Revolução cultural

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Opinião

Revolução cultural

Segundo pesquisa realizada pela McKinsey, CEOs consideram cultura organizacional principal obstáculo para a digitalização de empresas


30 de agosto de 2017 - 11h45

O grande desafio para organizações interessadas em explorar novas possibilidades econômicas (aumento de receita ou redução de custos) utilizando as redes digitais não está nos dados, no investimento ou sequer na tecnologia. A cultura organizacional aparece como o principal obstáculo para a digitalização, conforme pesquisa realizada pela McKinsey com 2.135 executivos de empresas globais. É um resultado semelhante ao verificado com base em uma rápida enquete (sem valor estatístico) com 28 CEOs de empresas brasileiras de diversos setores em um workshop feito recentemente na FGV.

Não é um problema novo. Há mais de 50 anos estudos sobre transformação nos ambientes de negócio mostram que a combinação entre o hábito e aversão ao risco são traços comportamentais capazes de se sobrepor aos mais variados tipos de evidências (sobre este tema específico, recomendo a leitura do artigo “O problema com os fatos”, de Tim Harford, do Financial Times http://bit.ly/2mXBVwp).

“A cultura come a estratégia no café da manhã”, frase atribuída a Peter Drucker, resume bem a questão do ponto de vista organizacional. Estratégias são (ou deveriam ser) construídas com base em análises objetivas e decisões racionais. Mas sua implantação depende de mudanças coletivas na maneira como as pessoas realizam suas tarefas e de sua percepção sobre os possíveis benefícios envolvidos.

A transformação digital implica basicamente na busca por efeitos de rede ao longo dos diversos processos de produção, distribuição, vendas e relacionamento. A questão é que o barateamento e a consequente popularização das tecnologias digitais colocaram os clientes no controle da reputação das organizações (e no fim do dia este é o principal capital de uma empresa) ao mesmo tempo que geraram um efeito “o vencedor leva tudo” em diversos mercados.

Combinada com o que parece ser uma nova dinâmica macroeconômica global (juros, crescimento e inflação baixa) isso facilitou o acesso aos capitais que permitem criar novas organizações de forma mais fácil do que mudar estruturas já consolidadas nos princípios da economia de escala e controle organizacional da reputação. Por isso que muitas empresas optam por “comprar a inovação” (através de aquisições) do que desenvolverem internamente esta capacidade — o melhor exemplo é o que acontece no setor financeiro.

Mas se sua empresa não dispõe de capital suficiente para este tipo de transformação “de fora para dentro”, como proceder? Uma análise interessante foi feita aqui mesmo no Meio & Mensagem, com base em empresas de tecnologia (“Espaços a conquistar”, na edição 1.771). Nesse caso, o acirramento da competição levou a um maior foco nas necessidades do cliente e na busca de soluções para atendê-las, mesmo que isso tenha que incluir eventuais colaborações com concorrentes. A matéria destaca a primeira etapa da transformação cultural: os processos organizacionais precisam ser redesenhados em função do cliente, e não somente em termos das necessidades dos acionistas e redução de riscos. O quão distante você está disto? Basta observar o esforço que seus funcionários dedicam para atender a burocracia dos processos internos (mesa de compras, jurídico, etc) ao invés de atividades que podem aumentar a satisfação do cliente — em uma empresa do setor de Telecom, estes processos podiam consumir 80% do tempo, de acordo com o depoimento de uma ex-diretora da área de marketing.

Outro ponto importante é identificar possíveis pontos das estruturas de produção, distribuição, comercialização e relacionamento com o cliente nos quais é possível atingir efeitos de rede de forma mais rápida e menos arriscada e criar um plano para digitalizar o processo. Este tipo de iniciativa permite quebrar a segunda barreira cultural: os feudos departamentais baseados no controle da informação. Marketing, Tecnologia, Comercial, RH, Operações, serão obrigados a dividir informações uns com
os  outros para definir esse plano, seus prazos, recursos e metas (um bom exemplo é o projeto de como o NYT pretende dobrar sua receita com assinaturas digitais até 2020, dependendo cada vez menos da publicidade, sua principal fonte de faturamento por mais de um século http://nyti.ms/2jtuQ5M)

Mas, como avaliar o sucesso da iniciativa e estabelecer prazos e metodologias para estender o processo para outros setores da empresa? Aqui quebramos a terceira barreira: transparência de dados, linguagem comum para avaliação de resultados e redução da aversão ao risco. Ao terem que estabelecer métricas comuns de sucesso, os departamentos precisam abandonar seu fetiche por indicadores operacionais táticos e estabelecer uma cadeia compartilhada de causa-efeito que acaba se alinhando com os interesses de acionistas e consumidores. Isso implica em “abrir a caixa preta dos números” (cada diretoria tem a sua…) e ajuda a transformar o blá-blá-blá de “dados são o novo petróleo” e “crescimento exponencial” em um diagnóstico preciso sobre as métricas de negócio (aumento de receita, redução de custo, satisfação do cliente e fluxo de caixa).

As duas primeiras ondas da digitalização abarcaram a informação e os relacionamentos sociais. A próxima será a da integração entre o digital e o mundo físico (repare nas buzzwords): Internet “das coisas”, “realidade” virtual, “inteligência” artificial. Sua empresa pode ter “boiado” até aqui com um site bacaninha, um app descolado e milhares de likes no Facebook, mas agora ela precisa aprender a surfar. Como disse meu amigo Pyr Marcondes, “é a cultura, estúpido”.

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