Confiança é a nova energia solar

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Opinião

Confiança é a nova energia solar

O verdadeiro diferencial de uma marca será a confiança que o consumidor deposita em sua empresa para entregar informações pessoais


24 de outubro de 2017 - 14h12

Cada vez mais as organizações estão baseando suas decisões em dados, fruto da combinação entre a adoção crescente das tecnologias digitais por parte dos consumidores e o custo decrescente do armazenamento e processamento das informações. Mas qual a probabilidade de uma parcela expressiva do dinheiro que sua empresa está investindo na coleta e análise de dados para publicidade e relacionamento com o consumidor virar pó nos próximos anos?

Se você não está prestando atenção na construção da confiança da sua marca, eu diria que esta probabilidade é bem alta. Diversas pesquisas indicam uma desconfiança crescente dos consumidores em relação à publicidade e às empresas, e um crescimento da preocupação com o uso e privacidade de dados individuais. Essa é uma tendência que deve aumentar com o uso disseminado de algoritmos e sistemas de inteligência artificial (“bots” de atendimento, por exemplo). Além do Trust Barometer, da Edelman, que apontou um dos maiores declínios na confiança dos consumidores nas empresas nos últimos dez anos (www.edelman.com/ trust2017), outros estudos apresentam dados preocupantes para a publicidade digital, como o fato de que 28% dos cidadãos americanos afirmam usar a internet de forma a evitar serem observados por anunciantes, percentual inferior somente aos 33% que evitam hackers ou criminosos e muito acima dos 19% que se preocupam com “pessoas do seu passado” (http://pewrsr.ch/2j6Yf6D).

Especificamente no caso brasileiro, a GfK fez uma pesquisa em 17 países sobre a disposição dos internautas em entregar dados pessoais em troca de diversos tipos de benefícios ou recompensas. Ficamos atrás somente da Alemanha e França em termos de rejeição deste tipo de prática (34% contra 40% e 37%, respectivamente). O mais curioso é que os maiores índices de rejeição estão entre os mais velhos (o que seria de se esperar), mas também entre os mais novos. Enquanto a rejeição é de 41% entre as pessoas acima de 50 anos, ela atinge 39% entre os jovens de 15 a 19 anos (http://bit.ly/2zyZGPC).

A explosão no uso de mecanismos de anonimato na internet (dos quais os ad-blockers são uma variante) explica em parte também o maior rigor com que alguns órgãos reguladores estão examinando o tema. No momento, vemos uma “colisão” entre duas concepções de privacidade e uso comercial de dados pessoais, a norte-americana e a europeia. Independentemente de qual visão vier a ser hegemônica, existe um risco razoável de que uma parcela significativa dos seus consumidores de maior renda/escolaridade na próxima década não queira compartilhar dados com sua empresa, e que tenham apoio legal para fazer isso (meu palpite é que depois dos problemas com fake news e vazamentos de dados cada vez mais frequentes a concepção europeia deve ser adotada em mais países, inclusive no Brasil).

Se este é o cenário atual, o que pode acontecer na medida em que seus negócios vão depender cada vez mais da interação entre pessoas, sistemas e máquinas (por exemplo, as recomendações dos assistentes pessoais do tipo Siri ou Alexa)?

A construção da confiança é algo já bem estudado pela sociologia. Os vários modelos sempre destacam uma relação que se inicia por um contato entre as partes mediado por algum tipo de instituição social (o mercado ou a amizade), religiosa, estatal ou midiática. E que demanda certo investimento de tempo para avaliar a capacidade de outra parte em agir em meu nome, sua competência em fazer isso de uma forma continuada e atuar em diferentes contextos. Fazemos isto instintivamente em relação a pessoas (nem sempre acertamos, é claro…), marcas e relações profissionais. Entretanto, para o meio online, este é um processo recente, que exige rapidez e está em constante mutação. Ainda não está claro em que medida algoritmos ou sistemas de inteligência artificial (como os bots de atendimento, por exemplo) vão influenciar estes mecanismos seculares.

O que sabemos é que no momento vivemos um déficit de confiança no mundo digital que pode se tornar tão sério quanto o déficit de atenção que vitimou os veículos da mídia clássica, objeto de discussão em um painel no MaxiMídia, no início do mês (http://bit.ly/2yyxa2K).

Isso explica em parte o “boom” dos chamados influenciadores digitais. Na verdade, ainda não existe uma demonstração clara de causa-efeito entre o consumo de conteúdo divulgado por estes influenciadores e a confiança nas marcas. Estamos avaliando este novo “personagem” da comunicação com os instrumentos do sistema de mídia tradicional (audiência). É bem verdade que os milhares de “laços fracos” que eles criam podem sim ter efeito sobre as decisões das pessoas, algo que a sociologia já destacava no início dos anos 1970 (http://stanford. io/1qZLMfI), mas eu particularmente desconfio que em alguns casos os “influenciadores” se beneficiam mais das marcas do que as marcas deles. Ser “escolhido” para divulgar uma marca sinaliza que você tem um “valor monetário”, algo que pode funcionar como um sinalizador da credibilidade dentro das relações sociais e porta de entrada para novos contratos.

Sabe aquele papinho de “dados são o novo petróleo”? Além de ignorar que a capacidade de refino (ou seja, contextualização) é o que realmente gera valor, essa conversa também esquece que em uma economia na qual todos os players possuem mais ou menos o mesmo nível de acesso aos dados, o verdadeiro diferencial será a confiança que o consumidor deposita em sua empresa para entregar informações pessoais. Claro que se ela ainda não desenvolveu esta capacidade de refino, esse tem de ser o seu foco para estar no jogo na próxima década. Mas, se você quer ir além da sobrevivência, é melhor pensar também em como vai construir a confiança por meio de relacionamentos baseados na tecnologia.

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