Vice faz um ano sob “supervisão de adultos”

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Vice faz um ano sob “supervisão de adultos”

Nancy Duboc, CEO contratada em maio de 2018 para livrar a empresa do estereótipo punk adolescente, revela algumas conquistas e muitos desafios


30 de abril de 2019 - 6h00

Por Jeanine Poggi, do Ad Age*

Nancy Dubuc cometeu seu primeiro erro como a nova CEO da Vice Media, antes mesmo de se mudar para o escritório sede da companhia no Brooklyn, em Nova York. A executiva — responsável por alguns dos principais sucessos da A&E Networks durante suas quase duas décadas na programadora — fez uma aparição na apresentação a parceiros comerciais da Vice duas semanas antes de assumir oficialmente o cargo do então CEO e co-fundador da companhia, Shane Smith, em maio do ano passado.

 

Nancy Duboc, de óculos à direita, e equipe da Vice (crédito: Jill Greenberg / Ad Age)

“Em retrospectiva, eu não deveria ter aparecido naquele new front”, afirma Dubuc. “Eu estava tipo ‘Que merda é essa?’, não tinha nenhuma perspectiva. Sequer conseguia imaginar em que negócios estávamos.”

Nancy levou meses para ficar a par da extensa coleção de unidades de negócios da empresa, que inclui um canal de TV paga, um estúdio, departamento de notícias, agência de publicidade e uma dúzia ou mais de verticais de conteúdo que compõe o braço digital da companhia. Ao mesmo tempo, a executiva começou a tentar a colocar ordem no que ela descreveu como uma organização “complexa”.

“Voltei a admirar os fundamentos básicos”, diz Nancy. “As pessoas que cuidam das políticas de custos de viagem, que compram o toner da impressora… Aquelas coisas que passam batido.”

Isso certamente não é atraente, como Nancy colocou, mas uma reorganização nas bases de uma companhia como a Vice suscita curiosidade. Ainda mais, na era #MeToo, quando a empresa tem tentado se distanciar da imagem que construiu como bad boy que não segue regras.

A nova CEO chegou à companhia seis meses depois do The New York Times publicar um dossiê detalhando alegações de má conduta sexual e um histórico de abusos morais a funcionárias, que conduziram a demissão de vários executivos de alto escalão. Aos 50 anos e mãe de dois filhos, Nancy é simbólica para essa evolução. Ela é estrategicamente descrita como uma figura maternal, a adulta destinada a pastorear os grunges e skatistas da Vice que anteriormente tinham pouca supervisão.

A menos de um ano na empresa, Nancy tem sido aclamada como um sucesso internamente, que pode demonstrar sua destreza como líder ou apenas ressaltar o quão desorganizada e desarticulada era a companhia sob a liderança anterior. Funcionários oferecidos pela equipe de relações públicas da companhia para serem entrevistados anonimamente descreveram uma drástica mudança na cultura e operações da empresa.

Nancy Duboc foi nomeada CEO poucos meses após reportagens revelarem denúncias sobre assédios sexuais por parte de executivos da empresa (crédito: Jill Greenberg/ Ad Age)

Eles retrataram a Vice pré-Dubuc como caótica. Uma dessas funcionárias que falou anonimamente e está na empresa há cinco anos, se referiu a gestão anterior como um velho oeste, adicionando que a empresa parecia ser mantida unida “por fita adesiva”. Segundo ela, existe hoje um senso de tranquilidade implantado pela nova CEO. De maneira geral, o sentimento dos funcionários é de que Nancy trouxe ordem e clareza para o grupo que conta com 2.500 colaboradores em 35 países. Boa parte desses mercados internacionais também têm se reorganizado — no Brasil, Fernanda Lamare, ex-Wieden + Kennedy, assumiu como general manager.

Fluxos de receita
Enquanto a Vice está posicionando Nancy como uma reviravolta virtuosa, ainda existem obstáculos a serem enfrentados, como seu posicionamento financeiro e a saúde de seu agitado canal de TV, o Viceland.

A nova CEO não faz declarações corajosas como Shane Smith fazia. Uma vez, ele falou que a meta da Vice era se tornar “a maior companhia de mídia do mundo”. E enquanto as prioridades de Smith eram “ficar bêbado, usar cocaína e fazer sexo com garotas no banheiro”, como ele afirmou ao Financial Times em 2012, Nancy participa de discussões sobre a diversificação dos fluxos de receita da Vice.

