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A receita dos principais conglomerados de publicidade cresce abaixo do investimento total e, mais importante, o faturamento por funcionário permanece praticamente estagnado ou mesmo decrescente, indicando que qualquer aumento de produtividade, se houve, veio do corte de custos


26 de setembro de 2017 - 15h28

Nos últimos meses, alguns dos maiores anunciantes do mundo começaram a alertar agências e veículos sobre mudanças importantes na alocação dos seus investimentos. Além da P&G, com uma redução de U$ 2 bilhões no seu orçamento de marketing para os próximos cinco anos (http://bit.ly/2p56zVK), a Unilever também anunciou um agressivo programa de redução de custos, da ordem de U$ 7 bilhões, sendo que um terço disso deve vir das verbas de marketing, mas não necessariamente do investimento em mídia — produtoras, agências e outras empresas na “linha de produção” da comunicação devem ser a mais afetadas (http://bit. ly/2tRFDeL).

As verbas de comunicação estão sob pressão por conta de uma combinação de fatores:

a) Mudanças nos mercados de consumo, desde o envelhecimento da população até o crescimento das economias do Pacífico em contraposição ao Atlântico Norte, passando por novos hábitos de mídia e o respeito ao meio ambiente, demandando investimentos no desenvolvimento de novos produtos, processos produtivos, normas e compliance;

b) maior familiaridade com o meio digital, que faz com que os anunciantes passem a cobrar maior rigor na alocação dos investimentos (preocupações com brand safety), combate às fraudes (bots) e demonstrações claras de retorno do ponto de vista financeiro (programática, etc);

c) integração dos mercados financeiros, pressionando os executivos por maiores margens de lucro, redução de investimentos e reforço de barreiras de entrada (orçamento base zero, take-overs hostis, tudo aquilo que faz Warren Buffet, Jorge Paulo Lemann e outros serem amados e temidos ao mesmo tempo — vale a leitura de How Warren Buffett Broke American Capitalism no Financial Times (http:// on.ft.com/2vR18Ld).

Ao mesmo tempo, os avanços no processamento, armazenamento e distribuição de dados e informações permitiram novos formatos para a construção de marcas e relacionamentos com os consumidores por meio de empresas de tecnologia e não necessariamente de comunicação. Segundo a Zenith Optimedia, os meios digitais ficavam com 15,6% do investimento global total em publicidade em 2010 e agora respondem por 36,4%. Mas esse crescimento foi capturado principalmente por Google e Facebook, que devem ficar com mais de 60% dos US$ 203 bilhões investidos em publicidade digital no mundo em 2017 (o Baidu fica com outros 6%, em função do seu domínio no mercado chinês).

A tecnologia também teve um papel importante em enfatizar táticas e processos voltados para os resultados de curto prazo: cerca de 60% da verba digital hoje é gasta em ações de resultado imediato (programática, etc), percentual que deve aumentar ainda mais com a migração das verbas de TV para este formato. Todos esses fatores tornaram o meio ambiente de negócios mais turbulento, o que se refletiu na instabilidade das estratégias (e empregos: segundo a Korn Ferry, nos Estados Unidos os diretores e vice- presidentes de marketing passam quatro anos no cargo, contra oito dos CEOs — acredito que por aqui os períodos são mais curtos, mas a proporção é a mesma).

Esse cenário explica a entrada das consultorias no setor: seu conhecimento financeiro de processos (controle, custos, tecnologia), casado com a dificuldade dos gestores de marketing e comunicação em elaborar estratégias de médio prazo que satisfaçam os acionistas (do longo, já desistimos).

O resultado pode ser visto na tabela desta página: a receita dos principais conglomerados de publicidade cresce abaixo do investimento total e, mais importante, o faturamento por funcionário permanece praticamente estagnado ou mesmo decrescente, indicando que qualquer aumento de produtividade, se houve, veio do corte de custos (excluí a Dentsu Aegis por conta da complexidade contábil da fusão entre os dois grupos).

Apenas para efeitos de comparação, a receita por funcionário do Facebook em 2016 foi de US$ 1,06 milhões e a do Google em 2015 foi de US$ 1,09 milhões (último ano em que a empresa reportou dados separados da holding Alphabet, levando em conta somente a receita com publicidade).

Embora as consultorias não reportem os dados de suas unidades de publicidade separadamente, uma análise dos balanços da PWC e Accenture mostra que as receitas com os serviços de Comunicação, Mídia e Tecnologia (onde estão alocados seus “braços” digitais) estão crescendo entre 7% e 9% desde 2014, números acima das principais holdings de publicidade e do mercado em geral.

Como fazer então para que as agências não passem pelo mesmo destino dos jornais americanos, que viram suas receitas com publicidade caírem ao mesmo nível de 40 anos atrás (http://pewrsr.ch/2qFfi3q)?

A resposta (que não sei e duvido que alguém tenha) será construída com base na combinação entre cooperação com novos integrantes do ecossistema (empresas de tecnologia capazes de desenvolver soluções compatíveis com os mercados de plataforma), aumento da produtividade por funcionário (via capacitação técnica, fusões e aquisições) e investimento nas competências que as consultorias vão demorar para dominar: criatividade e visão integrada das necessidades de comunicação dos clientes com seus consumidores. Sem trabalhar de forma simultânea estes três pilares é grande o risco de vermos nas agências nos próximos anos o mesmo estrago provocado na indústria fonográfica e nas redações dos jornais na última década.

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