos. O problema é que nenhum país fez um ajuste desta monta sem um profundo conflito político, afetando juros, câmbio e a confiança dos investidores internacionais (o que aumenta a incerteza e deprime o consumo).

Um aspecto particularmente importante para a publicidade é que este envelhecimento vai mudar a estrutura do mercado de consumo (aumento do número de pessoas vivendo sozinhas, domicílios menores, mais gastos com saúde implicando em menor renda para lazer e renovação de bens) mas também oferece muitas oportunidades para o setor de serviços, bem-estar e lazer, desde que providos com um custo razoável e condições de crédito (que costuma ser mais barato para quem oferece a aposentadoria como garantia). Excelente leitura para quem se interessa sobre o tema de como uma vida mais longa vai afetar o consumo e o trabalho: The 100 Years Life: Living and working in an age of longevity .

Tudo junto e misturado, qual a perspectiva para o investimento publicitário? Sem dúvida nenhuma, de queda em termos reais para este ano (a última previsão da WARC fala em redução de 5,4% em dólar) e possivelmente estagnação em 2017. Mas essa aparente imobilidade no agregado esconde movimentações importantes, principalmente no digital: sabemos que a crise faz aumentar a importância da Web para os anunciantes (por causa de questões de custo) e para os consumidores (barateia o lazer e se torna fonte importante para comparação de preços). Globalmente, o investimento no digital deve superar o em televisão neste ano, segundo a ZenithOptimedia. Mas este crescimento ocorre de forma muito concentrada, ao redor dos players que tem poder de distribuição em escala: Google e Facebook já respondem por 14% do investimento publicitário mundial, e cerca de 40% de tudo o que é investido na Internet. Veículos e anunciantes dependerão cada vez mais deste ecossistema.

Estamos no início de uma travessia para o momento crucial que deve definir a próxima década no Brasil: a eleição de 2018. Até lá, investimento e consumo vão no máximo continuar andando devagar. Controle de custos, inovação no conteúdo, nicho na alta renda e foco no atendimento/serviços para fidelizar os clientes que já existem serão a tônica dos próximos anos.

PS: alguns gráficos que detalham os dados e tendências aqui apresentados podem ser encontrados aqui.

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