Usabilidade e o design do invisível

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Opinião

Usabilidade e o design do invisível

A tecnologia e a experiência do usuário em debate no Festival Interaction Latin America 2018, por Clarissa Biolchini


12 de dezembro de 2018 - 18h30

Crédito: Leonardo Lohmann/Divulgação

Dieter Rams, renomado designer alemão, disse uma vez: “Good design is invisible”. O que ele quis dizer? Ao afirmar que todo bom projeto de design é invisível, se referia à simplicidade que considerava imprescindível. Para Rams, se o design é forma e função, e se algo projetado cumpre a sua função e ainda promove uma sensação agradável, isso se dá pelo fato desse produto (ou serviço) ter sido bem projetado.

Levante a mão quem nunca tentou usar algo e se frustrou por não conseguir entender como o produto ou serviço funciona? Imagine que você tentou fazer uma compra online, mas desistiu diante da dificuldade de concluir a operação. Ou que fez uma transferência bancária para uma conta indesejada, ou mesmo que reservou um assento em um voo sem conseguir entender se o assento é no corredor ou na janela. Esses três exemplos demonstram que o design desses itens não foi bem projetado e que há falhas no nível da sua usabilidade.

Quem possui produtos ou usa os serviços da Apple, por exemplo, sabe quão prazerosa é a experiência de usá-los e manuseá-los. Da mesma forma, quem já usou o Airbnb certamente teve uma sensação agradável ao navegar em suas páginas de forma fluida e intuitiva. O mesmo ocorre nas plataformas com experiências de uso bem projetadas, como as interfaces do Uber ou do Spotify, ou ao usar o aplicativo do banco Itaú, para dar um bom exemplo nacional. Mas tudo isso não é à toa. Essa interação fluida e agradável é consequência de um investimento considerável em design feito por essas empresas que chamamos de organizações orientadas pelo design.

Em outras palavras, se tentarmos interagir com algum produto ou serviço e a experiência for simples ou intuitiva, isso ocorre devido ao que chamamos de um “bom design”, ou seja, algo que foi minuciosamente pensado para funcionar bem e de forma agradável e desapercebida — algo que atinja o grau de invisibilidade previsto por Reims. Por outro lado, se fracassarmos ou nos prolongamos demais diante da realização de uma tarefa, estamos diante de algo mal projetado. A diferença entre os dois casos é o que chamamos de design de interação (ou iteraction design) .

 IxD, UxD ou UX?

O design permite que exploremos diversas formas e possibilidades de uso para um determinado produto ou serviço a partir da identificação das necessidades do usuário. Muitas vezes abreviado, em inglês, pela sigla IxD, o campo do design de interação tem na origem o foco na interação de pessoas com as coisas, cuja base depende de um projeto de design e do comportamento humano, o que o diferencia da engenharia e demais áreas da ciência. O termo interaction design foi cunhado em meados de 1980 por Bill Moggridge e Bill Verplank, sendo esse último um estudioso da relação das pessoas com os computadores. Para ele, o design de interação é uma adaptação do termo “design de interface do usuário”.

O fato é que, cada vez mais, temos interfaces à nossa volta e existe uma complexidade envolvendo essa interação. Além disso, com a escassez do tempo frente às múltiplas tarefas que se apresentam hoje, é fácil compreender que a eficácia no uso dos serviços e uma experiência agradável tornaram-se cruciais.

Além do termo IxD para o design de interação, tem também o termo UX (ou UxD), que muitos conhecem mesmo fora do campo do design. Esse termo se refere ao User Experience Design, ou seja, ao campo do design que diz respeito à usabilidade e à acessibilidade das informações de algo que tenha sido projetado. Um dos grandes experts atuais em UX é Don Norman. Autor de vários livros e colaborador da Apple em muitos projetos no passado, Norman tornou-se uma referência internacional no assunto há algumas décadas e vem sendo aclamado pelos designers como o papa do UX.

