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Opinião

O que é ser um profissional analítico em marketing

Se espera que ele seja mais empreendedor, curioso, sedento por conhecimento, se integre bem com os novos colegas de trabalho com formação e expertise diferenciadas, e preserve os fundamentos do marketing


26 de abril de 2018 - 18h51

Foto: Reprodução

Eu estava num evento de mercado, acompanhando uma mesa redonda com profissionais de marketing e comunicação, quando num determinado momento o apresentador falou: “todos nós em marketing precisamos ser mais analíticos. Precisamos ser profissionais data driven”. Um dos painelistas retrucou imediatamente: “eu não tenho formação em ciências exatas e não estou acostumado a lidar com números. Quem trabalha com marketing tem muita dificuldade com isso. Não somos matemáticos”. Saí com aquele comentário martelando na minha cabeça. Afinal, será que as empresas estão precisando mesmo que profissionais de marketing sejam matemáticos?

É inquestionável que a transformação da nossa profissão é um assunto quente no momento. Evidentemente que a atividade busca por profissionais mais analíticos, racionais, lógicos, mais apaixonados por dados, que não sofram com métricas, que tenham visão sistêmica e que demonstrem um pouco mais de simpatia pela matemática. O problema é que tais elementos nos geram a imagem de um profissional cercado por planilhas, números na lousa, gráficos na tela do computador e, até, uma displicente calculadora em cima da mesa ao alcance das mãos. Esse cenário parece ser uma visão assustadora para os profissionais de marketing.

Várias profissões conhecidas já cruzaram a ponte da transformação analítica. Pense em atividades ligadas às áreas de finanças, da medicina e de esportes de alto desempenho. Esses são exemplos de profissões que evoluíram ao longo do tempo e que hoje são altamente demandantes de tecnologia e de análise de dados. Quer outro exemplo? Considere os experts em meteorologia, cuja performance é diretamente proporcional a sua expertise em modelos analíticos e sistêmicos, além de trabalharem com ferramentas bem diferentes de um passado recente.

Agora é a vez do marketing. Creio que a profissão de marketing é a expressão mais evidente do ser humano que precisa usar intensamente os dois lados do cérebro: o esquerdo e o direito, ou a arte e a ciência. Profissionais de marketing precisam ser criativos, emocionais e sensíveis. Profissionais de marketing precisam ser racionais, lógicos e assertivos. As empresas esperam que seus times de marketing apresentem um comportamento ousado, criativo, desafiador, e até um pouco transgressor dentro de suas organizações. Se alguém tem que ousar, então que seja o pessoal de marketing. CEOs esperam que marketing consiga puxar a transformação do negócio, assumindo riscos e atuando em áreas em que o restante da empresa não consegue. Por outro lado, CFOs esperam que marketing saiba explicar muito bem onde investe cada real e tenha clareza do ROI gerado por cada projeto. Como desenvolver um profissional diante de tantas expectativas diversas? Essa aparente ambiguidade é a principal característica do novo profissional de marketing que as organizações estão buscando.

No meio de toda essa transformação, como se posiciona o profissional tradicional de marketing? Ele pode ficar paralisado, arredio, inseguro, tentando se fechar em sua cidadela de conhecimento e experiência. Ou ele pode encarar o tsunami inevitável como uma oportunidade de desenvolvimento e carreira

Não devemos nos assustar com tudo isso. Entendo que as organizações não querem que profissionais de marketing sejam brilhantes financeiros, matemáticos, estatísticos ou engenheiros. Talvez só um pouquinho. Também não se espera que os cursos universitários de ciências exatas passem a ser invadidos por gente de publicidade, comunicação e marketing. No entanto, existe uma clara expectativa e uma real necessidade de fortalecer as equipes de marketing com novas habilidades, competências, expertises, capacidades e metodologias de trabalho. Como fazer isso?

O caminho mais curto é viabilizar que as equipes de marketing sejam compostas de profissionais com diferentes formações, diversidade de experiências, privilegiando o heterogêneo em vez do homogêneo. Estou falando de gente nova se juntando à patota de marketing, como antropólogos, estatísticos, matemáticos, gerente de projetos, tecnólogos, desenvolvedores, engenheiros, administradores de negócios, pesquisadores, cientistas, etc.

Tal combinação de expertises vêm criando novas especialidades e potencialidades em marketing, transformando a profissão em função do aumento do escopo e da complexidade da função. Novos tentáculos de especialização começam a surgir tornando-se reais oportunidades de desenvolvimento profissional. Talvez o melhor exemplo seja o growth hacker, que é um profissional com habilidades combinadas de marketing, empreendedorismo, criatividade, novas tecnologias, visão sistêmica e analítica. Não existe universidade para formar tal profissional. Ele é fruto da combinação de skills e experiências. Por outro lado, muitas atividades turbinadas com nomes mais modernos, como community manager e content writer, são evoluções aprimoradas de funções de marketing que conhecemos tão bem. Em resumo, marketing está se transformando num zoológico de expertises, formações e profissões, denunciando a expansão e a grande expectativa que as organizações têm em cima da área.

No meio de toda essa transformação, como se posiciona o profissional tradicional de marketing? Ele pode ficar paralisado, arredio, inseguro, tentando se fechar em sua cidadela de conhecimento e experiência. