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Opinião

Sem meios termos

A reação de Donald Trump ao atentado racista nos EUA obrigou as empresas a se posicionarem publicamente — mas também é preciso atuar da porta para dentro


21 de agosto de 2017 - 13h50

Naquela tarde ensolarada de domingo, 18 de junho, o desconforto dentro de um dos auditórios principais do Palais des Festivals era tão intenso que poderia ser tocado. O constrangimento frente ao debate sobre racismo na indústria da publicidade era nítido na plateia, mas não acanhou quem estava no palco.

“Essa conversa, sobre este assunto, aqui em Cannes, é muito desconfortável. E é exatamente assim que precisa ser. Precisamos incomodar as pessoas e provocar desconforto que as levem a agir e a pensar no quanto a sociedade precisa mudar”, afirmou Keith Cartwright, diretor executivo de criação da agência independente BSSP.

Trecho do filme “The Talk”, da P&G. Foto: Reprodução

Cartwright é um dos fundadores do Saturday Morning, uma plataforma para desenvolver projetos e ideias que conscientizem a sociedade das condições desiguais enfrentadas pela população negra nas mais diversas esferas, e coloquem a indústria publicitária em defesa da diversidade.

Aberto a profissionais de todas as etnias e de qual- quer parte do mundo, começou a ser concebido um ano atrás, por profissionais de criação norte-americanos, como reação à escalada das mortes de pessoas negras por policiais nos Estados Unidos.

O nome carrega uma referência à afirmação histórica de Martin Luther King de que o ápice da segregação racial nos EUA acontece às onze horas dos domingos (uma crítica à divisão explícita entre brancos e negros ao reunirem-se para cultos religiosos em suas respectivas igrejas). Publicada em suas redes sociais, a missão do movimento relata que as manhãs de sábado foram escolhidas como um momento simbólico de conscientização e esperança em um futuro mais justo quanto à igualdade étnica em termos de respeito, direitos e oportunidades.

Foi na tarde de um sábado, 12 de agosto, que a tensão entre duas diferentes manifestações explodiu em violência em  Charlottesville, cidade do sudeste americano com menos de 50 mil habitantes. O confronto culminou com a morte de uma pessoa atingida por um carro cujo motorista acelerou em direção à multidão que protestava contra a passeata promovida por “supremacistas brancos” — uma espécie de eufemismo volta e meia usado pela imprensa e autoridades para definir racistas e nazistas ultrarradicais. Estes, por sua vez, marchavam unidos pela premissa de se oporem aos planos para a retirada de uma estátua em homenagem a Robert E. Lee, general do Exército Confederado (contrário ao fim da escravidão), durante a Guerra Civil Americana.

A reação de Donald Trump ao nivelar as responsabilidades pela tragédia revelou o que há de pior no líder da maior economia do mundo. As capas desta semana de duas influentes publicações, a The Economist e a Time, associam Donald Trump e quem apoiou seu pronunciamento à Klu-Klux-Klan e ao nazismo. Apesar dos efeitos desastrosos de sua retórica manipuladora, baseada na arte eloquente da falsa equivalência, Trump preferiu dobrar a aposta, ao insinuar que a cultura americana estava em risco e as próximas estátuas a serem derrubadas poderiam ser as de George Washington e Thomas Jefferson, primeiro e terceiro presidentes da história do país, respectivamente.

Em um efeito dominó, CEOs de grandes companhias que formavam o conselho de empresários ligados à administração Trump foram, um a um, deixando seus postos, como Kenneth Frazier, CEO da Merck & Co, Kevin Plank, fundador da Under Armour, e Brian Krzanich, CEO da Intel. Em junho, Elon Musk, da Tesla, e Robert Iger, da Disney, haviam tomado a mesma atitude. O esvaziamento levou ao fim das atividades do conselho.

A postura pública de seus principais porta-vozes é uma das maneiras contundentes que as empresas têm para se posicionar junto à sociedade. Outra é a comunicação de suas marcas: no final de julho, a Procter & Gamble lançou um filme institucional intitulado “The Talk”, abordando a questão do racismo e ligado à plataforma My Black Is Beautiful, que nasceu como um grupo dentro da própria em- presa em 2006; já o Hyatt colocou no ar um vídeo para celebrar os 50 anos de um encontro histórico em defesa dos direitos civis, que tinha entre seus líderes Martin Luther King, realizado no hotel da rede em Atlanta, em agosto de 1967.

Tais ações, sem dúvida, transmitem mensagens relevantes, mas as mudanças mais importantes para as corporações devem ser fomentadas também da porta para dentro.

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