Ao mesmo tempo, parece que a nova CEO também está interessada em se adequar às demandas jovens. Ela vestiu jeans rasgados esportivos, jaqueta de couro e Chuck Taylors inspirados nos anos 1970 durante o ensaio fotográfico na sede da Vice, para esta reportagem. Segundo ela, sua imagem é “um pouco Vice antes de a Vice ser Vice”.

Se descrevendo como uma “construtora”, Nancy Dubuc tem um espírito empreendedor no coração. Ela tentou trazer essa verve quando foi CEO da A&E Networks, investindo em ações como o estúdio digital 45th & Dean e a National Women’s Soccer League (NWSL).

Mas esses empreendimentos não se desenvolveram. A A&E está desligando o 45th & Dean e alugando seu escritório no Brooklyn, de acordo com uma fonte próxima. O porta-voz da A&E não quis comentar o caso. A companhia também transferiu 25% de suas ações da NWSL e terminou o acordo com a Liga um ano antes do planejado depois da audiência do torneio no canal Lifetime ter caído. Mas também houve sucessos, como a construção do A&E Studios, para que a companhia passasse ser dona de seus conteúdos e não mais licenciar os materiais de outros estúdios.

Nancy não fala muito sobre a cultura que precedeu sua chegada à Vice. Mas ela reconhece a pressão que sentiu quando chegou num momento de tanto fluxo. “Foram cerca de seis meses reprimidos, aguardando por respostas”, diz, sobre o que realmente estava acontecendo na Vice,  referente ao tempo entre a divulgação dos casos de má conduta pelo The New York Times e a chegada da nova CEO.

O fato de Nancy ser a primeira líder da Vice depois dos 24 anos de história de Smith na companhia e também ser uma mulher não é uma coincidência. “Todos entendem que ter uma mulher como head da companhia nesse momento passa uma tremenda mensagem”, disse Roberta Kaplan, que chegou para compor o board consultivo de diversidade e inclusão da Vice, que também conta com Gloria Steinem e Tina Tchen, ex-chefe de gabinete de Michelle Obama.

Segundo Roberta, as mudanças têm sido dramáticas e radicais. No mês passado, a Vice aceitou pagar US$ 1,9 milhões para cerca de 675 ex-colaboradoras para resolver uma ação legal coletiva que denunciava a companhia por pagar menos a funcionárias mulheres com funções e experiências similares ao dos funcionários homens. Uma colaboradora afirmou que, no passado, quando ela abordou a gestão sobre um aumento, ela “levou uma palmada na cabeça”. Mas recentemente, com a nova gestão, ela afirmou ter sido ouvida pela liderança. Ela credita que essa mudança se deve por suas chefes serem predominantemente do sexo feminino. “Cinco anos atrás não haviam mulheres em posição de poder, agora elas são mais da metade”, afirmou.

Na adolescência, Nancy frequentou uma escola da religião Quaker só para garotas. Na vida adulta, foi frequentemente a única mulher na sala de reunião em boa parte de sua carreira. Hoje, é uma das únicas CEOs do sexo feminino na grande mídia americana.

Após as alegações contra Harvey Weinstein (com quem Nancy teve uma relação de trabalho próxima, graças ao Project Runway da Weinstein Co. que foi ao ar na Lifetime), Nancy deu inúmeras declarações condenando as ações do executivo de cinema. Ao Hollywood Reporter, em outubro de 2017, ela afirmou que tornou prioridade desenvolver iniciativas para fomentar a inclusão e o respeito. Na Vice, isso significou admitir mulheres para cargos executivos, como Lucinda Treat, chief legal officer, e Katie Drummond, head de conteúdo digital, e promover Susan Tohyama a chief human resources officer.

A grande mudança, afirmam os funcionários, tem sido a visibilidade e transparência de Nancy. Um grande contraste com o estilo ausente da gestão de Shane Smith. A atual CEO diz que Smith, que mudou para um cargo executivo de chairman logo após renunciar à presidência executiva, ainda está muito envolvido no panorama geral de decisões e em novas oportunidades de conteúdo, mas não muito nos assuntos do dia-a-dia.

