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Lázaro Ramos: distopias e inovações cinematográficas

Lázaro Ramos divide sua experiência no SXSW, mistura de gêneros audiovisuais e inovações do setor

Thaís Monteiro
19 de março de 2021 - 8h37

Considerado pelo Pan African Film Festival o melhor filme brasileiro desde Cidade de Deus, Medida Provisória, o primeiro filme dirigido por Lázaro Ramos, foi exibido este ano no SXSW. Antes disso, em 2020, o longa-metragem estreou em um festival russo e no Indie Memphis Film Festival, no qual levou o prêmio de Melhor Roteiro.

(Crédito: Divulgação/Elo Company)

Apesar da rota de lançamento não ser o ideal imaginado por Lázaro Ramos — “estamos há 8 anos trabalhando no filme e eu queria fazer o circuito que todos os meus amigos cineastas fizeram: ir para os eventos, fazer entrevistas no tapete, participar de painéis, ir para as festas. Isso está muito no meu imaginário de cineasta”, diz –, a participação em festivais virtuais tem repercutido positivamente.

Segundo o ator e empresário, o número de críticas e entrevistas tem sido maior do que a expectativa caso a apresentação do filme ocorresse presencialmente. O filme já soma 22 críticas e 34 entrevistas para jornalistas nos Estados Unidos. Medida Provisória tem produção da Lereby, Lata Filmes e coprodução Globo Filmes e Melanina Acentuada.

Retratando um futuro distópico, em que uma Medida Provisória sugere e, posteriormente, obriga que negros sejam mandados para a África como “reparação social”, o longa acompanha um casal e seu primo na resistência à captura. São eles: Capitu (Taís Araújo), Antônio (Alfred Enoch) e André (Seu Jorge). O filme é uma mistura de gêneros (drama, thriller e comédia) e de formatos artísticos (cinema e teatro).

Apesar da distopia ter sido roteirizada em 2013, tem repercurtido a semelhança de alguns acontecimentos da trama com a realidade atual. O filme exibe momentos em que personagens usam máscaras, ficam isolados e angustiados e situações envolvendo racismo muito próximas a acontecimentos de 2020.

(Crédito: Divulgação)

Ao Meio & Mensagem, Lázaro Ramos comentou sobre a distopia próxima da realidade, a experiência do SXSW, como explora a mistura de gêneros audiovisuais e sua opinião sobre as diferentes mídias e inovações do setor.

Meio & Mensagem – Como aconteceu esse convite do SXSW? Você já chegou a acompanhar o evento alguma vez?
Já admiro muito o festival e sempre quis ir, até por conta da parte musical. Em 2019, a Tracy Mann [representante do SXSW para o Brasil] esteve aqui no Brasil e ela pediu para acompanhar uma diária de gravação. Ela entendeu que o filme tinha uma pegada inovadora por conta dessa mistura de gêneros, achou que cabia no festival e pediu se ela podia inscrever o filme em nosso nome. O filme foi selecionado em 2020, mas o festival não aconteceu e eles me convidaram para exibir online em 2020, mas eu neguei e fico muito feliz de ter feito porque este ano eles convidaram e foram menos filmes e está com uma repercussão muito boa.

M&M – Mas o plano é estrear o filme nos cinemas ou em uma plataforma de streaming, ou então em ambos?
Eu continuo sonhando com a estreia no cinema, não consigo desapegar disso. É claro que ainda estamos contando nossa história em outras plataformas, mas ela ganha outra camada na grande tela. E ele é fruto de uma linguagem que eu procurei a alguns anos que, além de misturar gêneros, ela começa a falar de aspectos que todos se identificam através de humor, assuntos caros para todos, como família e vida cotidiana. Os meus livros começam assim. A gente tem uma quebra de mudança de gênero. É uma linguagem que tenho muita alegria de ter criado e agora percebo os críticos entendendo como ela funciona.

M&M – Hoje em dia tem muitas discussões no setor de audiovisual sobre as plataformas de streaming se tornando a primeira tela para muitos lançamentos. Você acha que o cinema ainda é importante ou pode haver uma equalização da importância dos dois na distribuição?
Com certeza vai, mas eu tendo a achar que tudo se reinventa. Eu vivo nos streamings mas a experiência da sala ainda é diferente. Acho que vamos continuar fazendo a mesma coisa que sempre fizemos. Anunciaram o fim do rádio com o podcast, mas eles continuam a coexistir. Acredito que as pessoas vão escolher o que é mais conveniente para elas no momento em que elas forem consumir o conteúdo.

