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Dois lados da moeda

Modelo de negócio segue um desafio para produtores de conteúdo, como mostram os casos do Grupo Abril e do Esporte Interativo


20 de agosto de 2018 - 11h01

Não dá para dizer que foi inesperado, mas nem por isso perdeu impacto quando se tornou realidade: na quarta-feira 15 o Grupo Abril entrou com um pedido de recuperação judicial, um mecanismo legal que suspende temporariamente a execução de dívidas.

Na prática, a medida é uma saída pela qual optam empresas com grandes dívidas que buscam uma proteção aos seus ativos enquanto viabilizam meios para uma reorganização financeira que as torne mais uma vez operacionalmente aptas a honrarem com seus compromissos em dia.

Em entrevista publicada no site de Exame, que pertence ao grupo, o novo CEO da Abril, Marcos Haaland, revelou que o passivo total submetido à recuperação judicial chega a R$ 1,6 bilhão. O montante é mais de 60% superior ao que a empresa faturou ao longo do ano passado, quando as receitas ficaram perto de R$ 1 bilhão, resultando em um prejuízo financeiro de R$ 331 milhões. De acordo com informações do mercado, também é praticamente o dobro do que o grupo devia há quatro anos, quando o faturamento estava na casa de R$ 1,4 bilhão. Haaland, executivo da Alvarez & Marsal, consultoria que assumiu a gestão do grupo em julho, com o objetivo de reestruturá-lo organizacional e economicamente, recorreu às transformações rápidas que assolam o ambiente de negócios na qual a empresa está inserida para justificar a rapidez no agravamento da situação contábil.

“Do total de investimentos em publicidade das grandes empresas em 2010, uma fatia de 8,4% era dirigida para revistas. Essa participação caiu para 3% em 2017. O número de pontos de venda de mídia impressa, como as bancas, diminuiu de 24 mil para 15 mil de 2014 a 2017. A circulação de revistas, no mesmo período, baixou de 444 milhões de exemplares por ano para 217 milhões. E a venda de assinaturas recuou 60%, de 90 milhões para 38 milhões, enquanto a venda de exemplares avulsos se reduziu quase a um terço do que foi: de 173 milhões para 63 milhões”, enumerou.

À Folha de S.Paulo, em entrevista publicada na sexta-feira 17, ele afirmou que decidiu pelo pedido de recuperação judicial ao perceber o risco de credores e fornecedores irem à Justiça em busca de ativos da companhia — o que poderia comprometer o funcionamento das operações da empresa e, consequentemente, sua capacidade de geração de caixa. Confirmou, ainda, que o foco da companhia para o futuro estará no digital e em seis títulos prioritários: Veja, Exame, Claudia, Quatro Rodas, Saúde e Superinteressante. E repetiu o mantra que já havia entoado à Exame: é preciso encontrar um modelo de negócio.

Ainda que nesse momento, na teoria, todo mundo tenha uma resposta para os motivos da crise da Abril e uma solução que teria evitado a atual situação, na prática as questões são mais complexas. Sim, a editora sempre teve marcas fortes e algumas delas seguem líderes em influência e relevância nas suas áreas de abordagem. Mas isso não basta para um negócio parar de pé nos dias de hoje, em que estruturas, investimentos, custos, processos, formatos e canais precisam estar alinhados com as demandas contemporâneas da transformação digital.

É emblemático que, praticamente ao mesmo tempo que um novo capítulo da jornada da Abril vinha à tona, uma marca nativa digital, com uma trajetória bem-sucedida quando medida sob a ótica dos indicadores de influência nas plataformas online, também tenha revisto seus caminhos. A Turner anunciou na quinta-feira 9 o fim do Esporte Interativo na TV por assinatura e a manutenção da marca para plataformas digitais e transmissões que serão alocadas nos canais TNT e Space. De acordo com o vice-presidente de vendas publicitárias da Turner, Gilberto Corazza, a mudança foi estratégica, em busca de propiciar aos anunciantes melhores audiências — confira a entrevista com o executivo na reportagem de capa desta edição, assinada pelo repórter Luiz Gustavo Pacete, sobre o novo cenário competitivo para as compras de direitos de transmissões de eventos esportivos, publicada a partir da página 22. Outro lado, obviamente, é o da otimização dos investimentos em equipe e estruturas. E mais uma vez voltamos ao modelo de negócios, algo que não apenas a Abril e a Turner seguem procurando, mas praticamente todo o setor que explora comercialmente a produção de conteúdo.

A conta precisa fechar.

*Crédito da foto no topo: Kaboompics/Pexels

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