Mas não confunda a transparência de Nancy com suavidade. Pessoas que trabalharam perto dela, na Vice e na A&E Networks, descreveram seu estilo de liderança como “duro”. “Nancy não é brincadeira”, disse Cameron Farrelly, chief creative officer na agência in-house da Vice, a Virtue.

 

Nancy_Duboc é, hoje, uma das poucas CEOs mulheres entre as grandes empresas de mídia nos EUA (Crédito: Stephanie Keith Stringer/GettyImages)

Fazendo faxina
Dubuc tem tomando ações tangíveis. Nos últimos meses, por exemplo, esforçou-se para limpar a atuação digital, eliminando sites como Wayponit e Tonic, e trazendo coberturas exclusivas de gastronomia, música e assuntos femininos para dentro do site da Vice. “Tínhamos todas as marcas separadas, mas ninguém sabia que elas eram da Vice”, afirma Dubuc. Enquanto algumas marcas editoriais como Munchies, Noisey e Motherboard continuarão dentro da Vice.com, outras terão como destino formatos de negócio diferentes, como podcasts ou newsletters.

Nancy também criou fluxos na organização global e, em novembro, anunciou que a Vice iria focar em cinco áreas: Vice News, Vice Digital, Vice Studios, Virtue e Viceland – o canal pago. Essa reorganização resultou na demissão de 10% da força de trabalho da operação, cerca de 250 pessoas. No Brasil, cerca de dez pessoas foram desligadas.

“Antes íamos a clientes, parceiros e até criativos em diversos formatos, em vez de um único jeito de transmitir nossa mensagem” afirma Nancy. Porém, se há mais transparência dentro da Vice, financeiramente a companhia ainda está numa posição desconfortável. Eles têm buscando, inclusive, uma nova rodada de financiamento para tentar se tornar lucrativa.

No fim do ano passado, a Walt Disney divulgou um acordo de US$ 157 milhões em investimentos na Vice, cerca de 40% a mais do que o original divulgado. A Disney adicionou ainda 11% das ações da Vice com a aquisição da 21st Century Fox, que possui 5% da Vice. A A&E Networks (da qual a Disney também é dona de metade) possui 20% da Vice.

A Vice está no caminho para se tornar lucrativa no último trimestre deste ano ou no seguinte, diz Nancy. Quando perguntada se considera vender a companhia, a executiva afirmou que está comprometida na jornada de sair do vermelho ainda neste ano. Um de seus principais desafios tem sido salvar o canal de TV a cabo, Viceland, que divide propriedade com a própria A&E. Nancy Dubuc ajudou a construir o canal, reformulando a marca H2 como Viceland em 2015, quando ainda estava na outra empresa.

Achar que a audiência da Vice, que tradicionalmente consome conteúdo por meios não tradicionais, estaria na televisão linear sempre foi uma proposição peculiar. A Viceland está em 70 milhões de lares e, em média, teve apenas 88 mil telespectadores no horário nobre em 2018, uma queda em comparação ao ano anterior, período que tinha em média 96 mil. Isso a faz com que o canal seja lanterna dentre os que possuem conteúdo em inglês. Essa queda é significante quando comparada aos índices do H2, antiga marca do canal. Em 2015, a média foi de 342 mil telespectadores no horário nobre.

A Viceland tem lutado para conseguir achar um hit, e a primeira grande mudança de Nancy, o Viceland Live, saiu do ar apenas dois meses depois da inauguração. “Fiquei feliz com a experimentação e iteração”, afirmou a CEO. “Francamente, havíamos descoberto que talvez o digital não estivesse transmitindo conteúdo ao vivo o suficiente, mas talvez tenhamos entendido de forma errada essa questão da live”.

Apesar dos problemas, a executiva afirma que o canal precisa ser visto como um pedaço do todo. “Não é tão simples como ‘está dando audiência ou não?’ ou ‘está distribuindo crescimento ou não?’, pois isso abre diferentes portas para o nosso negócio”, afirma. Entre as oportunidades está a independência parcial da receita de anúncios no Facebook e no YouTube.

E enquanto a Viceland tem uma audiência pequena, para algumas marcas como Cadillac, sua demografia seria difícil de achar em outro lugar. A atual temporada de Hustle é patrocinada pela fabricante. A parceria começou no ano passado, afirma Melissa Grady, head de mídia e performance da Cadillac, como um jeito da “se mostrar de forma diferente”. Grady afirma que o patrocínio funcionou bem, entregando muito engajamento e brand lift.

