O Fortnite mostrou o quanto a Apple é uma empresa chata?

20 de agosto de 2020 - 6h00

*Por George P. Slefo, do AdAge

Quando Lynne Collins leva seus filhos para comer pizza — ela enfatiza que o restaurante tem “mesas ao ar livre” — as últimas palavras que ela espera ouvir de seus três filhos são “processo judicial” e “Big Brother”.

A brincadeira peculiar vem de uma rivalidade entre a Epic Games, criadora do popular videogame Fortnite, e a Apple. A Fortnite ganha dinheiro vendendo produtos virtuais como os tênis Nike Air Jordan e os moletons da Adidas para seus 350 milhões de usuários, mas é obrigada a dar à Apple o valor de 30% sempre que vende itens por meio de sua loja de aplicativos, o que é demais para o gosto da Epic. Na quinta-feira passada, 13, a empresa lançou uma atualização que contornou essas taxas, levando a Apple a retirar rapidamente o Fortnite de sua plataforma.

As coisas cresceram rapidamente a partir daí. A Epic abriu um processo contra a Apple no mesmo dia, alegando comportamento monopolista. E, para um efeito maior, a fabricante do jogo também lançou um vídeo que inverte o roteiro do amplamente celebrado comercial de “1984” da Apple. O anúncio mostra uma popular heroína de Fortnite correndo por um auditório mal iluminado e arremessando uma clava em forma de unicórnio contra uma tela enorme que mostra a Apple como o “Big Brother”.

“Foi a coisa mais louca”, disse Collins, ex-diretora de comunicações da Saatchi & Saatchi que agora dirige sua própria empresa de relações públicas. “Tudo o que [as crianças] falaram foi sobre Fortnite e o processo. Eles estavam tão entusiasmados com o ‘Fortnite livre’ ”.

Muitos sentiram que a referência “1984” seria perdida pelos jogadores mais jovens de Fortnite, mas parece que os adultos subestimaram o poder cultural do jogo. Embora a Apple tenha prosperado em sua imagem jovem e moderna, ela pode agora se encontrar na defensiva contra um constituinte-chave que provavelmente acredita que a fabricante do iPhone é antiga, autoritária e talvez até chata.

“Quando meu filho de nove anos pergunta o que aconteceu em 1984, isso me diz que o filme funcionou”, comentou Chris Erb, CEO da agência Tripleclix, com foco em jogos. “O anúncio foi tanto uma crítica às sensibilidades da Apple quanto está tentando alavancar o sentimento de que a Apple se tornou o ‘establishment”.

Os filhos de Erb — Christian e Ashton, de nove anos — aprenderam sobre a história de fundo do anúncio depois de procurá-lo “imediatamente” no YouTube. “Eles entenderam que a Apple era o vilão”, disse. “E eles estavam com raiva da Apple por bloquear Fortnite”.

Nas redes sociais, a hashtag “FreeFortnite” (Fornite livre, em tradução livre) começou a virar tendência cerca de uma hora depois que a Epic lançou seu comercial. Em um tweet, um garoto chama a Apple de “Big Brother” e bate em seu iPad com um taco de beisebol em resposta à empresa remover o jogo de sua plataforma.

I destroyed an Apple IPad so that I did my part in Fortnite Vs. Apple #freefortnite @FizzyBizzYT pic.twitter.com/kIhEUQk072

— Clicker Doge (@ClickerDoge) August 14, 2020

“A Epic claramente pensou nisso”, afirmou Patrick Hanlon, CEO da consultoria de marca Thinktopia. “Eles estão tentando mostrar o máximo de valor que podem para seus fãs e fanáticos, na esperança de criar uma confusão e libertar Fortnite”.

Mesmo assim, nem todos entenderam o significado do comercial do Fortnite. Karen Gebhart, vice-presidente sênior e diretora de gerenciamento da FCB / RED, comentou que seu Davis, de 12 anos, viu o anúncio da Fortnite duas vezes e não sabia que era o remake de um comercial famoso. “Davis entende que a Apple está banindo o Fortnite, mas não sabe o que ele deve fazer para ajudar a evitar que isso aconteça”, reforçou. “Ele diz que vai jogar Fortnite no Xbox ou Nintendo Switch se o jogo não estiver disponível na Apple”.

“Mas ver o comercial o fez querer jogar Fortnite”, acrescentou ela.

Enquanto isso, a Apple respondeu à Epic dizendo que não mudará suas taxas, acrescentando que está tentando manter sua App Store justa para todos os desenvolvedores. Essa foi “uma resposta muito corporativa”, disse Brandon Rochon, diretor de criação e CEO da Kastner North America.

“Eles absolutamente fizeram a Apple parecer nada legal”, comentou Rochon. “[Epic] saiu como hackers e usou suas próprias coisas contra eles”. Ele acrescentou: “Quando você tem buzz e cultura verdadeira, como o Fortnite, as pessoas se rebelam. O Fortnite sempre terá as pessoas do seu lado porque a Apple se tornou exatamente o que disse que não faria”.

*Tradução: Amanda Schnaider

**Crédito da imagem no topo: Reprodução