A Inteligência Artificial e a Manipulação Genética podem ser os melhores remédios contra o coronavírus?

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A Inteligência Artificial e a Manipulação Genética podem ser os melhores remédios contra o coronavírus?

A prestigiada Nature alertava em artigo meses antes sobre a importância de incluir as previsões nos processos de decisão sobre como combater doenças utilizando dados estruturados e machine learning enquanto as medidas efetivas como vacinas não estão disponíveis. É mais ou menos como os meteorologistas usam tecnologia para antecipar catástrofes climáticas.


3 de abril de 2020 - 8h00

Por Omarson Costa (*)

Ilustração: O triunfo da morte, pintura de Pieter Bruegel, o Velho (pintada c. 1562)

“Entre tanta aflição e tanta miséria de nossa cidade, a autoridade das leis, quer divinas quer humanas, desmoronara e dissolvera-se. Ministros e executores das leis, tanto quanto outros homens, todos estavam mortos, ou doentes, ou haviam perdido os seus familiares. (…) Para dar sepultura à grande quantidade de corpos já não era suficiente a terra sagrada junto às igrejas; por isso passaram-se a edificar igrejas nos cemitérios; punham-se nessas igrejas, às centenas, os cadáveres que iam chegando; e eles eram empilhados como as mercadorias nos navios”.

Tanto o quadro que abre o artigo, como o trecho acima pinçado do livro Decamerão, do italiano Giovanni Bocaccio (1313-1375), descrevem cenas durante os piores anos da Peste Negra, a pandemia mais letal da história. A população da Florença de Bocaccio caiu de 110 mil para 50 mil em questão de anos. Metade de Paris morreu. O continente europeu perdeu entre um terço e metade de seus habitantes.

A peste veio da China e antes de devastar a Europa também causou muita destruição na Ásia, Oriente Médio e norte da África. Por causa da falta de dados confiáveis em muitos países, os historiadores até hoje não chegaram a uma estimativa precisa. Calcula-se que, ao todo, a pandemia tenha exterminado de 11% a 22% da população mundial.

Somente no século 19 o suíço Alexandre Yersin (1863-1943) descobriu em Hong Kong o bacilo da peste bubônica, nomeado em sua homenagem Yersinia pestis, e fez uma vacina – 500 anos depois!

Mesmo com os enormes avanços da medicina nos últimos 200 anos, seguimos expostos a epidemias: de cólera, de AIDS, de ebola, de dengue e das variantes de gripe até o atualíssimo coronavírus, que entrou 2020 assombrando a economia mundial e sendo declarada emergência internacional de saúde pública pela OMS.

Por quê?

Como bem coloca a colunista do Washington Post, Megan McArdle, durante os últimos 40 anos construímos nossa economia centralizada em megacidades, deslocamentos em massa e cadeias de suprimento de escala global. Tal sistema trouxe uma prosperidade inédita à humanidade. E também funciona como “uma larga rodovia expressa para os vírus”. Doenças podem pular de um continente para outro até mesmo antes de sabermos do que se trata.

A preocupação é tão verdadeira que o tema virou quase um gênero literário e cinematográfico à parte, desenhando cenários pós-apocalípticos causados por vírus que saíram do controle com efeitos devastadores. Lembra de Eu Sou a Lenda, em que Will Smith combate humanos-zumbis contaminados?

Em outubro de 2019, um grupo integrado por especialistas do Johns Hopkins Center for Health Security, o Fórum Econômico Mundial e a fundação Bill e Melinda Gates fez uma simulação em Nova York tentando planejar como seria uma resposta global para uma pandemia de um vírus totalmente ficcional.

Apesar dos esforços, os resultados do exercício foram alarmantes: 65 milhões de pessoas teriam morrido. O detalhe macabro foi o fato de terem escolhido uma cepa mortal de … coronavírus! Vale destacar que qualquer semelhança com o 2019-nCoV, nome do patógeno real, é mera coincidência.

