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O Dilema das Redes está cada vez mais vivo

Fundador do Center for Humane Technology e um dos criadores do documentário viral de 2020, Tristan Harris ainda tem esperanças para mudança no funcionamento das redes

Thaís Monteiro
12 de março de 2022 - 21h05

Lançado em janeiro de 2020, o documentário “O Dilema das Redes”, que abordava as contingências negativas do operacional das redes sociais, nem viu o que estava por vir. Nos últimos dois anos, o Facebook foi boicotado por marcas no movimento Stop Hate For Profit, a Apple abraçou o movimento Time Well Spent ao criar controles de tempo gasto nos aplicativos e Frances Haugen e demais whistleblowers ganharam manchetes denunciando práticas prejudiciais de big techs.

Um dos criadores do documentário “O Dilema das Redes”, Tristan Harris acredita (Crédito: Thaís Monteiro)

Por outro lado, a tecnologia obteve mais mais poder: a desinformação ganhou mais força com o uso de deep fakes, a inteligência artificial avançou e já consegue criar imagens e textos muito próximos da criação humana baseados em descrições simples, movimentação via redes sociais conseguiu mobilizar uma invasão do Capitólio dos Estados Unidos e gerar imagens de bombas em guerras, como a ocorrendo na Ucrânia, que são irreais.

Fundador do Center for Humane Technology, um dos criadores do documentário e ex-cientista de computação do Google, Tristan Harris ainda tem esperanças na criação de um sistema de responsabilidade e autoconsciência que faça com que as mazelas sociais fomentadas pelas plataformas e big techs não sejam tão prejudicial como é atualmente.

Os problemas são vários: adição, depressão, conspirações, extremismo, diminuição do limiar de atenção, polarização, bots e deep fakes, cultura dos influenciadores e excesso de informações.

Um dos pontos que Harris explicou com maior extensão foi a distorção perceptual adquirida pelo uso das redes sociais. Segundo ele, há dois tipos de vozes nas redes sociais, os extremistas e os moderados. Os extremistas representam um percentual pequeno da população, mas como eles são mais vocais e expressam mais sua opinião, eles ganham mais engajamento e os usuários passam a acreditar que o extremismo e os estereótipos desse movimento são maiores do que a realidade.

“Mesmo que você entenda como a percepção é afetada, é difícil seu sistema nervoso entender. Você não consegue perceber porque você está preso num truque de mágica de 24/7. Seu cérebro fica impenetrável. Mesmo que você saiba como a mágica acontece, você não consegue deixar de lado seu bias inconsciente. Entramos num hall de espelhos e começamos a brigar com nossos amigos”, afirmou.

De uma perspectiva de quem trabalhou durante quatro anos no Google, Tristan explicou como as big techs pensam. Segundo ele, as plataformas dizem querer dar aos consumidores o que eles querem, argumentam que todas as empresas têm lados bons e ruins, trabalham para aumentar a personalização, defendem que a tecnologia é neutra e quem são eles para escolherem e obcecam sobre as métricas.

Como melhorar nosso paradigma? “Continue a apontar anomalias do outro paradigma. Insira as pessoas. Ao invés de dar aos usuários o que eles querem, saiba respeitar as vulnerabilidade. Ao invés de dizer que toda tecnologia tem seu lado bom e ruim, temos que minimizar o que é extremo e violento. Ao invés de maximizar a personalização, temos que criar entendimento compartilhado. Ao invés de dizer que a tecnologia é neutra, temos que apoiar a justiça. Ao invés de se questionar se é sua responsabilidade, tenha claro os seus valores conscientes. Ao invés de obcecar sobre métricas, ajude pessoas a suceder”, propôs.

Para Harris, o caminho é tratar tais questões como um conjunto. Ele exemplifica. “Temos o problema da desinformação. Vamos começar a notificar as pessoas quando as notícias são erradas, mas isso funciona? Se o fact checking fosse feito, o GPT-3 (sistema desenvolvido pela OpenAI que escreve texto verossimilhante ao trabalho humano) ainda pode ser possível”, diz. Além disso, ele argumentou que é necessário pensar em sistemas, as causas e transcender paradigmas. No nível pessoal, é necessário auto-reflexão.

Ao ser questionado sobre a possibilidade da Web3 e sua proposta de descentralização ajudar a solucionar o monopólio das big techs, Tristan opinou que empresas centralizadoras já geram problemas sem supervisão governamental, então a descentralização trará mais dúvidas.

Se é possível mudar a situação sendo que as plataformas sociais estão concentradas nas mãos de poucas big techs? Harris disse que ainda tem esperança quando acompanhou as ações do Facebook cairem desde que Fraces Haugen denunciou o Facebook de negligência em relação à saúde mental de adolescentes, e viu o documentário “O Dilema das Redes” viralizar.

O executivo também contou que investidores não estão mais interessados em apoiar as grandes plataformas e há estudantes de tecnologias que se negam a trabalhar na Meta. Do ponto de vista dos reguladores, ele disse que whistleblowers estão buscando ajudar o poder público a se situar sobre as questões debatidas.

Quanto aos anunciantes, Tristan admitiu que eles não têm muito para onde correr, já que os consumidores estão nas redes. Ao mesmo tempo que reconhece a importância do movimento Stop Hate For Profit, em que grandes anunciantes boicotaram o Facebook como forma de pressionar a plataforma para intensificar suas medidas em combate ao discurso de ódio, ele acredita que o Facebook não é tão afetado, já que tem muito mais anunciantes do que aquele grupo.

Do seu lado, Center for Humane Technology lançou um curso gratuito para formar tecnologistas centrados em tornar a tecnologia mais humana.

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