Publicidade

Cannes Lions

20 A 24 DE JUNHO DE 2022

O próximo passo para Change the Ref: as marcas

Depois de ganhar visibilidade com “The Lost Class”, um dos cases ganhadores de Titanium nesta edição, ONG convida marcas a se engajarem na causa anti-armas

Isabella Lessa
24 de junho de 2022 - 16h00

“The Lost Class”, da Leo Burnett Chicago para Change the Ref, é um dos trabalhos ganhadores de Titanium no Cannes Lions 2022 (Crédito: Divulgação)

O casal Manuel e Patricia Oliver não cogitava ser ativista de causa alguma. Venezuelanos, mudaram-se para os EUA em busca de estabilidade e um futuro melhor para os filhos. O sonho, no entanto, acabou virando um pesadelo quando o filho de 17 anos do casal, Joaquin Oliver, foi vítima de um tiroteio em Parkland, na Flórida, que matou outros 16 jovens.

“Meu filho sempre me perguntava: como você quer ser lembrado quando morrer? Disse que queria ser lembrado como um cara que fez coisas legais para os filhos. Quando devolvi a pergunta, ele respondeu que gostaria de ser lembrado como o cara que mudou as coisas, assim como Mandela, como (Mohammad) Ali. Ele foi um ativista antes de nós, os pais, que estávamos na zona de conforto”, contou Manuel Oliver, durante painel na sexta-feira, 24, último dia do Cannes Lions.

Manuel Oliver, fundador da Change the Ref, em Cannes: chamado para as marcas atuarem na causa anti-armas (Crédito: Celina Filgueiras)

Há quatro anos, ele e a esposa estão à frente da Change the Ref, cujo intuito é combater a violência armada que mata 45 mil pessoas a cada ano nos EUA. E foi para a ONG que a Leo Burnett de Chicago criou uma de suas campanhas mais premiadas neste 2022: “The Lost Class” coroa sua temporada de festivais no Cannes Lions com um Titanium, depois de ter ganhado diversos troféus no ADC, no Clio, no One Show e no D&AD.

O objetivo principal da campanha, segundo Sam Sheperd, diretor executivo de criação da Leo Burnett Chicago (leia mais adiante a entrevista concedida ao Meio & Mensagem), era apontar um inimigo claro do ativismo anti-armas: a National Rifle Association (NRA).

Para explicitar isso na campanha, a agência criou uma cerimônia de formatura fictícia e convidou David Keene, ex-presidente da associação pró-armas, para fazer o discurso aos estudantes. Oliver disse que Keene estranhou o fato de terem câmeras filmando-o de todos os ângulos, quando aquilo se tratava apenas de um ensaio para o discurso da cerimônia que estava por vir.

“Falamos que era somente por segurança. No dia seguinte ligaram para ele dizendo que o evento havia sido cancelado e, uma semana depois, a campanha foi para o ar. Imagine o sentimento dos pais que perderam seus filhos vendo a campanha. Mostra que há muito mais que pode ser feito sobre isso”, disse.

O ativista citou “Dream Crazy”, campanha da Nike que também foi amplamente premiada, para convocar as marcas a advogarem em favor do combate ao armamento. O trabalho gerou reações de apoio e repúdio à marca esportiva, mas o saldo final foi positivo, inclusive em vendas. Citando a frase mais emblemática dita por Colin Kaepernick no comercial – “acredite em algo, mesmo que isso signifique sacrificar tudo” – Oliver disse que as marcas deveriam assumir o risco e responsabilidade de se posicionarem contra as armas. “Temos a Leo Burnett e seus incríveis criativos, mas e a marca? É a única peça que está faltando. Temos conteúdo e talento para endereçar isso”, afirmou.

Sobre o case
O diretor executivo de criação Sam Sheperd e a head de produção Ashley Geisheker, da Leo Burnett Chicago, falaram ao Meio & Mensagem sobre a campanha:

Ashley Geisheker e Sam Sheperd, da Leo Burnett Chicago, fizeram parte da concepção da ideia por trás de “The Lost Class” desde o início (Crédito: Celina Filgueiras)

Meio & Mensagem – Como começou a parceria da agência com a Change the Ref?

Sam Sheperd – Nossa ex-CCO, Liz Taylor (atual CCO global da Ogilvy), já tinha feito trabalhos anti-armas e tinha uma conexão com a Change the Ref. Nos conectou com eles em julho de 2020 e então eu e Ashley começamos a conversar com Manuel e Patricia sobre isso. Levou um ano e meio para desenvolver “The Lost Class”.

M&M – Vocês receberam o briefing pronto ou foi algo construído junto com Manuel e Patricia?

Sam – Trabalhamos muito com o time de estratégia da Leo Burnett e começamos esse projeto com ambição. Não queríamos fazer nada que já tivesse sido feito antes em relação a esse tema. O briefing que recebemos era o de identificar a NRA como o inimigo. Em nossa opinião, muitos dos trabalhos que foram feitos falam que violência de armas é ruim, mas deixava as pessoas sem saber quem era o inimigo responsável. Então nossa primeira missão foi descobrir como confrontar a NRA em relação ao lobby deles ao longo dos anos.