Por outro lado, um sistema de inteligência artificial da empresa de tecnologia para saúde chamada BlueDot emitiu um alerta sobre uma possível disseminação do coronavírus mais de uma semana antes da Organização Mundial de Saúde. O algoritmo enviou e-mail a órgãos de saúde e companhias aéreas no dia 31 de dezembro, alertando para que eles evitassem a região de Wuhan, na China, mais tarde confirmada como o epicentro da epidemia.

Como isso foi possível?

É “simples”. Por meio de mapeamento e compilação de notícias de fontes internacionais em 65 idiomas, redes de pesquisas em saúde, dados de companhias aéreas, comunicados oficiais de empresas ligadas ao agronegócio, pecuária e outras, e até mesmo fóruns de discussão.

A BlueDot, fundada em 2014, já angariou mais de US$ 9,4 milhões em investimentos. A ideia de criar um algoritmo de detecção de epidemias foi do CEO, Kamran Khan, infectologista que trabalhou no Canadá durante a epidemia de SARS – variante do coronavírus, em 2013.

Em um mundo interligado como o nosso, o fator tempo é realmente importante para epidemias. A velocidade da reação no caso atual não tem precedentes. Em 31 de dezembro, a China reportou os primeiros casos de uma pneumonia de origem desconhecida à OMS. No dia 11 de janeiro, os cientistas já tinham isolado e compartilhado o genoma do vírus com a comunidade científica. Vinte dias depois, já havia cerca de 50 trabalhos de pesquisa sobre ele, segundo a revista Nature. No caso da SARS, a janela entre o primeiro caso e a identificação levou 152 dias!

Alguns especialistas criticaram a China por ter demorado mais de 20 dias para admitir publicamente a epidemia. Ao mesmo tempo, conseguiu um fato histórico de colocar em quarentena uma cidade de 11 milhões de habitantes e construir em 10 dias (!) um hospital para atender os pacientes.

Hospital construído na China para tratar pacientes do coronavírus. Fonte: CGTN

A prestigiada Nature alertava em artigo meses antes sobre a importância de incluir as previsões nos processos de decisão sobre como combater doenças utilizando dados estruturados e machine learning enquanto as medidas efetivas como vacinas não estão disponíveis. É mais ou menos como os meteorologistas usam tecnologia para antecipar catástrofes climáticas.

Por exemplo, Quidel Sofia platform9 e BioFire multiplex PCR10 são duas soluções que fazem coleta, realizam exames e se conectam com um banco de dados de patógenos de doenças respiratórias armazenados na nuvem. Sistemas assim apressam a coleta de dados e o diagnóstico.

O alerta que a revista faz é de que a pesquisa científica tem conseguido modelos de previsão promissores, mas o processo ainda não é rápido o suficiente para dar suporte aos sistemas de saúde, sobretudo aqueles em que a análise de dados é lenta. O investimento nessa área, insiste a publicação, é fundamental para tornar a resposta mais eficiente e salvar o máximo de vidas.

A Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, nos Estados Unidos, divulgou um estudo muito interessante em 2018 com o título Technologies to Address Global Catastrophic Biological Risks. São riscos impostos por agentes biológicos que emergem ou reemergem de forma natural, aqueles criados e disseminados deliberadamente ou por meio de algum acidente de laboratório e que têm potencial para causar um desastre de grandes proporções. Naquela nossa filmoteca apocalíptica podemos acrescentar Contágio, Epidemia ou Paciente Zero, por exemplo.

O estudo divide as tecnologias em grupos: o primeiro é detecção e vigilância sanitária; o segundo compreende os aparelhos para diagnóstico de doenças infecciosas; o terceiro reúne as soluções capazes de fabricar as contramedidas médicas; um quarto agrega os métodos de fornecimento e administração de vacinas e medicamentos; e finalmente, aquelas dedicadas aos cuidados clínicos e cirúrgicos.

Diagrama analisa as tecnologias sobre estágio de desenvolvimento, impacto e custo de implementação. Fonte: Johns Hopkins School of Public Health

Por meio de tecnologias já existentes e outras de nova geração, como Inteligência Artificial, Robótica e Internet das Coisas, será possível combater tais ameaças de forma mais rápida e eficaz. Em breve, ganharemos a capacidade de realizar sequenciamento genético de patógenos em tempo real!

