Cannes, uma reflexão e cinco sugestões

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Opinião

Cannes, uma reflexão e cinco sugestões

Na ânsia de agradar a todos, festival cria situação que não é satisfatória para ninguém


10 de julho de 2017 - 10h51

Ao se fecharem as cortinas do 64° Festival Internacional de Criatividade de Cannes, mais do que qualquer campanha, agência ou anunciante, o que se discute é o valor e a continuidade do evento em si. Depois de mais de meio século, a sua própria existência está ameaçada.

Além da repercussão do anúncio feito pelo novo CEO do Publicis Groupe, Artur Sadoun, que decidiu tirar a holding e as suas agências do festival durante um ano, outros questionamentos — abertos ou não — colocam em xeque o propósito do maior encontro de profissionais de publicidade do mundo. Até a sua localização foi criticada. O CEO da WPP, Martin Sorrell, propôs uma mudança para Londres, ou Nova York ou para qualquer lugar mais acessível e menos pitoresco.

Esse alvoroço reflete o estado atual da indústria. Antes, as conquistas eram brindadas com rosés em um dos destinos mais exclusivos da Europa, enquanto criativos eram extremamente bem pagos por empresas e, mais tarde, por holdings em franco crescimento e donas de margens abastadas. Muito longe desses tempos áureos, o setor de publicidade vive hoje uma crise institucional.

Pelas ruas de Cannes, assim como no ofício diário do trabalho de comunicação, encontram-se participantes novos com interesses difusos e momentos paradoxais. De um lado, as agências de publicidade sofrem para defender a sua importância em um ambiente cada vez mais disputado. Por outro, players de tecnologia de consumo, como Google, Facebook, Snap, Twitter etc., brigam para ocupar um espaço cada vez maior na cadeia de valor do marketing. As consultorias e empresas AdTech também querem a sua fatia. Algumas se valem das longas e bem estabelecidas relações com o alto escalão das empresas, ao passo que outras fazem uso dos seus bolsos cheios, derivados de margens polpudas em seus negócios primários.

O Festival de Cannes vem tentando se adaptar aos novos tempos. Ampliou a presença de tecnologia e inovação com o Innovations Lions, que aumentou o interesse de companhias não nativas da publicidade. Basta ver todo o espaço ocupado ao longo da praia pelo YouTube, Facebook, Twitter, Spotify, entre outras empresas. E tenta ainda contribuir para o bem mundial com debates ministrados por políticos de várias procedências e tendências.

O resultado é que o Cannes Lions virou uma mistura de SXSW, Davos e a versão original do fes- tival. Na ânsia de agradar a todos, acabou perdendo a sua essência. Juntando esse desvio de propósito com a situação financeira das redes que integram as agências — ainda as maiores contribuintes pa- ra sua receita —, criou-se uma situação que não é satisfatória para ninguém.

Apesar do cenário crítico, não tenho dúvidas sobre a relevância de Cannes. Em um momento no qual as inovações se somam de forma acelerada, é primordial uma semana de reflexão. Porém, mudanças são prementes. Um comitê de lideranças foi organizado para discutir o futuro do evento. Com a humildade de quem participou de poucas edições, compartilho algumas propostas:

1. Dividiria o conteúdo em três frentes claras: negócios, criatividade e inovação.

2. Cada um dos assuntos deveria ter um passe específico, com valor significativamente menor do que o atual.

3. Cada uma das frentes teria eventos e locais exclusivos para networking e celebrações. Quem não puder passar toda a semana tem condições de percorrer seu foco principal em três ou quatro dias a um preço mais acessível.

4. Para compensar a receita menor com inscrições e passes, abriria novas oportunidades de patrocínios em cada um dos assuntos. E isso atrairia boa parte do investimento de fora para dentro do Palais. Ninguém precisaria inventar atividades extras — muitas vezes, sem sentido —, que concorrem com as atrações oficiais.

5. Finalmente, daria destaque especial à criatividade, que precisa voltar a ser o foco do evento. Nessa “trilha”, estariam as premiações e questões mais importantes. Tentaria ainda direcionar os prêmios mais relevantes para soluções que geram resultados reais às marcas.

O Festival de Cannes é o espelho da indústria e, assim como ela, precisa elevar sua eficiência e lidar melhor com a complexidade sem perder o seu valor.

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