A diferença entre apoiar e apropriar-se de uma causa

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Opinião

A diferença entre apoiar e apropriar-se de uma causa

Em um momento em que as mulheres buscam protagonismo, algumas marcas ainda erram ao tentar se apoderar de movimentos


27 de julho de 2016 - 8h00

Foto: Reprodução

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Se fizéssemos uma retrospectiva dos principais assuntos de 2015 no Brasil e no mundo, com certeza a expressão “empoderamento feminino” estaria no top 5. Estamos na metade de 2016 e o debate segue firme e forte nas redes sociais, nas agências de publicidade e principalmente na comunicação das marcas.

Mas afinal, o que é empoderamento feminino? Essa é a pergunta de um milhão de dólares que, infelizmente, temo não existir uma única resposta ou um único caminho.

De quais mulheres estamos falando? Em qual contexto? Com que recorte? São muitas variáveis que precisam entrar em acordo para que o empoderamento feminino de fato aconteça.

Porém, para que os parágrafos anteriores não tenham sido em vão, podemos juntos definir o que não é empoderamento feminino.Retirar das mulheres o tão suado e mínimo protagonismo que elas conseguiram é um exemplo. E isso acontece mais do que gostaríamos de admitir.

Há algumas semanas a Microsoft lançou um aplicativo que combate o assédio em locais públicos chamado Assédio Zero. Em uma país onde uma mulher é estuprada a cada 11 minutos, esse tipo de iniciativa é urgente. O único problema é que já existem aplicativos que mapeiam assédio em locais públicos, feitos por mulheres que sofrem com essa realidade diariamente.

O Sai Pra Lá é um aplicativo que mapeia assédio em locais públicos e precisou entrar em campanhas de financiamento coletivo para pagar os custos de manutenção. A falta de recursos limita a possibilidade de escalar e disseminar essas ferramentas. Recursos esses que sobram às marcas e empresas.

Outro exemplo da tentativa de uma marca tentar se apropriar de algo que existe muito além dela aconteceu com a Deva Curl, marca norte americana para cabelos crespos e cacheados. A Deva sempre foi uma marca muito próxima do movimento Low Poo e No Poo. Se isso soa grego para você, o Low e No Poo são técnicas de tratamento para o cabelo que priorizam a utilização de agentes mais leves e naturais e que não mascaram a saúde dos mesmos como sulfato, silicone e derivados de petróleo.

Ambas as técnicas foram divulgadas pela cabeleireira Lorraine Massey (ex-sócia dos fundadores da DevaCurl), em seu livro Curly Girl. Neste livro a cabelereira sugere a utilização de pouco shampoo daí o Low Poo ou abolir o uso completo de shampoos, o No Poo.

O Low/No Poo é muito utilizado por mulheres passando por transição capilar, que é a complicada fase de assumir o seu cabelo natural e passar por todo o processo de retirar a química dele. A transição capilar é muito mais forte e significativa para mulheres negras, sendo um importante momento de aceitação e resgate da identidade.

Tá, mas qual o problema mesmo com a Deva Curl?

A questão é que a marca saiu notificando grupos e usuárias do Facebook sobre o uso indevido das expressões Low e No Poo, agora patenteadas pela Deva Curl. O que faltou eles entenderem é que a técnica existe além deles. É possível fazer ambos procedimentos sem os produtos da Deva. A única reação que isso gerou foi raiva e frustração no principal target para a Deva: mulheres que praticam a técnica e que recomendam e advogam pela marca.

Patentear e proibir outras marcas de usar os termos é compreensível. Proibir e ameaçar consumidoras e grupos do Facebook – principais responsáveis pela indicação da marca e dos produtos – é um tiro no pé. E menos 4 estrelinhas na página da Deva Curl Brasil no Facebook.

E como o melhor do Brasil é o brasileiro(a), os nomes dos grupos já foram alterados para Pouco Poo e Sem Poo, NouPo e Loupo e por aí vai.

Ao tentar se apropriar de algo muito maior que ela, a Deva apenas mostrou quão desconexa está do seu papel como marca em um momento tão simbólico para as mulheres.

Felizmente a prática do Pink Wash – a técnica de pintar o produto de rosa e fingir ser pro-mulheres – não cola mais. Não existe nenhum problema em marcas se aproximarem de causas e reforçarem a luta pelo empoderamento feminino.

Porém, que não se esqueçam de que o protagonismo é, e sempre será, das mulheres.

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