Opinião
Guardiões do Limiar
Como os arquétipos de Christopher Vogler, nossos representantes executivos e legislativos insistem em complicar o avanço do País rumo a etapas mais nobres do desenvolvimento como nação e sociedade
Como os arquétipos de Christopher Vogler, nossos representantes executivos e legislativos insistem em complicar o avanço do País rumo a etapas mais nobres do desenvolvimento como nação e sociedade
5 de dezembro de 2016 - 11h06
A divulgação dos resultados da atividade econômica do terceiro trimestre, em 30 de novembro, consolidou a tendência de redução nas expectativas quanto às possibilidades de crescimento do País em 2017. Entre julho e setembro, a economia brasileira seguiu sua trajetória negativa: de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Produto Interno Bruto (PIB) recuou 0,8% em relação ao trimestre anterior. Foi a sétima retração consecutiva, a mais longa sequência no vermelho de toda a série histórica de 20 anos do indicador. Na comparação dos primeiros nove meses do ano com o mesmo período de 2015, a retração foi de 4%. Considerando o acumulado dos últimos 12 meses, a queda chega a 4,4%.
No mercado, o clima já era de ceticismo, como ficara evidente, dias antes das novas estatísticas serem reveladas, em painel realizado durante a conferência anual do Grupo de Planejamento, protagonizado por planners que exercem o cargo de CEOs em suas agências. Por uma hora, David Laloum, Ulisses Zamboni e Walter Susini (executivos-chefes da Y&R, Santa Clara e McGarryBowen, respectivamente) debateram, avaliaram e divergiram em relação a questões emblemáticas e contemporâneas para as agências de publicidade. Mas o trio foi unânime no que diz respeito ao nível baixo de expectativas quanto a uma retomada macroeconômica consistente do País no ano que rapidamente se aproxima.
Não está fácil, mesmo: cada vez que ensaiamos acreditar no começo, enfim, da travessia rumo a águas menos agitadas, somos acertados em cheio por uma nova onda a nos jogar de volta à zona de impacto. É como se nem conseguíssemos nos lançar à nova etapa do desafio, presos para sempre nessa transição.
É como se nem conseguíssemos nos lançar à nova etapa do desafio, presos para sempre nessa transição
Em A Jornada do Escritor (1992), o roteirista da Disney Christopher Vogler ressaltou a figura do Guardião do Limiar, comum em muitas estruturas literárias e dramatúrgicas que evocam mitos, ao identificar as etapas a serem necessariamente cumpridas para que um herói consiga estabelecer, ao longo de sua epopeia, uma conexão genuína e sólida com leitores e espectadores. Na obra, concebida a partir das ideias de Joseph Campbell (norte-americano especialista em mitologia e autor de O Poder do Mito e O herói de Mil Faces), Vogler apresenta os Guardiões do Limiar como personagens ou situações que tornam mais complexas as passagens de um estágio para outro das aventuras — com a função dramática de testar capacidades e limites.
“Em um nível psicológico mais profundo, (os Guardiões do Limiar) representam nossos demônios internos: as neuroses, cicatrizes emocionais, vícios, dependências e limitações autoimpostas que impedem nosso crescimento e avanço. Parece que, toda vez que tentamos fazer uma grande mudança na vida, esses demônios internos erguem-se com força total, não necessariamente para nos parar, mas para testar se estamos realmente determinados a aceitar o desafio da mudança”, descreveu.
Qualquer semelhança com os nossos políticos, cada vez mais, parece não ser mera coincidência. Assim como os arquétipos de Vogler, nossos representantes executivos e legislativos insistem em complicar o avanço do País rumo a etapas mais nobres do desenvolvimento como nação e sociedade. Na semana passada, as manobras para emplacar leis que protejam senadores e deputados de condenações mais pesadas em casos de corrupção — às sombras da tragédia que abateu 71 vidas no acidente com o avião que levava o time da Chapecoense para a disputa da final da Copa Sul-Americana, na Colômbia — mostra que a disposição dessa turma para atrapalhar o jogo não tem fim.
O diacho é que, nesse enredo soturno, fica cada vez mais complicado identificar mocinhos entre tantos vilões.
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