M&M – Qual papel o audiovisual assume no período de pandemia?
Acolhimento e saúde. O audiovisual foi responsável fortemente por, no meio de toda essa angústia, trazer momentos de relaxamento, saúde e acolhimento. Os streamings se adaptaram para lançar suas produções, descobriram novas formas de filmar. Eu fico impressionado como a série This Is Us abordou todas as questões da pandemia e filmou cumprindo os protocolos, por exemplo.

M&M – Você fala como é estranho ter feito a peça há quase dez anos atrás e gravar o filme antes diversos acontecimentos de repercussão global e como é uma coincidência triste que isso ocorra no filme. Ele é classificado como uma distopia, mas o quão próximo você acha que ele está da realidade?
Eu não creio que ela esteja, não quero e não acho que ela vai estar próxima porque temos várias vozes e, humildemente, o filme é uma delas, que servem de alerta. Eu não sou esperançosos, mas eu continuo sendo o cara que gosta de “esperançar”, de ter alguma fé e fazer acontecer. O filme foi baseado em uma peça de 2011 e mudou pouca coisa até 2019, que foi quando gravamos, e várias das coisas que tem no filme era um exercício dos roteiristas do que poderia acontecer num momento distópico, e aconteceram infelizmente. O roteiro é de 2013 e o filme tem uma morte que se assemelha a um acontecimento recente de impacto global, temos pessoas usando máscaras, pessoas isoladas vivendo momentos de angústia. Não sei exatamente porque isso aconteceu, mas acredito que seja porque a possibilidade de você trabalhar com a arte te obriga a ficar atento aos movimentos da sociedade. Nosso trabalho é reimaginar coisas. Não somos futurólogos. O confinamento está no filme porque percebemos que as pessoas estavam se isolando ao ficar mais tempo no celular, mais intolerantes no contato uns com os outros.

M&M – Como você mesmo define, o filme é uma mistura de thriller e comédia. Por que decidiu ir por esse caminho e como foi o processo para unir dois gêneros que, a princípio, parecem antagônicos?
Difícil convencer todo mundo, os produtores, distribuidores, porque todos querem que o mercado estabeleça um gênero, facilita para vender. Mas justamente por causa dessa experiência que eu tenho do teatro e literatura, por ter feito biografia que não é biografia, eu acredito muito na mistura de linguagem. A princípio, ninguém aceitou e eu sempre achei que dava para fazer essa mistura híbrida. Quando o Corra, o Infiltrado na Klan e o Us foram lançados, eles foram fundamentais para reconhecimento do mercado sobre essa mistura de gêneros. Mas foi muito difícil de executar porque o problema é a transição de um gênero para o outro. Às vezes, parecia uma traição ao espectador. Então eu fiz 29 montagens, versões diferentes do filme para ter garantia e repensar a forma de apresentar ele. Eu tenho três finais do filme.

M&M – De repente você faz aqueles filmes interativos, como o Bandersnatch, da Netflix.
Nós estamos tendo conversas sobre isso, sobre a possibilidade de liberar os finais depois que o filme for para o cinema.

M&M – A história veio de uma peça e você conseguiu colocar alguns elementos teatrais no filme. Como foi possível trazer isso para o filme?
Aconteceu porque é um pouco da essência de todo mundo. Eu sou um homem de teatro. Recebemos consultoria de gente de cinema e muitas pessoas criticavam essas cenas que flertavam com teatro, mas como o filme se propõe a ter um elemento sensorial, fazia sentido. Quando aquilo ficou pronto, teve um sentido maior. Eu acho que para tratar desses assuntos, a sensibilização é importante. Optamos por usar esses formatos como a dança e o teatro para criar essa atmosfera.

M&M – Uma das críticas internacionais disse que o filme tem enredo para gerar uma minissérie. Vem aí?
Em algum momento já pensamos, mas confesso que eu estou com essa história na cabeça desde 2013 e eu quero contar outra. Eu entendo que ele pode ter desdobramentos, mas agora eu quero contar outras histórias.

M&M – E esse foi seu primeiro trabalho como diretor de filme. Você chegou a falar que não queria dirigir ele e ofereceu para diversos amigos que não puderam embarcar no projeto por falta de agenda, mas pretende empreender mais nesse cenário?
Com certeza, agora sim. Eu passei boa parte do ano passado escrevendo enredos, sinopses, roteiros. Estou esperando essa pandemia passar para viabilizar essas ideias.

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