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Assim como obriga gigantes como a Nestlé a revisitarem seu próprio propósito de existência, o consumidor também determina os rumos da indústria da comunicação


22 de janeiro de 2018 - 16h57

No primeiro grande negócio do setor de alimentação de 2018, a Nestlé anunciou na semana passada a venda de sua unidade de chocolates nos Estados Unidos para a Ferrero, por US$ 2,8 bilhões.

Com um portfólio muito mais vasto de produtos do que a companhia italiana (especializada em doces e confeitos), a gigante suíça justificou a transação pela má performance da divisão negociada no mercado americano, no qual é a quarta colocada em termos de participação de mercado, com 8,3% de share, atrás das concorrentes Hershey, Mars e Lindt.

Curioso é que quando se olha o desempenho global da Nestlé em chocolates, o resultado não é tão diferente: internacionalmente, a empresa tem apenas a terceira maior fatia do mercado, atrás de Mars e Mondelez, com market share de 9,6%, pouco superior ao registrado nos Estados Unidos.

Com base nessas estatísticas e em movimentações anteriores, analistas do setor alimentício afirmam que a decisão da Nestlé tem muito mais a ver com uma linha estratégica de atuação em termos de foco num portfólio de produtos mais saudáveis do que com uma lógica simplesmente financeira. Em dezembro, os suíços adquiriram a fabricante de vitaminas Atrium Innovations, por US$ 2,3 bilhões. É um segmento em rápido crescimento, de muito valor agregado e atraentes margens de lucros.

A Nestlé não está sozinha nesse caminho. PepsiCo, General Mills, Kraft-Heinz e mesmo a Ambev e a Coca-Cola têm feito aquisições sob essa perspectiva e revisto as categorias de seus produtos e o posicionamento de suas marcas, sempre de olho nos passos de sua majestade, o cliente.

Assim como obriga gigantes desse porte a revisitarem seu próprio propósito de existência — sob o risco de deixarem no passado seus melhores dias — o consumidor também tem determinado os rumos da indústria da comunicação.

Dois dias antes de a Nestlé confirmar oficialmente o negócio com a Ferrero, o cultuado e quase bicentenário The Guardian anunciou o novo tamanho de sua versão impressa, que passou a ser um tabloide. Foi a segunda mudança em pouco mais de uma década: em 2005, o jornal adotou o formato Berliner, uma opção que acabou custando milhões aos cofres da empresa — o Guardian era o único jornal britânico de grande circulação a imprimir suas páginas com tais medidas, demandando, assim, gráficas exclusivas para suas tiragens.

Nunca houve um tempo mais rico em oportunidades e propício para experimentação. Só não é permitido ficar preso ao passado, esperando pela volta dos anos dourados

De acordo com a editora-chefe do Guardian News and Media, Katharine Viner, a mudança de formato será vital para que a empresa se torne financeiramente sustentável, em meio ao processo de equilibrar as contas diante da nova realidade para as empresas de mídia, em que o dinheiro proveniente de assinaturas deve se tornar uma receita tão atraente ou mais do que o investimento dos anunciantes.

O Guardian adota uma linha diversa de outros grandes veículos de alcance global, como o The New York Times e o The Wall Street Journal, e dos principais jornais brasileiros. Enquanto ainda recusa a adotar o pay wall como uma fonte de faturamento, apoia-se nas contribuições de seus leitores para manter-se fiel ao posicionamento.

“Estamos no meio do processo de encontrar um novo modelo de negócios”, afirmou Viner, ao comentar as mudanças. “Não gostaria de dizer que já chegamos lá, mas acho que estamos no caminho.”

As apostas de Nestlé e do The Guardian mostram que mesmo grandes marcas consolidadas em seus setores precisam ser flexíveis o bastante para terem ofertas que acompanham os novos desejos das pessoas, única maneira de garantir a longevidade de companhias. Por outro lado, nunca houve um tempo mais rico em oportunidades e propício para experimentação. Só não é permitido ficar preso ao passado, esperando pela volta dos anos dourados.

Aquele tempo não existe mais nem nós somos mais os mesmos.

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