Uber: lições de como conduzir crises

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Opinião

Uber: lições de como conduzir crises

Jeff Jones, presidente da empresa, renuncia sete meses após assumir o posto e expõe as diversas controvérsias que vêm comprometendo a imagem da companhia


23 de março de 2017 - 15h57

“Alguns não gostam de assumir a responsabilidade pelas próprias m… e colocam nos outros a culpa de tudo o que acontece em suas vidas. Boa sorte!” Estas foram as palavras escolhidas pelo cofundador e CEO da Uber, Travis Kalanick, para encerrar no início de fevereiro o desabafo de um motorista que reclamou das mudanças constantes nas regras de remuneração do aplicativo. O caso certamente passaria despercebido não fosse o fato de Fawzi Kamel, o condutor, ter gravado a cena, que foi divulgada no começo de março pela Bloomberg.

O fato veio à tona num momento em que a startup mais valiosa do mundo atravessa uma sucessão de crises. O episódio mais recente foi a renúncia, neste final de semana, do agora ex-presidente, Jeff Jones, que anunciou a saída da empresa menos de sete meses após assumir o posto. A deserção de Jones está diretamente relacionada às diversas controvérsias que vêm comprometendo a imagem da Uber Technologies.

Segundo matéria da revista Época, a startup “abriu 2017 como alvo de uma acusação de espionagem industrial, outra de complacência com assédio sexual, uma denúncia de uso indevido de tecnologia para burlar a lei, além de um boicote popular e virtual” – motivado após, supostamente, ter se aproveitado da greve dos taxistas de Nova York contra Donald Trump.

Na carta de renúncia, Jeff Jones desabafou: “eu me juntei à Uber por causa de sua missão, e o desafio de construir capacidades globais que ajudariam a empresa a amadurecer e prosperar no longo prazo. Agora está claro, contudo, que as crenças e a abordagem de liderança que guiaram minha carreira são inconsistentes com o que vi e vivenciei na Uber, e eu não posso mais continuar como presidente do negócio”.

Os episódios são golpes certeiros no reluzente conceito de empresa ousada, inovadora e disruptiva, que iria revolucionar para sempre a mobilidade urbana (argumento, aliás, muito bem construído e propagado). A Uber precisa mesmo fazer uma revolução, mas agora na própria imagem; sob risco de desmoronamento do mais importante ativo da marca: a própria reputação.

As crises sucessivas estão minando não apenas a credibilidade da empresa, mas colocando em cheque a sustentabilidade do negócio, já que abalos na reputação afetam diretamente o balanço financeiro. O case “United breaks guitars”, no qual um despretensioso viral no Youtube causou um prejuízo de U$ 180 bilhões à gigante United Airlines, ilustra bem a questão.

Crises de imagem não são necessariamente novidades no âmbito das empresas. O próprio conceito de Relações Públicas nasceu em meio a uma situação turbulenta, quando o poderoso William Henry Vanderbilt proferiu em 1882 o antológico, mas infeliz: “the public be damed!” (“o público que se dane!”), em resposta malcriada a jornalistas que o pressionavam por causa da péssima qualidade das suas ferrovias.

Os episódios são golpes certeiros no reluzente conceito de empresa ousada, inovadora e disruptiva, que iria revolucionar para sempre a mobilidade urbana. A Uber precisa mesmo fazer uma revolução, mas agora na própria imagem; sob risco de desmoronamento do mais importante ativo da marca: a própria reputação

As crises, na esmagadora maioria dos casos, podem ser previstas. Quando não, ainda assim podem ser conduzidas de forma competente. Identificar com antecedência os temas mais sensíveis é o começo. A posterior criação de planejamentos estratégicos de relações públicas, políticas de gestão de crises e planos de contingência são as etapas seguintes. Esses são instrumentos fundamentais para serem elaborados em períodos de calmaria, já que, em tempos de guerra, a adrenalina gerada pelo desconhecido, muitas vezes, leva a empresa a tomar decisões equivocadas – que certamente vai se arrepender no futuro. Equilíbrio e pragmatismo fazem toda a diferença nessas horas.

Quando os percalços surgem é fundamental criar um comitê de crise, coordenar o fluxo de informações e, principalmente, se posicionar o quanto antes diante dos fatos, monitorando 24 horas a repercussão. “Para uma marca, o silêncio nunca é uma boa opção. Não evita que o assunto ganhe proporção porque as pessoas têm outras formas de descobrir a respeito. Mas, é preciso, claro, ter cautela em relação ao que é dito e comunicar apenas aquilo que cabe ser falado no momento”, pondera o professor e consultor de branding Marcos Bedendo.

Sendo rápida em reconhecer o problema, transparente ao lidar com ele e ágil na sua solução, a marca não apenas pode ser reconduzida ao patamar original de credibilidade, como, inclusive, também elevar o próprio conceito. Tudo vai depender da estratégia adotada; e, claro, da capacidade de assumir as próprias responsabilidades, como o mesmo Travis Kalanick, CEO da Uber, parece estar aprendendo: “Meu trabalho como líder é liderar e isso começa com um comportamento que deixe a todos orgulhosos. Não foi o que fiz. As críticas que recebemos são um lembrete de que eu preciso mudar como líder e crescer. Esta é a primeira vez que admito que preciso de ajuda para liderar e pretendo obtê-la”, reconheceu Kalanick, afirmando estar envergonhado pela atitude, em carta dirigida aos funcionários da empresa. Desejamos “boa sorte” a ele!

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