Milagre no gelo

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Opinião

Milagre no gelo

Quando o hóquei feminino coreano, com jogadoras do Sul e do Norte, entrar na arena dos Jogos Olímpicos de Inverno, o esporte estará fazendo algo que os governos não foram capazes de fazer


14 de fevereiro de 2018 - 17h04

A história é sempre a mesma: nos meses que antecedem o início das Copas do Mundo da Fifa ou dos Jogos Olímpicos, problemas políticos, sociais ou econômicos no país-sede viram manchetes em todo o mundo. Na Olimpíada do Rio de Janeiro foi o mosquito da dengue que dominou a imprensa internacional. No verão de 2016, os intermináveis casos de contaminação colocaram o Brasil na lista dos países a evitar. Turistas cancelaram seus pacotes de viagem e atletas se recusaram a competir por aqui.

Na Copa do Mundo do Brasil em 2014, as obras inacabadas foram o principal tema. Só se falavam nos atrasos nas entregas de quase todos os estádios. Este foi o assunto que levou o então secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, a dizer que o Brasil merecia um “chute no traseiro”, gerando uma crise diplomática entre a entidade e o governo federal.

No mesmo ano de 2014, quando a Rússia sediou a Olimpíada de Inverno, falou-se muito sobre atrasos na construção de hotéis e o custo dos Jogos. Mas nada teve tanta cobertura quanto os direitos humanos (ou a falta deles). Em especial, a discriminação com a comunidade LGBT.

Na Copa das Confederações em 2013, o Brasil parou com protestos nas cidades-sede antes e durante o evento. A discussão que começou com o aumento da tarifa dos ônibus no Rio de Janeiro ganhou uma dimensão gigantesca. Ônibus foram apedrejados e fãs não conseguiram chegar aos estádios com medo de apanharem nas ruas.

Quando Londres se preparava para sediar os Jogos Olímpicos de 2012, muitos protestos tomaram as ruas da cidade com direito a queima de carros e pancadaria. Apesar de totalmente desconectado com a preparação para o evento, a violência gerou muita preocupação em relação à segurança da Olimpíada.

Em 2010, na África do Sul, e 2004 na Olimpíada de Atenas, na Grécia, a situação não foi muito diferente. Estádios caros e atrasos monumentais colocaram o evento sob os holofotes internacionais. Quem foi a algum destes eventos jura ter escutado operários terminando as obras momentos antes das cerimônias de abertura.

Nos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008, a poluição e os direitos humanos foram as principais preocupações de patrocinadores, participantes e turistas em geral. O governo chinês mandou grande parte da população sair da cidade e as indústrias a pararem a produção para diminuir a poluição. Muitos dizem que o céu de Pequim nunca esteve tão limpo quanto naqueles dias de agosto de 2008.

Apesar de todo esse drama, com ou sem escândalos, todos os eventos aconteceram como planejados, foram um sucesso e entraram para a história do esporte.

Quando você estiver lendo este artigo, atletas de mais de 90 países estarão disputando os Jogos Olímpicos de Inverno em PyeongChang, na Coréia do Sul (localizada a apenas 300 quilômetros de Pyongyang, capital da Coreia do Norte). Esta Olimpíada, assim como todos os eventos anteriores, virou notícia no último ano por razões mais que infelizes. De um lado, ameaças dos vizinhos do Norte, muitos mísseis lançados no Mar do Japão e bate-boca com o presidente americano Donald Trump via Twitter. Do outro, o doping russo, um escândalo de proporções nunca antes vistas na história do esporte que levou ao banimento da participação da Rússia.

Os Jogos de Inverno de PyeongChang tinham tudo para, assim como seus antecessores, serem lembrados por eventos negativos. Tinham. Mas, há poucos dias, uma razão muito mais nobre mudou a narrativa desta Olimpíada: a improvável reaproximação das duas Coreias formando um time único para disputar estes Jogos Olímpicos. Graças ao esporte, os países que estão separados desde o fim da Segunda Guerra Mundial, voltarão a competir juntos.

Quando o time de hóquei feminino coreano, com jogadoras do Sul e do Norte, entrar na Gangneung Ice Arena, o esporte estará mais uma vez fazendo algo que os governos não foram capazes de fazer: unir as pessoas mesmo que por apenas 17 dias.

PyeongChang deixou de ser só um evento esportivo e passou a ser uma celebração da paz. Vale a pena acompanhar.

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