A Era da Uberização

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Opinião

A Era da Uberização

Processo que exige análise, debates, pesquisas, reuniões, criação, testes e pré-testes antes da solução final é moroso demais para sobreviver nesse mundo conectado


28 de maio de 2018 - 20h26

Crédito: Solarseven / iStock

O trem-bala da tecnologia está a mil por hora e vem atropelando a tudo e todos. Empresas, profissões e até os 4 Ps do nosso querido Philip Kotler, quem diria, ninguém parece resistir às mudanças que estão em curso. Segundo artigo do The New Work Order, 60% dos jovens estão aprendendo profissões que deixarão de existir, ou porque serão substituídos por robôs, ou simplesmente porque vão sumir mesmo. A revolução digital não escolhe seus alvos, estamos todos à mercê.

Na correria do nosso dia a dia, ficamos muito ocupados em perceber as mudanças, pois acabamos focados em nossa própria realidade. Porém, se olharmos em volta, veremos que o mundo está passando por um processo de “uberização” — faço aqui uma analogia ao Uber, ícone da nossa época, que transformou a realidade do transporte urbano. Agências bancárias? Estão sendo uberizadas. Hotéis? Uberizados. Motoristas serão uberizados, o carro autônomo já é uma realidade e, em pouco tempo, dirigir será uma opção. Médicos, advogados, engenheiros, publicitários, a lista é interminável. Em maior ou menor grau, todos viverão os seus dias de táxi e sofrerão sua uberização.

Não tenho aqui a pretensão de discutir o destino da humanidade nem apontar saídas, mas, no que tange à publicidade e às agências, dá para arriscar alguns palpites, afinal são 20 anos apaixonados e felizes nessa profissão. Ano após ano, agências estão perdendo espaço. Consultorias, coletivos, produtoras e uma enormidade de novos players entraram no jogo e estão brigando pela mesma fatia de mercado. Podemos reclamar, espernear ou até mesmo tentar desqualificar os adversários. Mas o fato é: eles não entraram em campo sozinhos, foram convocados pelos nossos clientes.

O modelo de agência que trabalhamos vem de longa data. Basta assistir a um capítulo de Mad Man para constatar que nada mudou nos últimos 50, cem anos

Resta a todos nós, publicitários raiz, entender por quê. Temos o conhecimento, os profissionais, entendemos a dinâmica dos mercados como ninguém. Já provamos inúmeras vezes que somos capazes de alavancar marcas. Somos responsáveis por inúmeros cases e campanhas de sucesso. Conhecemos os consumidores como poucos, compramos as melhores pesquisas, temos as melhores ferramentas, temos um produto criativo reconhecido como um dos melhores do mundo.

Foi no Brasil que nasceu a MPM e seus memoráveis comerciais, a DPZ, três publicitários que se juntaram e ajudaram a escrever um dos melhores capítulos da história da propaganda. Somos o país que criou uma das melhores campanhas para o McDonald’s, que posicionou e levou a Havaianas para o mundo. O Brasil de Washington Olivetto, Nizan, Serpa e tantos outros publicitários brilhantes. Então, por que diabos estamos sendo uberizados?

A chave desse enigma, para mim, está no tempo. Sim, o tempo! O modelo de agência que trabalhamos vem de longa data. Basta assistir a um capítulo de Mad Man para constatar que nada mudou nos últimos 50, cem anos. Reconheço que diminuiu radicalmente o consumo de drogas, álcool e afins, mas fazer o quê? Nem tudo é perfeito.

Agências de propaganda nasceram ou são frutos da revolução industrial. Como toda empresa, crescemos e estabelecemos processos e hoje somos vítimas deles. No mundo digital, o tempo encolheu, a velocidade de ação está associada a um clique. Trata-se de um fenômeno social, estamos viciados na velocidade, vivemos plugados no 5G. Isso vale para notícia, resposta no WhatsApp, vale para absolutamente tudo, ou alguém aqui aguenta esperar um táxi por mais de dez minutos?

E aí reside o nosso problema, somos lentos. O nosso processo exige análise, debates, pesquisas, reuniões, criação, testes, pré-testes e finalmente chegamos e apontamos a melhor solução. Embasada, criativa, assertiva. Estaria tudo certo se o prazo já não tivesse ido para o vinagre, nosso processo é moroso demais para sobreviver nesse mundo conectado. Somos o táxi que pede 30 minutos para chegar e tem sua viagem cancelada. Agências não nasceram para operar nesse tempo, não conseguem. Os clientes seguem em busca de alternativas, até porque eles não têm opção. Precisam botar o post no ar, precisam responder aos haters, precisam mudar a campanha que reverberou mal nas mídias sociais. Eles precisam de tudo isso e querem para ontem. Não porque querem nos atazanar, mas porque precisam. Ah, mas o cliente não está disposto a pagar para ter esse serviço! Não é verdade, está, sim, e o fará assim que encontrar uma proposta que resolva essa equação. Concordo que muitas dessas empresas que estão em busca de alternativas para conquistar seus respectivos consumidores também não estão preparadas para isso. Pedem agilidade das agências, mas padecem vítimas dos mesmos processos e estruturas hierarquizadas, heranças do mundo analógico.

Diante desse cenário, só me resta uma certeza: aquele que conseguir oferecer a melhor resposta para o cliente, no tempo que ele precisa, terá a chave para o sucesso. Mas o tempo está passando e todos precisam correr contra ele ou simplesmente serão uberizados. Como diriam na Bahia: “Durma com um barulho desse!”

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