O “marketing do medo” quer segregar as mulheres

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Opinião

O “marketing do medo” quer segregar as mulheres

Nunca se falou tanto a respeito do crime de assédio sexual e jamais se registrou tantas denúncias como agora


5 de maio de 2016 - 8h21

O assédio e o abuso sexual contra as mulheres, definitivamente, não são uma violência típica e nem exclusiva dos países em desenvolvimento. Assim como a maneira um tanto leviana com que a sociedade – e em especial as autoridades – lida com estas questões que, não há como negar, são gravíssimas. O “quase” descaso é visível tanto lá, no chamado Primeiro Mundo, como cá, no Terceiro. O novo nessa história velha, infelizmente até agora sem proposta de final feliz, é a tentativa de um cidadão americano, Michael Pelletez, de transformar em bom negócio o medo justificado de muitas mulheres. Aliás, vale ressaltar, este tipo de oportunismo já tem inclusive um rótulo: o marketing do medo!

Pelletez, um lobo que se veste com pele de cordeiro e se apresenta com o discurso da superproteção, é um ex-motorista do polêmico Uber, aquele aplicativo de carona compartilhada. Ele copiou o modelo de serviço da empresa onde trabalhava, denominou-o de Chariot for Women, e o segmentou às mulheres. O serviço, que é operado por mulheres, já está em funcionamento nos EUA. Pelletez afirma que criou o Chariot for Women com a intenção de proteger as mulheres contra o assédio e o abuso sexual.

Como era de se esperar, não demorou muito para o Chariot for Women ganhar o centro de uma grande polêmica. De um lado, os que consideram importante esse tipo de proteção; do outro, os que acusam o novo serviço de explorar o “marketing do medo”. O Chariot for Women é uma iniciativa privada e, guardada as devidas proporções, visa oferecer o mesmo tipo de “proteção” dos nossos famigerados “vagões rosa”, a ideia brilhante de alguns parlamentares que tentaram resolver o problema do assédio sexual no transporte de trens em São Paulo (CPTM e Metrô) confinando as mulheres num vagão exclusivo. Dos sentimentos expostos por aqueles contrários a este serviço “exclusivo”, três foram muito semelhantes aos apresentados por aqui: isolar significa responsabilizar a mulher; isolar é “punir”; recusar o isolamento não é permitir o assédio. Pelletez afirma-se pronto para discutir o caso na Justiça, se necessário.

Este caso revela explicitamente a incapacidade das autoridades, tanto americanas como brasileiras, em preservar as mulheres deste tipo de violência que, por esta incompetência, é agora explorada comercialmente. É mais um exemplo de como o vazio deixado pelo Estado pode ser ocupado por qualquer indivíduo ou por qualquer negócio. É interessante observar que nunca se falou tanto a respeito do crime de assédio sexual às mulheres e jamais se registrou tantas denúncias como agora. No entanto, ele segue ocorrendo e de forma constante. Não há dúvidas de que a impunidade é o motor que impulsiona a prática desta violência covarde contra as mulheres. Mas até quando?

As mulheres não precisam de serviços como o Chariot for Women, de um Vagão Rosa ou de qualquer outro tipo particular e exótico de proteção. O que elas querem é ser tratadas como cidadãs e ter os seus direitos respeitados qualquer que seja o lugar e hora que o frequentem.

Embora o Brasil mantenha suas “portas abertas” para todos os tipos de ideias, sobretudo as mercadológicas, espera-se que o bom senso e o respeito à segurança das mulheres, que é obrigação do Estado garantir, impeçam que o “marketing do medo” seja implantado por estas paragens. A segregação das mulheres nunca foi, é ou será a solução para a violência que o assédio e o abuso sexual representam.

Somente um programa educacional de décadas, para conscientizar mudanças de comportamentos, poderá trazer, e de forma natural, a tão esperada igualdade.

 

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