A crise regulatória do Capitalismo de Dados

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Opinião

A crise regulatória do Capitalismo de Dados

Da mesma forma que o preço é a maneira de conectar oferta e demanda e estruturar as relações entre produtores e consumidores, as plataformas de captura e análise de dados podem se tornar estruturas que vão aumentar a eficiência desta conexão, tornando o preço menos relevante


10 de abril de 2018 - 10h12

Foto: PeterHowell/ Istock

Os sinais são claros para quem sabe que a tecnologia não é uma força autônoma na sociedade e sim uma manifestação de escolhas políticas, econômicas e culturais: estamos entrando em uma nova fase da economia de dados, na qual a batalha ao redor de questões regulatórias vai impactar na sobrevivência de alguns modelos de negócio e a falência de outros, notadamente na publicidade on-line e no e-commerce.

Não bastasse toda a questão da relação entre o Facebook e Cambridge Analytica (tema examinado em diversas reportagens no Meio & Mensagem) e a entrada em vigor da lei de proteção de dados pessoais da Comunidade Europeia, recentemente tivemos os ataques de Donald Trump contra a Amazon, o governo chinês obrigando o Airbnb a entregar informações sobre seus usuários e movimentos de mercado que vão levantar sérias questões sobre o uso de dados pessoais no setor de seguros e saúde (a aliança da Amazon, Berkshire Hathaway e JP Morgan de um lado e a possível aquisição de uma das maiores empresas de seguro saúde dos Estados Unidos pela Walmart).

Para avaliar as probabilidades dos possíveis cenários destas tendências, não basta ficar repetindo que “dados são o novo petróleo”. Esse é um “raciocínio” com profundidade suficiente para o coffee-break dos eventos de mercado. Muito mais revelador, como metáfora, é a ideia de que “dados são os novos preços”, desenvolvida no excelente Reinventing Capitalism in the Age of Big Data (U$ 16,99 na Amazon). Da mesma forma que o preço é a maneira de conectar oferta e demanda e estruturar as relações entre produtores e consumidores (ou seja, organizar o mercado), as plataformas de captura e análise de dados podem se tornar estruturas que vão aumentar a eficiência desta conexão, tornando o preço menos relevante — pense, por exemplo, no caso dos produtos personalizados pelos quais estamos dispostos a pagar mais caro ou nas tecnologias de personalização que permitiram derrubar o custo de se comunicar com os consumidores. A explosão de aparelhos conectados (a “Internet das coisas”) e a capacidade de identificar padrões nestas conexões (a partir da Inteligência Artificial), vão permitir que as organizações que dominam estas práticas aniquilem setores inteiros do mercado — é como se o que aconteceu com os veículos da mídia se espalhasse por todos os setores da economia.

Mas a História ensina que, à medida que um grupo reduzido de empresas domina parcelas cada vez maiores dos mercados, governos e consumidores reagem para estabelecer algum equilíbrio nas relações de compra e venda. Por isso, podemos esperar um aumento do controle sobre a maneira como as empresas obtém e utilizam os dados pessoais. Na Alemanha, por exemplo, o governo obrigou as seguradoras de grande porte e empresas de coleta de dados a dividirem suas informações com empresas menores, para evitar o oligopólio.

Sei que para nós brasileiros a discussão pode soar como certo “mimimi” e que no fim do dia os grandes anunciantes continuarão nestas plataformas, mas é preciso levar em conta que essas pressões resultam das experiências históricas dos povos europeus com o tema e que, somadas com os ideais libertários da cultura americana, irão sim de alguma forma aumentar o “custo” em se obter ou usar esses dados.

Obviamente, isso não significa uma volta ao sistema publicitário anterior, mas sim que alguns modelos de negócio terão de se adaptar. É sintomático que a Acxiom, uma das maiores empresas do segmento de Adtech, tenha perdido cerca de 30% do seu valor de mercado na semana imediatamente após a divulgação dos problemas da Cambridge Analytica. Podemos esperar uma redução no alcance de algumas iniciativas em mídia programática, não somente pela diminuição do número de consumidores que poderão ser impactados, mas também pelo fato de que, com uma menor base de dados para identificar comportamentos, as “fronteiras” entre os microssegmentos de comportamento ficam mais imprecisas. Ao mesmo tempo, os jurídicos das grandes empresas irão pressionar a área de marketing para exigir critérios cada vez mais claros e detalhados de como os dados são coletados e se as empresas contratadas para prestar serviços de publicidade obtêm informações sobre os consumidores de forma consensual — o que deve aumentar não somente o tempo para aprovação de campanhas, mas também os custos associados com a montagem das mesmas. Outro possível resultado será o aumento do foco em iniciativas de branding, prática que andava meio esquecida, e talvez um modesto crescimento no investimento em pesquisas qualitativas.

A digitalização reduziu o custo para se construir confiança entre marcas e consumidores graças a intensa coleta de dados pessoais. O aumento deste custo vai fazer com que, em um primeiro momento, as marcas voltem para o terreno já conhecido dos formatos tradicionais de construção de credibilidade. Mas o aprendizado e o aumento da eficiência proporcionado pela experiência digital serão incorporados nesse processo. É uma janela de oportunidade para agências, empresas de pesquisa e veículos que ficaram meio de lado nos últimos anos. Resta saber se irão aproveitar esse “soluço” das plataformas digitais para mostrar que também souberam aperfeiçoar suas práticas ou se o vendaval regulatório será apenas um respiro em sua lenta agonia.

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