Venda da venda

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Opinião

Venda da venda

Mesmo com o avanço da tecnologia e o seu impacto no varejo, o mundo ainda é propício ao bom pregoeiro que saiba defender seu produto


5 de julho de 2017 - 8h00

Meu pai sempre foi um homem de fala assertiva: “A área de vendas é a melhor que existe”. Sentenciou certa vez, após folhear o classificado de empregos e concluir, cheio de orgulho, que sua profissão era a mais requisitada entre todas as outras do caderno: “Guarde isso, André, bom vendedor jamais fica desempregado”!

Àquela altura, ele já era um vendedor experiente. Só no Pão de Açúcar tinha trabalhado durante 17 anos. Começou como vendedor, passou por funções de chefia e chegou a gerente de departamento. Lembro até hoje a elegância do seu terno e do cheiro suave de colônia que ele deixava pela casa de manhã. No fim de alguns anos, meu pai assumiria a gerência geral e viriam, então, os grandes jantares promovidos pelo Grupo, para os quais meu pai levava, orgulhosamente, sua belíssima esposa, minha mãe. Um desses jantares foi promovido pelo Sr. Diniz, pai de Abílio Diniz. Assim se fazia a trajetória de um entusiasta das vendas, uma trajetória vitoriosa cujo alicerce fundamental foi, não por acaso, a área de vendas.

Foto: Reprodução

“Vendas é a base de tudo!”, meu pai dizia e seus olhos brilhavam.

Eu, embora tivesse herdado a gana de meu pai para o trabalho – e tenha, também como ele, iniciado cedo minha trajetória profissional –, não era para as vendas que meus olhos brilhavam, mas para a publicidade. E foi sonhando trabalhar um dia em uma grande agência que cursei Publicidade e Propaganda.

No último ano de faculdade, descobri uma oportunidade na Abril. Entreguei-me de corpo e alma e consegui passar pelo rigoroso processo seletivo da empresa – sem dúvida alguma, uma importante conquista para mim, ainda um jovem em formação. Mas foi enorme o meu espanto quando me explicaram qual seria o meu trabalho propriamente dito. Vendas. Vender publicidade!

Queria ser publicitário, não vendedor. Concluía decepcionado, imaginando a possibilidade deprimente de meu pai convocar uma festa ou um churrasco para anunciar aos amigos: “Pessoal, esse aqui é meu filho mais velho. Ele é vendedor”.

Mas, conforme já disse, meu pai era assertivo.

Assim que dei a notícia sobre o novo emprego, ele, após me parabenizar pela conquista, fez um discurso memorável. Vendo expressa em meu rosto a decepção por trabalhar com vendas de anúncios, ele fez uma das defesas mais eloquentes do ramo das vendas que eu já escutei. É digna de nota.

Hoje, alguns anos depois, a tecnologia se expandiu por todos os meios e reconfigurou completamente o mercado publicitário, trazendo novas dinâmicas e novas linguagens, abrindo também novas demandas e novos caminhos

“André, escuta uma coisa, o que as pessoas fazem depois que elas trabalham e recebem seu salário?”, ele assumiu um tom de voz muito singular, maroto e levemente provocador, o tom que ele adotava para conversar sobre futebol. “Pense bem antes de responder: o que as pessoas fazem com esse dinheiro? Mesmo que elas guardem parte dele no banco, a outra parte elas usarão para comprar, André! Elas sempre comprarão! E precisa ter alguém para vender. As empresas precisam de pessoas assim, pessoas que mostrem a elas o caminho certo para atingir o seu público: seja bem-vindo ao mundo das vendas!”.

Dava-me uma aula sobre persuasão, fazia como os grandes mestres: ensinava aplicando seu método, “vendia” o ramo das vendas, como um professor de artes que, para ensinar desenho, desenha. E foi aquele discurso, sedutor e apaixonado, como pregão de bom vendedor, que me “vendeu a venda”.

Hoje, alguns anos depois, a tecnologia se expandiu por todos os meios e reconfigurou completamente o mercado publicitário, trazendo novas dinâmicas e novas linguagens, abrindo também novas demandas e novos caminhos. É um mercado muito diferente daquele do trainee da Abril nos finais dos anos 90. Trabalho hoje numa startup especializada em mídia programática.

É um outro mundo, tecnologicamente falando, sem dúvida, mas notoriamente um mundo propício ao bom pregoeiro, àquele que continua defendendo seu produto e fazendo o que mais sabe: vendendo sua venda. Afinal de contas, de um lado estão os produtos e os serviços e do outro tem sempre alguém que recebe seu salário todos os meses!

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