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Opinião

Sobre saber nada sobre tudo o que se sabe

Para criar o novo, tem que sair do piloto automático, abrir espaço no emaranhado de coisas do nosso cérebro e praticamente estar mais verdadeiramente conectado à nossa essência


10 de outubro de 2018 - 10h33

Crédito: Rodolfo Clix/Pexels

Uma das grandes descobertas que a gente pode fazer sobre a gente mesmo é se dar conta de que a gente nada (ou pouco) sabe sobre aquilo que a gente mais sabe. Exatamente isso: saber nada sobre o que mais se sabe.

Claro que isso não é jogar fora anos de experiência e aprendizados. Também não é um lapso de baixa autoestima e insegurança. Mas um movimento generoso de se perceber mais e capturar com sinceridade o que está acontecendo fora da gente. Reconhecer que pouco se sabe daquilo que mais se sabe pode parecer angustiante, aflitivo e desesperador num primeiro momento (e de fato é) mas quando essa onda de tensão passa, é libertador, poderoso e catártico. O horizonte se expande com plenitude e naturalidade, a mente abre espaços com leveza e amplitude, e o coração pacifica e acalenta com conforto. Gestos, palavras, ideias e sensações que não necessariamente estavam nos cenários da nossa rotina repentinamente passam a ocupá-la. O “novo” passa habitar esses espaços e conviver com as certezas adormecidas em nossa mente e com as realidades do presente.

Para criar o novo, tem de sair do piloto automático, abrir espaço no emaranhado de coisas do nosso cérebro e praticamente estar mais verdadeiramente conectado à nossa essência.

Pare um minuto e pense “o quanto da nossa essência conseguimos viver no nosso dia?” Se a resposta for “pouco”, é hora de fazer uma pausa e encarar o problema. Afinal, gastar 10 a 12 horas por dia todos os dias produzindo algo que é contrário ao que mora dentro da gente deveria ser impraticável ou intolerável.

Fiz essa pergunta a mim mesmo, diversas vezes nos últimos tempos e fiquei aliviado e feliz com a resposta, não só pelas coisas que vivenciei até aqui, mas por enxergar o que ainda está por vir.

O desespero que foi reconhecer que nada sabia sobre o que tudo sabia se tornou esclarecedor e necessário para reforçar o que me inspira, energiza e enxergar com mais clareza o que está lá dentro: criatividade. Criatividade como potência e vontade de transformar. Não significa necessariamente ser uma pessoa cheia de ideias e inovadora (definitivamente não é o caso), mas sim com a capacidade humana de perceber e dar forma ao que é único, diferente e novo. Dialogar com os diversos repertórios (seus e dos outros) para capturar o que está lá, mas ainda não está concretizado nem colocado. Algo que estimula um constante exercício de empatia, investigação e criação. Criatividade como substantivo, adjetivo e verbo.

O desafio de preencher uma folha em branco com uma ideia é difícil e às vezes pode até envolver certo nível de sofrimento, mas que é essencial a todo processo criativo. É um caminho sem volta no aprender, trocar e despertar. Aquela coisa de “ou você ama ou você odeia”. Na verdade, processo criativo que tem fórmula não é processo criativo. A folha em branco é o melhor template. Só precisa de papel, lápis, caneta, e a intenção de querer construir algo a partir das experiências vividas e da percepção que temos do mundo. A beleza mora exatamente aí.

Ao mesmo tempo, não dá para querer acertar o tempo todo. Aliás, para acertar, tem de errar. O coelho não sai da cartola todo dia e a sacada de gênio menos ainda. Precisa suar os neurônios, inspirar e transpirar muito. A construção de valor de um processo criativo passa diretamente pelo fracasso tão evitado — atitude natural de qualquer ser humano. É por meio dele que acessamos parte da nossa vulnerabilidade. Ficamos expostos e é nesse momento que vemos aquela clássica imagem de bifurcação da estrada “desistir x superar”. Escolher o caminho da superação é acionar nossa obstinação, seguir em frente e não voltar para trás. Um caminho nada óbvio, mas que é a rota para construção do novo.

Ou seja, a criatividade está também intimamente ligada ao nosso lado frágil. É o erro que faz com que a gente evolua e enxergue novas possibilidades sendo cada vez mais inventivo. O ponto alto da criatividade é enxergar como cada pessoa ao seu redor pode contribuir muito mais para sua criatividade além de você mesmo. É realmente perceber tudo e todos como um ecossistema que pode ser faísca e gatilho para o novo. Tudo isso está apenas esperando ser conectado. Essa é a co- criação mais autêntica que existe. Quando as pessoas realmente estão criando e contribuindo com o seu pensamento de forma natural sendo elas mesmas.

É muito poderoso ver a indústria de criatividade começando a perceber que o processo criativo não está isolado nem mora num departamento específico de criação, mas está espalhado, vivo e em ebulição, pronto para saber cada vez mais nada sobre tudo o que se sabe. Experimente.

 

*Crédito da imagem no topo: kmlmtz66/iStock

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