Por vontade ou por bananas

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Opinião

Por vontade ou por bananas

Muitas vezes, não estamos olhando para nosso job e sim para a recompensa que ele pode ou precisa trazer


4 de maio de 2018 - 10h30

Foto: Reprodução

Em uma das agências onde trabalhei, um amigo perguntou: “o que vocês estão fazendo quando ficam sentados um de frente pro outro com cara de nada?”. Ele, que não era da Criação, estava se referindo a uma típica sessão de brainstorming, em que redator e diretor de arte saem de suas mesas e vão para um canto pensar no job. E ele estava certo: essas sessões incluem olhares para o nada e, muitas vezes, nada na cabeça também.

Essa pergunta quase ingênua e cheia de verdade me fez pensar que eu deveria desenvolver um processo criativo. Qualquer coisa mais eficiente que ficar espremendo a cabeça e relendo um briefing. Fui então fazer um curso que amigos tinham me recomendado, o aptamente intitulado “O Processo Criativo”, do professor Charles Watson. Como haviam me avisado, não era, ainda bem, um curso picareta do tipo “10 truques para soltar a criatividade” e sim uma imersão sobre processo criativo.

Eu poderia escrever páginas e páginas sobre o curso, mas não temos espaço aqui.  Então, vamos à parte que tem a ver com publicidade e criativos com cara de nada.

No curso, o professor apresentou exemplos de processo criativo na arte, na matemática, na biologia, no esporte e até na evolução das espécies. No meio disso, nos contou sobre um experimento realizado com chimpanzés. Em um primeiro momento, os animais recebiam tintas, pincéis e telas. Eles passavam horas pintando, e ficavam tão absortos na atividade que esqueciam de se alimentar e até de acasalar, ou seja, eles chegavam a deixar seus instintos de lado. Seus quadros eram complexos, inventivos e abundantes.

Em um segundo momento, introduziram nesse estudo uma recompensa: a cada obra que os chimpanzés entregassem aos pesquisadores, ganhariam uma guloseima (uma banana, digamos). Ao invés de pintar como loucos por estarem sendo pagos para fazer o que já gostavam, eles passaram a produzir menos e pior. Os quadros rarearam e eram feitos com menos esmero.

Calma que isso não é uma crítica ao dinheiro e como ele corrompe a arte, é sobre processo criativo. Quando os chimpanzés apenas pintavam, a motivação deles era intrínseca, ou seja, vinha de dentro, pintavam por pintar. Seus olhos estavam no quadro, nas cores, nas possibilidades, no processo. Quando passaram a ter uma motivação extrínseca, a pintura passou a ser um meio de alcançar a recompensa, e quanto antes o quadro ficasse pronto, melhor. Seus olhos estavam na banana.

E é isso que fazemos muitas vezes. Nossa banana pode ser o prazo, a verba, o formato, o gosto do cliente, a meta que temos que bater ou o leão que a agência precisa ganhar. Isso não significa que limitações acabam com a criatividade, pelo contrário, elas são essenciais para o processo criativo, mas isso é papo para outra hora. Isso significa que, muitas vezes, não estamos olhando para nosso job e sim para a recompensa que ele pode ou precisa trazer.

Com perguntas simples, a gente pode voltar nosso olhar para o trabalho que estamos fazendo e ir desenvolvendo um processo de criar. Isso faz sentido? É relevante? Tá bonito? Tá confuso? Vai fazer rir? Vai dar raiva? Ou vai dar vontade de comprar? É pegar o job e pensar nele, não nos cliques que ele precisa receber. Uma peça feita com toda minha concentração e consciência vai atrair esses cliques.

Trabalhando atualmente com contas voltadas para performance, eu lembro sempre de um chavão desse segmento: “nosso foco é no resultado”. Essa frase me lembra muito a mim mesma, lá na outra agência, com a cara de nada de quem acha que está olhando para a pintura, mas está mesmo é tentando enxergar a banana.

 

*Crédito da foto no topo: kmlmtz66/iStock

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