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Opinião

Qualquer inovação depende de uma ferramenta fundamental: gente

No Fast Company Innovation Festival foram apresentados diversos cases disruptivos, mas que têm por trás um grande fator propulsor, que são as pessoas, o comportamento e a gestão


14 de novembro de 2017 - 15h37

Na última semana de outubro visitei a terceira edição do Fast Company Innovation Festival – FCIF, que reuniu mais de 300 speakers espalhados por Nova York em 125 fast tracks (ou reuniões temáticas), além de mais de 50 keynote speakers e participantes de painéis de empresas como Nasa, Pinterest, GIF, Starbucks, Cartoon Network, Chobani, BuzzFeed, L’Oreal, McKinsey e mais uma infinidade de marcas contemporâneas.

Num festival com essa proporção, é difícil expor tudo o que de rico se pode absorver por ali. Pra começar, NY é sempre NY e está no cutting edge marqueteiro mundial juntamente com Londres e, por isso, algumas tendências e novidades que coloco aqui nesse artigo são insights interessantes para nosso dia a dia.

Sucumbi a um bom número de conteúdos apresentados e, o que mais impressiona, a muitos insights de comportamento humano e empresarial. Deixando de lado a plateia do festival que era, per se, um show à parte – absolutamente diversa, fato surpreendente para eventos de negócios na cidade, e tão alinhada aos comportamentos dos novos tempos, inclusive com banheiros gender free – vale deixar bem claro que fui surpreendido com a tônica social do evento. Esperava um conteúdo repleto de inovações em modelos de negócios e em produtos (digitais ou não), mas a estrela do festival foi o capital humano. Esse é o assunto do momento, não só nos círculos políticos e do entretenimento, mas também nos negócios.

A curadoria também se alinhou com essa vibe social e coletiva e foi impecável na escolha dos conteúdos de todos os paineis, keynotes e visitas técnicas. Tudo tinha como ponto central o consumidor/usuário/ser humano no centro dos negócios e das marcas. Tech Companies, FMCGs, serviços, enfim, todas as categorias e marcas palestrantes presentes se movendo na direção de gerar impacto social acima do lucro. Um alinhamento de tendência com o que começamos a ver nas construções de marcas contemporâneas no mundo todo.

Logo no painel de abertura do festival, a Fast Company trouxe à público algumas das empresas do chamado “Cult Brands”.  São 4 companhias da nova geração de corporações que atuam de forma consciente, onde a necessidade humana precede a premissa do lucro e da escala. Estamos falando das marcas Glossier, de cosméticos, SweetGreen, restaurantes de comida fresca, Walker & Co, de produtos para comunidade negra americana e Away, bagagens de viagem para o consumidor médio. Cada uma delas surgindo a partir de necessidades de consumo/uso numa espécie de posicionamento de “problem solving”, ligadas a uma necessidade cultural (“cult”) específica, seja de raça ou de comportamento/necessidade humana.

Walker & Co tem um slogan que já diz para o que veio: “Making Health and Beauty Simple for People of Color”. A SweetGreen é outro exemplo de marca – de varejo – que nasceu em 2007 para combater os maus hábitos alimentares: comida fresca, colhidas de fazendas dos arredores dos restaurantes, para uma população que está acostumada a comer comida processada. Glossier é uma empresa de cosméticos que abomina padrões de beleza. E, finalmente, Away, única empresa de malas para viagem que provê produtos “de primeira classe” para viajantes “de classe econômica”. Como? Eliminando totalmente o mark up de lojas próprias e a distribuição no varejo físico. Como o próprio Jeff Beer, editor chefe da Fast Company, menciona, “brands that anticipate what customers will care in the future”.

O interessante das “cult brands” é que o crescimento dessas marcas vem de “peer to peer recommendations”. Emily Weiss, da Glossier nos contou como 80% do crescimento anual de sua empresa vem das recomendações e acredita que “daqui cem anos, as marcas sobreviverão apenas do boca a boca”. Por isso, as estratégias das empresas de marcas “cult” estão centradas no mundo digital: reviews, social media, apps etc onde a marca deve, quase que por obrigação, manter uma conversa constante com o consumidor.  A velha publicidade? Bem, para ela a interrupção não faz parte do modelo central de marketing desse tipo de negócios (pense aí…).

Para Tristan Walker, da Walker & Co, quando uma marca cresce muito pode ficar maior que o próprio negócio que a originou. Esse é o caso da empresa atualmente. Ele se viu “pressionado” a crescer por uma captação de mais dinheiro, já que consumidores brancos também começaram a usar seus produtos. No entanto, preferiu escolher a fidelidade à sua promessa central (cultural) que é cuidar das peles negras e crescer apenas na velocidade de seus passos – não na velocidade do mercado. É por isso que ele não abandona o modelo da conversação com seus consumidores, para identificar se os passos da empresa se mantêm fiel à promessa que o fez ter sucesso.

