Branding do amor e da dor

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Opinião

Branding do amor e da dor

Num mundo como o que vivemos hoje, onde existe uma exacerbação pela busca da felicidade, é relevante discutir marcas que atuam em momentos pouco felizes


9 de fevereiro de 2017 - 17h57

Foto: Reprodução

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Todo mundo gosta de pensar, construir e se relacionar com marcas que promovem estados de felicidade. É só alegria pensar numa estratégia de marca de sorvete, falar de refrescância, de magia, de viver alguns minutos de pura felicidade. O astral de construir marcas nesses territórios, trazendo mais felicidade e mais “amor” para as pessoas, é de um horizonte cor-de-rosa. São marcas que alimentam desejos e sonhos. Consumidores querem se aproximar delas e muitas vezes pagam bem mais por isso. Afinal, usar ou consumir tais marcas é estar mais perto de onde queremos estar. Elas trazem mais felicidade. Mais amor. Ou seja, estamos naquilo a que me refiro como a gestão do branding do “amor”.

Mas como nem tudo são flores nem amor, tampouco há só momentos de alegria em nossas vidas, convivemos com marcas que estão bem longe desse estado idílico. São aquelas que podem trazer alívio e até certos graus de felicidade e paz, mas nem por isso são desejadas ou aspiracionais. Nenhum consumidor, em sã consciência, acorda pela manhã e pensa: “ah, hoje vou estudar alternativas de marcas de cemitério para me preparar para o inevitável”.

Mesmo quando temos forçosamente que nos relacionar com essas marcas é difícil imaginar, num primeiro olhar pelo menos, que teremos felicidade consumindo essas marcas. O melhor dos hospitais, dos cemitérios ou das fraldas geriátricas, onde está o amor nelas? À primeira vista o que vemos é dor, muitas dores. Dor da perda, dor da doença, dor da velhice, dor da tristeza. Sim, entramos no território do branding da “dor”, como aqui passo a chamar.

Calma, há possibilidades de “amor” nessas marcas da “dor”. Aliás, ouso em dizer que há ainda mais amor nessas marcas do que talvez nas marcas de sorvete, de shampoo ou numa marca de roupas. Vou explicar meu raciocínio falando de actual e ideal self modelo aparentemente simples mas muito eficaz para ilustrar o papel das marcas em nossas vidas. Marcas preenchem um espaço entre quem somos (actual self) e quem queremos ser (ideal self). O ideal self de uma pessoa que se relaciona com fraldas geriátricas, por exemplo, seja o próprio usuário ou seus familiares, aquilo com que elas aspiram, é imaginar uma vida mais digna, com menos imprevistos, com mais segurança e tranquilidade.

Orquestrar “proof points” nunca é tarefa fácil e é bem comum gestores se perderem pelo caminho, deixando alguns pontos sem prova ou apenas imitando estratégias que dão certo no branding do “amor” mas não se adequem ao branding da “dor”

E tais pessoas partem de um actual self onde estão se sentindo impotentes, fragilizadas, culpadas muitas vezes pelo trabalho que dão àqueles que estão à sua volta. O que as marcas neste segmento precisam entregar é essa conexão entre fragilidade (actual self) e tranquilidade (ideal self). O branding de marcas da “dor” exige dos profissionais e gestores de tais marcas uma sensibilidade muito mais apurada. É fácil cair para o piegas ou vender um hospital como se vende detergente em pó, com um casting sorridente de médicos e enfermeiras.

Se David Aaker já tem razão quando prega que marcas precisam de “proof points”, nas marcas da “dor” isso vale mais ainda. Orquestrar “proof points” nunca é tarefa fácil e é bem comum gestores se perderem pelo caminho, deixando alguns pontos sem prova ou apenas imitando estratégias que dão certo no branding do “amor” mas não se adequem ao branding da “dor”. Podem ser mal interpretadas, ou pior, gerar o efeito inverso ao desejado, aumentar ainda mais a dor.

Estamos aqui lidando com momentos não prazerosos da vida das pessoas, a não ser que alguma patologia mental faça alguém achar gostoso estar num hospital, usar fraldas quando adulto ou escolher a melhor sepultura num cemitério. Então, como cativar e mostrar um lado ideal self de uma marca da “dor”? Entregando aquilo que preencherá o espaço de idealização da melhor forma possível para aquela marca.  Se, como falei no início, as marcas do “amor” vendem felicidade, o que vendem as marcas da “dor”? Eu diria que elas vendem paz de espírito, tranquilidade e conforto. Ouso dizer que esse é o ideal self para aqueles que estão na dor.

Num mundo como o que vivemos hoje, onde existe uma exacerbação pela busca da felicidade, achei relevante discutir marcas que atuam em momentos pouco felizes. Talvez o trabalho de branding seja ainda mais necessário nesses momentos, uma forma de tornar a dor menos doída, trazendo um pouco mais de amor para a dor. E sinceramente, sinto-me confortada em pensar que atuando o branding da “dor” pode estar trazendo um pouquinho mais de amor para essas pessoas nesse momento nada fácil de suas vidas.

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