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Opinião

Música e publicidade: ainda estamos aprendendo

Licenciar uma obra e usar como trilha de uma campanha, aproveitando-se do impacto da canção e/ou do artista para mobilizar a memória afetiva de um potencial consumidor, hoje é muito pouco


11 de agosto de 2016 - 8h55

Música, numa definição simplista, é uma combinação de melodia, harmonia, ritmo, notas e silêncios de uma maneira agradável aos ouvidos. Definir como manifestação artística e cultural também vale. A percepção musical aciona áreas cerebrais ligadas às emoções e à gratificação. É algo realmente poderoso. E “usar” (entre aspas, mesmo) essas obras como ferramenta de venda ou construção de valor para um anunciante é prática de mercado há muitos anos.

Desde o final dos anos 1990, porém, com o mergulho das gravadoras e seu modelo de negócio rumo ao desconhecido, impactados que foram pelas novas tecnologias e hábitos de consumo, criaram-se dificuldades adicionais para artistas e músicos alcançarem os ouvidos do grande público. Considere que o fomento da longa cadeia das obras gravadas sempre foi cara, difícil e envolvia dezenas de profissionais até chegar às prateleiras. Da autoria até o consumidor final, uma música passava por criação, arranjo, gravação, mixagem, repertório, corte, prensagem, arte de capa, todo o material gráfico, marketing, distribuição, divulgação e por aí vamos… Com a queda dramática das receitas de vendas ligadas à indústria da música (“vendas” e não “consumo”, afinal, nunca se ouviu tanta música quanto agora), gravadoras e artistas se perguntam: como dar visibilidade aos novos talentos e às novas obras de artistas consagrados? Como criar videoclipes, que são peças de marketing, com quase nenhum dinheiro? A resposta pode estar na presença da publicidade forte no jogo, criando o famoso “ganha-ganha”.

O poder de investimento em comunicação de marcas como Coca-Cola ou Ford, por exemplo, é centenas de vezes maior do que todo o dinheiro que uma gravadora pode colocar no marketing de divulgação de uma obra. Por outro lado, replicar com uma campanha publicitária o poder mobilizador de artistas e músicas de sucesso demandaria da marca investimentos astronômicos para que fossem minimamente possíveis. Unindo os dois mundos, o consumidor receberá um produto artístico mais bem cuidado e de melhor qualidade, além de estabelecer relações emocionais vigorosas e duradouras com grandes marcas e produtos que se alinhem aos valores de seus ídolos.

Licenciar uma obra e usar como trilha de uma campanha, aproveitando-se do impacto da canção e/ou do artista para mobilizar a memória afetiva de um potencial consumidor em torno de uma marca ou produto, hoje é muito pouco. A antiga parceria entre anunciantes e música caminha para outro patamar, no qual 2+2 dá muito mais do que 4, e pode dar 22, ou até mais!  Firmar acordos de patrocínio de shows e festivais é ótimo. Licenciar faixas para sincronizar com o novo filme, também é bom para todo mundo. Placement num videoclipe com milhões de views tem muito valor, óbvio. Mas a relação profunda pode levar os ganhos a um patamar sem precedentes. Novidade? Nem tanto.

Em 1999, o popstar Sting fechou um acordo considerado histórico com a marca de automóveis Jaguar. O carro estava em seu clipe como protagonista, o filme comercial da marca tinha o próprio Sting, a marca estava presente em sua turnê mundial, e envolveu um investimento de quase 20 milhões de dólares, sendo que a verba da gravadora para divulgar aquele álbum do artista (Brand New Day) era de pouco mais de um milhão de dólares. Com o acordo e a intensa exposição da música na campanha publicitária veiculada, mais carros foram vendidos e muito mais CDs também. Todo mundo saiu feliz, e o modelo ganhou desdobramentos ao longo do tempo.

 

Outro acordo famoso foi entre o megastar Justin Timberlake e o McDonald’s, cuja música com o nome “I’m lovin’ It” virou a campanha da marca (“amo muito tudo isso”). O acordo envolvia a presença do astro em lojas de sanduíches, participação nas ações sociais da Casa Ronald McDonald e patrocínio da turnê mundial. A música, produzida pelo premiado Pharrell, contou com participação do rapper Snoop Dogg e foi lançada comercialmente, como uma música convencional, tendo chegado às paradas de sucesso em vários países do mundo.

 

No Brasil, em 2015 a cantora Anitta fez um acordo envolvendo product placement com a Mondelez que multiplicou em várias vezes o budget original para produção do videoclipe da música “Deixa Ele Sofrer”. Mas não só. O acordo envolveu a publicação de cenas cortadas, exclusivas e extras na página da marca na Internet, postagens nas redes sociais da artista e do anunciante e até recompensas aos consumidores com os figurinos utilizados na gravação. Isso fez dele um clipe muito mais legal e que, neste momento, já ultrapassou os 100 milhões de views apenas no Youtube. E a marca lá, fazendo parte da história, da mensagem e do roteiro de forma relevante, e não apenas enfeitando a cena.

 

A Red Bull foi ainda mais longe e já virou um grande provedor de conteúdo musical. Tem a gravadora Red Bull Records, estúdios, editora, experts em marketing musical e muito mais. Seu projeto “Red Bull Sound Select”, por exemplo, dá suporte a novos artistas, coloca-os em grandes festivais ao lado dos maiores nomes da música mundial, utiliza suas músicas em comerciais da bebida ou na divulgação de suas equipes de Fórmula 1, vende faixas online e produz conteúdo visual para internet, entre outras ações.

 

Imagine se aprofundarmos estes acordos para filmes com cantores no papel de atores, gravações musicais transmitidas em tempo real pelas plataformas de vídeo, cantores amadores cantando com os próprios astros, marcas recebendo participação sobre tickets vendidos para shows em grandes arenas…

É uma estrada sem fim e, como todas, tem seus desvios e alguns cuidados devem ser tomados. Primeiro, é importante preservar o conteúdo e a obra do artista, afinal, é isso que está sendo comprado. A escolha do parceiro deve ser muito cuidadosa, de parte a parte – trata-se de um casamento, com as coisas boas e ruins que uma relação desse nível pode trazer. Uma postagem infeliz ou uma reação indevida à abordagem de um fã pode mudar a leitura do público sobre um determinado artista e arrastar a marca parceira para um rodamoinho de final imprevisível, da mesma forma que um produto que crie atrito com o consumidor pode exportar o desgaste para o artista alinhado a ele.

Por isso, conhecer com profundidade o histórico pessoal e profissional do potencial parceiro, alinhar os objetivos da marca e a expectativa dos stakeholders, enfim, namorar antes de casar, é fundamental! Para um casamento mal feito, não existe saída indolor, mas minimizando os riscos, todos podem ser felizes para sempre. Muito felizes.

 

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