Segundo Norman, ao contrário do que muitos pensam, o design de experiência do usuário sempre foi fundamental para a concepção de produtos e serviços. Muito antes da profusão dos produtos digitais em que consistem a maioria dos projetos que utilizam o UX. Isso porque seu objetivo é sempre transmitir a informação correta para o usuário para que possa extrair o que deseja do artefato que quer usar.

Quer estejamos interagindo com um produto ou um serviço, como um forno micro-ondas ou um aplicativo para a compra de ingressos, em ambos os casos o importante é conseguir cumprir nossos pequenos objetivos. Acontece que sempre esperamos que isso ocorra de forma fluida, fácil e sem nenhum mal-entendido. Afinal, o que pretendemos é algo tão simples quanto descongelar um prato ou adquirir entradas para um concerto. Mas, por mais que possam parecer triviais, essas podem se tornar experiências desagradáveis e extremamente irritantes.

De volta à simplicidade

O design de interação é um campo que vem crescendo exponencialmente nas últimas décadas e tem sido tema de discussões acaloradas que reúnem profissionais em todo o mundo em torno da usabilidade e da interatividade sob a abordagem do design. Debates e reflexões que são a alma de eventos como o Interaction Latin America (ILA) 2018, festival que reuniu no Rio de Janeiro cerca de 1,7 mil participantes entre os dias 15 e 17 de novembro.

Ao longo de três dias, o ILA ofereceu uma programação intensa com palestras e workshops com nomes como Tom Kelley, sócio da IDEO, a consultoria de design mais conhecida do mundo; Jamie Levy, autora de UX Strategy: How to Devise Innovative Digital products that people want”; e Marc Stickdorn, um dos maiores especialistas de design de serviços no mundo, autor do livro Isto é Design Thinking de Serviços, publicado no Brasil em 2014, cujo prefácio é de minha autoria, e do livro This is Service Design Doing, do qual participo com um artigo, sendo a única mulher brasileira do grupo.

Perpassando todo o evento, uma profunda reflexão sobre o papel do design. Devido ao desenvolvimento exponencial da tecnologia, a ascensão da área de UX tornou-se ponto de discussão entre os profissionais dessa área. O fato é que, com o advento da revolução digital, muitos afirmam que a tecnologia transformaria o design em algo frio e banalizado, restrito a projetos de interfaces digitais de sites e aplicativos. Ou, pior, que as ferramentas e métodos de UX e design de serviços, como construção de personas ou jornadas de usuário, seriam a solução para todos os problemas.

Mas o que o ILA nos mostrou foi o inverso. O que esteve em pauta nesta edição do festival, em quase toda a programação, é justamente o papel do designer no mundo. No cerne das principais discussões, questões básicas do design. Como projetar um comportamento humano mais sustentável? Como criar soluções que gerem impacto social? Como projetar considerando fatores sensíveis ou o universo metafórico e nuances humanas que permeiam o mundo digital? Essas e outras perguntas dividiram espaço com uma reflexão sobre temas como empatia, sustentabilidade e ética. Como usar o design como estratégia para o crescimento sustentável, criar intimidade com os códigos, lidar com questões éticas ou para incitar melhores práticas e causar melhores reações no universo digital. Afinal, apesar da velocidade da tecnologia e das mudanças que vivemos nas duas últimas décadas, seguimos sendo seres humanos e agindo, sentindo e pensando na mesma forma que antes. As questões existenciais humanas do design se mantêm sempre as mesmas e tendem a se fortalecer nos próximos anos em contraponto aos avanços que deveremos viver em outras frentes.

Afinal, se um bom design é o design do invisível, devemos utilizar o máximo desse pensamento para colocar o design na linha de frente, criando soluções eficazes, e, ao mesmo tempo, sustentáveis, que possam contribuir para a consolidação da condição humana com as máquinas e a tecnologia em contraponto às mesmas.

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