E, do mercado de ‘nicho’ para o maisntream, a entrevista do novo CEO do Starbucks, Kevin Johnson, sobre “inovação e empatia” foi uma verdadeira aula de consciência empresarial. Recém-empossado, já que seu fundador Howard Schultz se aposentou do cargo em Abril deste ano, Kevin Johnson tem uma tarefa difícil em substituir o antecessor. A gestão de negócios Schultz, além de ter sido brilhante – transformando a marca na maior, mais celebrada e bem sucedida rede de franquias de coffee shops do mundo – é reconhecida como uma das mais humanas no mercado americano. Seus programas com público interno e suas iniciativas com a comunidade americana (primeiro emprego para os jovens e reemprego para os veteranos de guerra) são boas práticas estudadas pelos gestores no mundo todo.

Johnson deixa claro que as marcas B2C que não estiverem ancoradas na nos valores humanos e na estruturação de uma nova sociedade irão sucumbir. “Uma empresa como a Starbucks, com 27 mil lojas em 75 países ao redor do mundo, tem que estar fundamentada em seu ‘mission statement’, que é inspirar e nutrir o espírito de coletividade. 1 pessoa, 1 copo de café, 1 comunidade por vez. É uma missão baseada no amor”.

Ele não estranha sua mudança do mundo da tecnologia, ao qual experimentou por 32 anos, para o Starbucks, porque a inovação é elemento chave para uma sobrevivência saudável em qualquer lugar. “O Varejo americano – e mundial – passa por um rompimento do padrão jamais visto na história”, comenta ele, lembrando que no dia da palestra, a imprensa americana havia divulgado que o mercado americano fechará mais lojas físicas em 2017 do que já fechou em qualquer outro ano e até mesmo no período de grande depressão econômica.

“Se você é dono de uma loja física de Varejo existem duas tendências fundamentais que você deve abraçar nesses tempos de mudança do comportamento do consumidor:

  1. criar ações nas lojas que priorizem a experiência do seu varejo, elevem satisfatoriamente a interação e que façam de sua loja um destino.
  2. estender a experiência da loja com as ferramentas do mundo digital móvel (digital mobile connection)”.

Para Schultz, a combinação entre esses dois fatores empurram os gestores de Varejo a serem inovadores, assim como as empresas de tecnologia precisam ser.

A inovação no Starbucks não se restringe ao que ele chamou de “digital mobile connection”.  A marca passa atualmente por uma enorme transformação de experiência e posicionamento. As lojas menores, geradoras de fluxo e cash, continuarão a ser funcionais e permanecerão com suas inovações em produtos e serviços, no entanto, a marca pretende abrir ao redor do mundo, “flagships” ou como ele mesmo gosta de chamar, “Innovation Labs”.  A famosa loja de Seattle, a Starbucks Reserve Roastery & Tasting Room foi a primeira “flagship” e é exemplo de sucesso, já que a experiência de degustação e de experiência é elevada a um patamar muito acima daqueles nas lojas menores. “Serão abertas lojas como a de Seattle na China, Milão, Nova Iorque, Chicago, enfim, em cidades icônicas pelo mundo. E o nosso aprendizado nessas lojas serão transferidos para as lojas pequenas, assim como já acontece hoje com a loja em Seattle”, afirmou ele.

No entanto, a abordagem que seguramente mais cativou a audiência foi a da gestão do Capital Humano do Starbucks. Reconhecida por ser uma empresa moderna e inovadora na gestão de pessoas, a empresa, sob a tutela de Kevin, manterá seu firme propósito em ter os colaboradores como mais importantes stakeholders.  Depois de passar por um câncer do tipo melanoma há 6 anos, Kevin havia decidido se aposentar. No entanto, foi convencido por Howard Shultz a “descer” do Conselho da empresa para a Operação. “Quando uma pessoa passa por uma experiência de vida como essa, ela não pode deixar de mirar seus esforços no sentido de valorizar a vida, a comunidade em que vive e o planeta”.

Robert Safian, Editor da Fast Company, que entrevistava Kevin resolveu então desafiar o entrevistado com uma daquelas perguntas clichês do velho capitalismo que esquentou a plateia: “A maioria dos CEOs das empresas de capital aberto que entrevisto não sabem falar de outra coisa a não ser aumentar o valor das ações para os acionistas. Você está falando de amor, empatia e compaixão. Como você faz para alcançar seus objetivos de negócio e ao mesmo tempo ter essa abordagem?” Kevin deixou claro que o Starbucks tem 330 mil colaboradores ao redor do mundo que atendem 90 milhões de pessoas por dia e que esse é, portanto, um negócio de pessoas. “Temos um negócio que coloca as pessoas juntas umas das outras, num espaço de convivência. Somos o ‘terceiro lugar’, lembra? O Core do nosso negócio é sobre conexão humana. Não importa qual o pais ou língua que se fale. É por isso que tratamos os colaboradores muito, mas muito bem, pois eles é que vão passar para frente os valores de nossa empresa. Portanto, o negócio central do Starbucks é conectar pessoas. Isso é acionar valor ao equity do acionista”.

Muitos foram os aprendizados nessa semana de festival. Mas um fica bastante claro: as questões humanas estão em alta não só no Brasil como no mundo todo. As polarizações de opiniões e a falta de entendimento entre a coletividade é um assunto caro e relevante para as empresas e marcas e, por isso, foi foco fundamental do Festival. E o tema principal do evento foi uma provocação clara dos tempos em que vivemos: “A gestão da sua marca é feita com otimismo?”.

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