Aparelhos que possam fazer diagnóstico a partir de microfluídos são ideais para locais remotos ou com instalações precárias. Recursos de IA poderiam alertar o governo a monitorar um indivíduo, realizando exames nele e nas pessoas com quem teve contato. Os diagnosticados com a infecção receberiam braceletes com GPS para impedir que deixassem uma eventual zona de quarentena.

E mais: impressoras 3D capazes de produzir vacinas e comprimidos, uma vacina que se espalhasse mais ou menos como o próprio vírus ou pudesse ser administrada por drones em locais remotos. A robótica e a telemedicina ajudariam ainda no auxílio a países com estrutura médica menos desenvolvida.

Os aparelhos descritos acima não são ficção científica, mas soluções concretas, em diversas fases de desenvolvimento e a custos variados pelas healthtechs, grupo que inclui grandes empresas e startups oferecendo soluções digital first. A indústria global de saúde digital deve pular de US$ 147 bilhões em 2019 para US$ 234,5 bilhões, em 2023, segundo previsões da consultoria Frost & Sullivan num relatório sobre o cenário desse mercado para 2020.

O ecossistema da saúde digital – Fonte: Deloitte

O Brasil é o maior mercado da América Latina e o sétimo em termos globais com mais de US$ 42 bilhões gastos anualmente em cuidados de saúde privados. Ao mesmo tempo, é bastante carente de soluções de base tecnológica.

Nos últimos anos, houve crescimento na criação de startups oferecendo produtos e serviços de saúde. Segundo a associação brasileira do setor, há cerca de 353 startups de healthtech no país, com maior concentração em São Paulo.

O avanço da alta tecnologia no mercado de saúde gera também questões regulatórias, como, por exemplo, a proteção de dados dos pacientes em redes interligadas. E sobretudo éticos, como as polêmicas em torno da tecnologia de “edição genética”.

Um grupo de cientistas do Broad Institute (MIT) e de Harvard anunciou na Nature a invenção de uma técnica chamada “prime editing”, que teria o potencial de corrigir 89% dos defeitos genéticos, modificando trechos específicos de uma cadeia de DNA de forma mais precisa.

O campo da edição genética tem se desenvolvido rapidamente nos últimos anos. Recentemente, foi feita no Brasil uma tentativa para conter a epidemia de dengue. O experimento consistiu na alteração do DNA dos mosquistos para criar espécimes que se misturassem àqueles soltos no meio-ambiente e cuja prole morresse ao nascer, provocando uma redução na população da espécie.

Parte dos pesquisadores anunciou que a tentativa deu errado; a queda no número de indivíduos durou apenas 18 meses e a prole dessa espécie modificada seria ainda mais robusta que a selvagem, o que é um dos maiores temores em relação às experiências desse tipo. A edição genética também pode provocar o surgimento de novas doenças e a manipulação de embriões humanos por razões não terapêuticas.

Ainda há desafios de custos, de pesquisa e da estruturação das redes de dados até uma integração digital ampla para que ameaças como o coronavírus sejam cada vez mais inofensivas ou combatidas com rapidez suficiente para não colocar em risco a economia mundial e transformar em realidade as teorias apocalípticas.

As novas tecnologias certamente serão essenciais, se bem aplicadas, para reduzir os riscos das pandemias que há séculos dizimam a humanidade. É torcer para que elas avancem mais rápido do que a disseminação de novos vírus. De qualquer forma, é prudente reforçar seu estoque de máscaras.

(*) Omarson Costa atua como Conselheiro de Administração, com formação em Análise de Sistemas e Marketing, tem MBA e especialização em Direito em Telecomunicações. Em sua carreira, registra passagens em empresas de telecom, meios de pagamento e Internet

Acompanhe meus outros artigos no meu blog – Blog do Omarson: omarson.com.br

Este artigo representa minhas opiniões pessoais. Toda crítica é bem-vinda desde que seja feita com o merecido respeito.

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