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Opinião

Vai querer o que hoje?

Estratégias digitais, conteúdo customizado e agilidade na entrega remodelam o mundo da notícia impressa e dão novo fôlego a periódicos tradicionais


3 de outubro de 2018 - 16h30

Créditos: iStock-CatLane

Ainda me lembro, adolescente, quando o relógio batia 6h30. Meio zumbi, ia correndo até a entrada de serviço do apartamento onde morava com os meus pais para pegar o exemplar do jornal O Estado de São Paulo que o porteiro deixava religiosamente, todas as manhãs, no capacho da porta. A missão era chegar antes do meu pai e furtar a seção de esporte e cultura do periódico. O resto apresentava pouca valia para um menino de 13 anos.

Cresci, saí de casa, fui morar em outro país e voltei. E sempre continuei lendo o Estadão. Em papel mesmo — peço desculpa aos millennials, mas sou da velha guarda e adoro o ritual de passar página por página do folhetim e ter os dedos sujos de tinta preta. Melhor ainda se o jornal estiver acompanhado de um bom espresso e uma fatia de bolo de fubá.

Será que sou ponto fora da curva? Mais alguém aí ainda tem o hábito de consumir conteúdo impresso? Pergunto porque, vez ou outra, volta à tona a discussão sobre a morte do jornal impresso.

Sim, há pelo menos 20 anos discute-se quando (e não se) o jornal impresso vai caducar. Mas, pela movimentação recente, a resposta é NÃO (assim mesmo em caixa alta e negrito). O que deve acontecer — e já existem casos exitosos — é a transformação do que chamamos hoje de mídia impressa.

Vejamos os exemplos do New York Times e do Washington Post. Na tentativa de se reinventar, o NYT lançou, em 2014, um plano ambicioso para conseguir uma receita de US$ 800 milhões em assinaturas. Como? Explorando o universo digital. Embasado em pesquisas, o NYT passou a oferecer soluções customizadas para cada plataforma digital existente. O leitor (leia-se cliente) tem um vasto cardápio e pode escolher a opção que lhe agrada mais: web, web + telefone, web + telefone + tablet etc.

O periódico costurou também parcerias para tornar suas seções mais realistas. Em conjunto com o Google criou um projeto batizado 36 Horas que, além do conteúdo do jornal, traz ainda ferramentas de realidade virtual. Alguém que queira pesquisar sobre a região da Toscana, por exemplo, pode praticamente andar pelas ruelas de cidades como Lucca ou San Gimignano e explorar os melhores lugares para comer um formaggi tartufato ou tomar um bicchiere di vino.

Outra iniciativa de sucesso foi a adaptação de publicidade para os tempos digitais. Se você estiver lendo o jornal pela manhã, é quase certo que receberá um anúncio da Starbucks ou de uma delicatesse oferecendo guloseimas matinais. Se a leitura acontecer no fim do expediente, é garantido que terá convites de bares, pubs e afins para um drinque no caminho de casa.

Igualmente fascinante é o caso do Washington Post. Um dos jornais mais respeitados do mundo vinha perdendo credibilidade, receita e leitores até ser comprado pelo todo poderoso Jeff Bezos, criador da Amazon. Ao assinar um cheque de US$ 250 milhões, em agosto de 2013, Bezos afirmou que iria “transformar um grande jornal local em um gigante jornal global ao investir em qualidade, experiências diferenciadas aos leitores e plataformas digitais”. Dito e feito. Em vez de demitir pessoas para estancar a sangria do jornal de imediato (o que nove em cada dez presidentes fariam), ele foi a campo buscar jornalistas renomados para compor o novo quadro de funcionários. No quesito conteúdo diferenciado, incentivou os editores a publicarem assuntos específicos para o Facebook Instant, Twitter, LinkedIn, Snapchat, Pinterest, Instagram, Google+ e até Tumblr. O racional? Conseguir o maior número possível de novos leitores e, a partir daí, oferecer conteúdo premium por preço diferenciado. Acredite: as pessoas compraram a ideia.

Por fim, vieram as plataformas digitais do Post. A primeira reviravolta foi uma parceria com o Google para que o site tivesse a velocidade de um bólido da F1. Bezos acredita que, em tempos onde tudo muda a cada segundo, as pessoas estão dispostas a pagar mais para consumirem conteúdo de maneira mais rápida. Surgiram ainda mais de uma dezena de produtos customizados para o universo digital, além da utilização de inteligência artificial para chegar mais rápido e de maneira mais eficiente aos leitores do folheto. Ao criar uma ruptura no modelo de negócios de publicações tradicionais, as ideias de Bezos já colhem frutos. Neste ano, o Post foi eleito a 8ª empresa mais inovadora segundo a Fast Company, bíblia quando o tema é inovação.

Por aqui, a modernização ainda engatinha. O que se vê são muitas tentativas e erros em sequência. Talvez o mais emblemático deles seja a derrocada da Editora Abril. Outrora o império editorial mais imponente da América Latina, o grupo anunciou, recentemente, o término de boa parte do seu portfólio de publicações. Isso tudo por apostas erradas em gestão, falta de agilidade na tomada de decisões e visão míope para o universo digital.

Mas há esperança! O Nexo, veículo de jornalismo eletrônico fundado no fim de 2015, vem chamando atenção. Isso porque oferece textos de qualidade, interatividade e liberdade de escolha — boletins diários, semanais, coletânea de dados etc. Tudo isso a um preço de R$ 12 mensais. Sua fórmula já chama atenção mundo afora. Em 2017, o Nexo foi premiado pela Online News Association em parceria com a universidade Columbia, de Nova York, com o título mundial na categoria Excelência em Jornalismo Online. Seus números também impressionam. De acordo com o SimilarWeb, que mede o tráfego online, o periódico eletrônico teve mais de 2,3 milhões de visitas nos últimos seis meses. Em termos comparativos, o veterano O Globo recebeu 935 mil visitas no mesmo período.

É fato que ainda há mais incertezas do que definições sobre a melhor maneira de consumir conteúdo relevante. E o próximo capítulo deste livro ainda está por ser escrito. Mas, assim como a lagarta vira borboleta para sobreviver, os veículos de comunicação têm uma única saída: criatividade, criatividade, criatividade. O que, neste contexto, exige oferecer conteúdo premium, experiências customizadas e vivência no universo cibernético.

Nesta corrida, Bezos tomou a dianteira e não será espantoso se repetir o que já faz com a Amazon, maior supermercado virtual do mundo — a empresa direciona as compras de seus clientes mundo afora a partir de comportamento, gostos e desejos. Isso quer dizer que, muito em breve, o seu conteúdo será 100% customizado de acordo com seus hábitos e preferências. E aí, vai querer ler o que hoje?

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