M&M – Manuel disse que David Keene não processou a ele ou a Change the Ref. Como agência, vocês tiveram de tomar muitas precauções legais?

Ashley – Sim, tomamos muitas precauções legais, também trabalhamos com Russell Smith, advogado de Sasha Baron Cohen. Nossa produtora, a Hungry Man, também trabalhou com ele, que atuou conosco como conselheiro pro-bono para nos ajudar a manobrar nesse cenário legal.

Sam – Se você ver o trabalho que o Borat faz é sobre confrontação criativa, certo? Olhamos para alguém que tinha muita experiência naquela área para e fomos falar com o advogado dele. Russell Smith é o motivo pelo qual Borat nunca foi processado com êxito. Nos sentimos confiantes em ter ele nos ajudando.

Ashley – Tomamos alguns passos que não posso revelar, mas tomamos providências para assegurar que tudo que fizemos estava dentro da lei, havia contratos e conseguimos veicular o trabalho.

M&M – Keene não se manifestou sobre a campanha publicamente e nem diretamente à agência de forma privada?

Ashley – Não, a resposta de David Keene foi permanecer em silêncio, a única resposta que tivemos foi a da esposa dele, que disse aos jornais que não comentaria o caso. John Lott foi um pouco mais vocal, mas não houve processos direcionados a Leo Burnett ou a Change the Ref.

M&M – Além das precauções legais, a campanha parece ter tido outros desafios de execução. Quais vocês destacariam?

Ashley – Um dos grandes desafios foi tudo que tivemos que passar para engajar os membros da NRA e engajá-los para ir à escola e fazer o discurso de formatura.

Sam – Foi difícil para a criação convencer a agência a dizer sim para uma ideia controversa. Devemos muito à nossa agência e à nossa rede por nos deixarem fazer isso, porque temos clientes muito conservadores. Temos uma liderança disposta a assumir esse risco porque é uma causa muito cara para nós, especialmente sendo uma agência de Chicago, onde a violência de armas é tão prevalente. Muitas pessoas acharam a ideia tão boa que valia o risco.

M&M – Depois de tantos prêmios em festivais anteriores, qual o significado de conquistar Leões em Cannes?

Sam – Tem sido algo contencioso desde o início. Conseguimos ver os dois lados: nos ajuda a perspectiva de Manuel e Patricia, que fizeram a Change the Ref. Eles viam toda publicação, prêmio e reconhecimento como apenas mais um passo para levar essa causa para o palco, fazer as pessoas verem. Prêmios são mais uma forma de fazer as pessoas ouvirem sobre a causa. Escolho ver como um reconhecimento em vez de um prêmio. Estivemos dispostos a assumir um risco e o maior legado é: quem será o próximo? Este é só o começo. Quem vai fazer algo ainda mais louco ano que vem e começar de onde paramos?

M&M – Haverá uma segunda fase da campanha?

Sam – Estamos, neste momento, muito inspirados pelo call to action de Manuel e em como tornar esse problema ainda mais urgente. Nos EUA, só ligam para essa questão quando há um novo tiroteio, mas é maior que isso. As pessoas têm que falar sempre disso. Não sei se haverá continuação, mas sei que não vamos parar. Eu, Ashley e a Leo Burnett estamos comprometidos com a causa. Não sabemos como essa ideia vai ser, mas teremos que mudar o jogo. A ambição não é criar mais anúncios, não pode ter mais anúncio, tem de ser algo que cria mudanças permanentes.

M&M – O que foi crucial no planejamento para fazer a ideia gerar repercussão?

Ashley – Trabalhamos com a Tusk, nos ajudaram muito. As conexões deles com os veículos de mídia nos ajudaram bastante com o PR e a espalhar a mensagem. Foi interessante ver a ideia decolar nas redes sociais: estava no TikTok, no Twitter, congressistas e celebridades estavam tuitando, postando no Instagram. Todo mundo viu quão chocantes são as estatísticas.

Sam – Devemos muito à Tusk e à MSL. Não tínhamos verba, então cada pessoa do time precisava ser expert. Tivemos a sorte de ter o melhor diretor, a melhor estratégia de PR. Fomos muito sortudos porque tivemos o tempo dos melhores profissionais e não tivemos mídia paga.

M&M – Desde que a campanha foi lançada, alguma marca se engajou no tema?

Ashley – Não vi as marcas se engajarem ainda.

Sam – É como Manuel disse na apresentação dele: não há motivo que impeça marcas grandes de escolher um lado. A ambição dele é pegar essa causa em uma escala global, a urgência tem de estar no mesmo nível, as marcas precisam escolher um lado e não dá mais para ficarem quietas. Se você assinou uma carta sobre violência de armas, onde está agora? Precisamos pressionar. A confrontação da Change the Ref não para na NRA, mas confronta as marcas também. Não é uma causa que é natural para o propósito de uma marca, mas não torna menos importante. Fazer com que seja ok o fato de uma marca comentar sobre o tema é um grande passo. Houve um tempo em que falavam para os atletas só jogarem bola, não falem sobre política. Todo mundo tem o direito de falar algo, especialmente sobre um assunto tão sério. Há jovens morrendo toda semana. Esse é o assunto mais importante agora, como fazer com que todos entendam isso?

Publicidade

Compartilhe

Patrocínio