Aparando as arestas
Esse tipo de patrocínio é mais importante para a Vice, que nos últimos dois anos perdeu parte de seu encanto graças às repercussões negativas, além de também ter sofrido com os revezes do mercado.

A Vice ganhou fama de ser difícil de trabalhar. “A atitude deles era algo como: ‘somos a Vice; não negociamos. Topa ou vai embora’”, afirma um executivo de agência. Dom Delport, que chegou à Vice como chief revenue officer apenas quatro dias antes do new front do ano passado, afirma que a Vice “tinha muita confiança” na sua antiga liderança comercial. “É verdade que provavelmente tínhamos um estilo mais agressivo”, afirma, adicionando que para algumas marcas do grupo eles prometeram demais e entregaram de menos.

Mas parece que a Vice agora “jogará o jogo”, afirma um executivo de agência. “Eles negociam e estão mais colaborativos. Se tornaram mais gentis. Eles amoleceram a mensagem. Agora têm menos marra em sua abordagem”. Delport afirma que a Vice agora tem “um adulto na sala”.

Mas ainda há muitas correções de rota e de educação que precisam ser feitas nas negociações. A Vice tem sofrido em conseguir construir relações de longo prazo com clientes. Nancy afirma que a companhia tem, historicamente, focado mais em ganhar clientes e não tem olhado o suficiente em continuar com eles. Ela também vê brand safety como um dos principais desafios da Vice para este ano. Acredito que temos sido mal interpretados”, afirma a executiva. Ela aponta que a cobertura da Vice sobre assuntos da comunidade LGBTQ e políticas identitárias têm sido um tabu para marcas. Isso resulta na inabilidade de monetizar esse tipo de conteúdo, que forma boa parte do portfólio da empresa. Combater a sensibilidade dos anunciantes será parte da apresentação da Vice ao mercado, que deve ser realizada ainda nesta semana.

 

A sede internacional da Vice fica no Brooklyn, em Nova York (crédito: Jill Greenberg/ Ad Age)

Enquanto a Vice é certamente atrativa para anunciantes que querem atingir o público de 18 a 34 anos, “ela não é de parar o coração”, um outro executivo de agência afirma, apontando uma matéria da Vice detalhando como fazer um bongue (espécie de ferramenta usada para resfriar a fumaça durante o uso de maconha) com o gelo de uma nevasca.

Cameron Farrelly, da Virtue, que recentemente foi promovido ao cargo de chief creative officer, afirma que a house da Vice recentemente perdeu um pedaço do seu negócio porque “assustamos eles; forçamos eles demais para fora da zona de conforto”. Mesmo assim, ele afirma que nem tudo o que a Virtue faz é “controverso ou fodão”: “O trabalho que fazemos não é skate, rap e palavrão. Há uma filosofia e discussão por trás”, afirma.

A Virtue, que Dubuc vê como um dos maiores crescimentos da empresa, tem passado os últimos dois meses se distanciando da empresa-mãe. Se mudou para fora do escritório da sede e tem trabalhado para diversificar sua base de clientes e provar que pode criar mais do que os vídeos curtos tradicionais.

Ano passado, a Virtue conquistou 20 novos clientes nos EUA, incluindo Google Chrome, Bushmills e Marriott Rewards. Também abriu escritórios em Sidnei, Singapura e Seul. Farrelly afirma que a separação da Virtue é essencial para o crescimento do negócio. “Se um cliente vai ao site da Vice e lê sobre lobisomens adolescentes na Romênia que comem galinhas, não queremos que eles pensem que é isso que traremos para sua marca de cuidados pessoais”, afirma.

É um momento interessante para a Vice, com uma mudança de cultura interna, funcionários precisam deixar os vícios da antiga gestão de lado. Inclusive Nancy, que afirma não ter medo de riscos e admite: “Nunca olhei tão longe. Sempre segui minha intuição e tenho feito o que me parece certo no momento”.

O que parece certo é que justamente agora essa empresa de 24 anos finalmente está finalmente saindo da adolescência e chegando à maturidade corporativa com sua nova CEO. Mas mesmo isso ainda está em provação.

 

*Traduzido por Salvador Strano e Taís Farias

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