Opinião
Falsos profetas
Há os que posam como exemplo de vanguarda da comunicação, mas preferem requentar o velho feijão com arroz, caprichando em algum nome novo para gourmetizar uma receita antiga
Há os que posam como exemplo de vanguarda da comunicação, mas preferem requentar o velho feijão com arroz, caprichando em algum nome novo para gourmetizar uma receita antiga
6 de setembro de 2016 - 11h12
Conversando com um amigo, agnóstico de carteirinha, sobre falsos profetas e seus discursos convincentes, ele decidiu compartilhar em alto e bom som sua opinião comigo e com todo o bar: “acho que os maiores ateus são os religiosos que não respeitam o que pregam e distorcem as coisas em benefício próprio… porque esses não acreditam mesmo em nenhum julgamento divino após a morte”.
Entre um chope e outro, ele continuou sua linha de raciocínio muito bem fundamentada, mas minha mente naquele momento já tinha estacionado em uma dura realidade: nossa profissão também está cheia de falsos profetas e discursos convincentes. Não é uma constatação nova, eu sei, mas a comparação direta com algo que tanto abominamos me criou um desconforto, admito.
Não dividi essa questão com ele, mas divido-a aqui e tenho certeza que você, sem precisar puxar muito pela memória, vai encontrar bons exemplos que atestam o meu parecer. Afinal, reflita comigo, temos profetas que bradam aos quatro ventos sobre a importância da tecnologia e das novas mídias, mas no fundo, às vezes nem tão fundo assim, demonstram verdadeiro desprezo por tudo o que envolve o assunto; há os que posam como exemplo de vanguarda da comunicação, mas preferem requentar o velho feijão com arroz, caprichando em algum nome novo para gourmetizar uma receita antiga; existem aqueles que vendem o Kama Sutra, mas só conseguem entregar o preguiçoso papai e mamãe; os que ganham aplausos em palestras empolgantes e convincentes, mas insistem em perpetuar o longo abismo entre o que propagam e o que praticam; os espertos que exaltam a importância de manter a equipe engajada e motivada, mas dentro da empresa só sabem praticar o terror como ferramenta de gestão; os que defendem a importância do planejamento em uma estratégia de comunicação, mas não têm paciência para entender hábitos, sonhos, rotinas, manias, opiniões, receios, anseios, enfim, não têm paciência para entender de gente; guardiões da ética que a agridem e estupram sem dó quando estamos distraídos; gente bem mais criativa e competente em gerar bons releases do que em gerar bons trabalhos, bons negócios, boas experiências; profissionais do tipo pareço-mas-não-sou e recomendo-mas-não-pratico.
Mas, pior do que admitir que essa parcela de profissionais segue feliz mantendo viva a ilha da fantasia, só mesmo perceber que há outras classes que convivem placidamente com isso. Jornalistas ávidos por algo que tenha o potencial de ser a novidade do momento; controllers ansiosos em abraçar qualquer temática que indique, ou ao menos pareça indicar, um sinal de economia na planilha; clientes que chancelam verdadeiros absurdos escorados na grife de suas agências e protegidos pelo aparato do show business em torno de suas decisões.
Quem haverá de contestar coisas tão sagradas, não é mesmo? Porque há um certo consenso na religião e na publicidade: os profetas podem ser falsos, desde que as profecias nos sejam convenientes.
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