Dinossauros hipsters

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Opinião

Dinossauros hipsters

Conta-se nos dedos a quantidade de pessoas com mais de 50 anos nas empresas, especialmente nas agências de publicidade e, lá fora, o cenário não é diferente


21 de junho de 2018 - 12h53

Crédito: PeopleImages/iStock

No dia 1º de abril do ano passado, postei uma foto do meu passaporte italiano em uma rede social com a seguinte legenda: “de malas prontas para viver na Toscana”. Obviamente que era uma brincadeira alusiva à data, mas o que eu nunca poderia imaginar é que, meses depois, já estaria morando em Milão, com volta prevista justamente para o mês de abril do ano seguinte.

Para quem não se lembra, em julho de 2017 escrevi um artigo, publicado no Meio & Mensagem, contando os detalhes do dia da minha demissão. A ideia era descrever com bom humor um dos momentos mais delicados da vida para, quem sabe, incentivar as pessoas a aceitarem melhor o fato e pararem de usar desculpas pouco críveis, tais como: “decidi sair da empresa para tirar um ano sabático”, “não estava sendo desafiado, agora vou empreender”. #preguiça.

Num dos trechos do artigo, mencionei que os meus desafetos poderiam apostar uma pule de dez que eu viraria Uber, mas nem o mais otimista dos amigos — incluindo myself — poderia acreditar que receberia um convite para trabalhar fora do Brasil apenas um mês após a minha demissão. As perspectivas eram tão sombrias que, ao encontrar uma antiga chefe alguns dias antes, ela profetizou: “você ainda está nessa de procurar emprego em agência? Pode desistir, ninguém vai contratar dinossauros como nós”. Oi? Felizmente a profecia não se concretizou. Será que os gringos me acharam uma “dinossaura hispter”?

De qualquer forma, não posso dizer que ela estava de todo errada. De fato, conta-se nos dedos a quantidade de pessoas com mais de 50 anos nas empresas, especialmente nas agências de publicidade. Lá fora, o cenário não é diferente. Tanto na Itália quanto na Alemanha e França, que foram os mercados com os quais trabalhei ativamente, os mais velhos também são minoria. O que muda é a forma como as pessoas se comportam e interagem com eles e com os diferentes em geral. O europeu é muito livre e respeita demais a individualidade do outro, então, raramente, você verá alguém comentando que aquele cara é gordo e velho, que a roupa da fulana é brega ou que o colega de trabalho na verdade gosta do Batman e não da Mulher Gato. Se você for inteligente, atualizado, entregar o job e ficar na sua, será bem-vindo.

Mesmo sendo um fenômeno global, a escassez dos mais velhos nos ambientes de trabalho ainda é difícil de entender. Sei que o mundo em crise fez surgir a “juniorização” e essa é uma explicação palatável, mas também acredito em outra hipótese: a falta de militância da classe. Outro dia, conversando com uma pessoa, ela comentou que na multinacional em que trabalha há programas para inclusão de deficientes, negros, refugiados e LGBTs. Porém, não fez qualquer menção aos mais velhos. Logo pensei: se o sujeito é velho, branco, heterossexual e não-refugiado, ele realmente está no buraco.

Pior ainda é quem se encontra na faixa dos 50 anos aos 60 porque, além de não ter emprego, também não tem vaga no estacionamento, ônibus de graça e nem os descontos do seu Sidney. É o limbo. E o presidente ainda quer que trabalhemos até os 90 anos!

Confesso que fico feliz quando vejo homens e mulheres com mais de 50 anos brilhando no telejornalismo, mas me irrito profundamente quando lembro que não existe o mesmo espaço na publicidade. Porque não poderíamos ter pessoas como Mônica Waldvogel, Leilane Neubarth, Caco Barcelos, Pedro Bial, Fátima Bernardes, Eliane Cantanhêde, Ricardo Boechat, Carlos Tramontina e tantos outros trabalhando nas agências? Isso para não citar a Glória Maria, que até hoje ninguém sabe se está entre os 30 anos e os 70 anos. Então, me pergunto: não deveríamos fazer mais barulho para reverter a miopia que acomete esse mercado?

Talvez os “dinos” não tenham mais de 3 mil músicas no Spotfy e também não digitem com os dois polegares no WhatsApp, mas eles podem acrescentar muito às estruturas. Certamente não faltará conhecimento, empatia, jogo de cintura, bom humor e disposição. E, o que é melhor, sem mimimi.

Por isso, em defesa dos maduros e oprimidos, convido os dirigentes das indústrias a reverem seus conceitos. Afinal, o mundo está mudando e até mesmo as princesas já não se casam mais com 18 anos. Megan Markle tinha 36 no dia do casamento.

 

*Crédito da imagem no topo: Fotolia

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