O ano do medo na América Latina

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Opinião

O ano do medo na América Latina

Num contexto de falta de líderes fortes, as marcas têm a grande oportunidade de plantar esperança, tranquilidade e segurança


27 de fevereiro de 2018 - 16h37

Créditos: JavierHuras-iStock

É possível afirmar que 2018 é o ano do medo. Alguns preveem atentados terroristas em reação às políticas norte-americanas no Oriente Médio. Outros falam de uma guerra com a Coreia do Norte. E ainda, do ataque de hackers à infraestrutura de serviços públicos. Mas até aí, parece que o medo está principalmente nos países desenvolvidos. No entanto, a América Latina também tem suas razões para temer. Haverá eleições presidenciais nos três países mais populosos da região (Brasil, México e Colômbia). Haverá muito temor pelos populismos que provocaram situações tão críticas como a da Venezuela. É possível que, após a grande tempestade causada pelas denúncias de corrupção ligadas à Odebrecht no ano passado, ainda haja alguns resquícios em toda região. O certo é que o tema da luta contra a corrupção está presente nos discursos de todos os candidatos.

Porém, a maior frustração que deve ter a América Latina é a falta de líderes fortes. A maioria dos presidentes, políticos e representantes sociais tem níveis muito baixos de aceitação, alguns no mínimo histórico. Segundo o estudo da De La Riva, somente 9% dos mexicanos acreditam em seus governantes, para não citar os casos de Brasil e Colômbia, onde seus presidentes contam com apenas 10% e 22% de aprovação, respectivamente (índices de Ibope e Gallup).

E embora se espere que os países voltem a crescer, a economia também é uma grande fonte de temor. Na Argentina, por exemplo, com um crescimento projetado de pelo menos 3%, oito em cada dez cidadãos consideram que o país se encontra em uma recessão econômica (Nielsen). Nesse contexto, as marcas têm a grande oportunidade de plantar esperança, tranquilidade e segurança. Alguns países começam a apresentar aumento nos níveis de confiança de seus consumidores. As marcas podem encontrar nisso o melhor terreno para construir.

Num contexto de falta de líderes fortes, as marcas têm a grande oportunidade  de plantar esperança, tranquilidade e segurança

O mais importante é que os latino-americanos sempre sabem como encontrar, na possibilidade de seus recursos, as soluções de que precisam. O México viveu o caso mais claro com o terremoto de setembro passado. O ator mexicano Diego Luna, astro da quarta temporada de Narcos, que a Netflix lança em 2018, afirmou que em países tão corruptos como os latino-americanos sabe-se que nem o governo nem sua ajuda chegarão, e por isso os cidadãos aprendem a encontrar as soluções por conta própria. Esse cidadão que substitui com sua rede de amigos e familiares o que o Estado não lhe dá não é novo, mas será visto com força em 2018. E isso é interessante porque, nos últimos anos, as sociedades latino-americanas pareciam cada vez mais polarizadas (e durante as eleições presidenciais assim o estarão), mas é claro que há um desgaste dessa ruptura social, e serão os cidadãos que devem pressionar os políticos para conseguirem a reconciliação de suas sociedades.

Essa será, sem dúvida, uma das oportunidades mais interessantes para as marcas. Na Argentina, uma das sociedades mais polarizadas entre os anos de governo de esquerda e da direita agora no poder, começou-se a falar em “fissura” como uma forma de expressar a separação social. A Coca-Cola lançou uma campanha chamada “We are closer than we think” (Estamos mais perto do que pensamos), que se baseia em demonstrar com um estudo científico que o país possui a sociedade na qual as pessoas tomam menos distância entre elas.

Em um ano de incertezas com este, veremos uma interferência política direta dos grupos religiosos. Em países como Brasil ou Equador, a afirmação da opinião “Minha fé é importante para mim” ultrapassa 80% dos cidadãos (Kantar). Continuamos notando em toda a região as polêmicas e confrontos em que religião e política se misturam, como vimos no Brasil com Queermuseu, exposição sobre diversidade sexual que acabou gerando polêmica e cujo curador acabou convocado para uma CPI no Senado. A pressão das igrejas cristãs sobre as políticas públicas relacionadas com diversidade e novas famílias se traduzirá em votos e apoios para certos candidatos. Por isso, as marcas que, com sua inovação, ajudarem a encontrar espaços de convivência para romper os velhos paradigmas de gênero serão reconhecidas pelos cidadãos. Vale a pena citar o caso de Polacrin, uma marca de tintas argentina que desenvolveu uma cor chamada “Baby Color”, mistura do azul tradicional para os meninos com o tradicional rosa das meninas. Veremos mais exemplos bem-sucedidos de marcas que entenderam a evolução da sociedade e esperam seguir rompendo os estereótipos de gênero.

O auge global sobre o local também será vivido na América Latina em 2018, mas com um matiz interessante. A rejeição a Trump, com suas políticas e declarações ofensivas com relação aos latino-americanos, fará renascer um sentimento de amor e cuidado próprios. Há um ano, dizíamos que a ameaça de construir o muro faria com que a América Latina deixasse de olhar para os Estados Unidos e passasse a olhar para si mesma. E isso aconteceu. A consultora de tendência mexicana TlacuacheBlue chama isso de “neoindigenismos” e assegura que a busca pela iconografia e a sabedoria ancestral continuará presente na moda, na saúde e nos eventos. A Cerveza Victoria, uma das marcas mais reconhecidas no México, obteve um impacto notável com sua ideia de convidar à rejeição à festa do Halloween e valorizar a celebração do Dia dos Mortos.

Como sempre, a inspiração vem da cultura e das mudanças que ocorrem na sociedade. Algumas marcas latino-americanas conseguiram ganhar terreno por suas inovações relevantes e formatos ajustados aos gostos e preferências do público latino. O desafio será, em um ano de medo, desconfiança e descrença, encontrar a força no coletivo, o desejo de se unir à valorização daquilo que é local para construir marcas realmente conectadas com uma região que continua se fazendo escutar em um mundo de líderes globais que pouco a entendem ou conhecem.

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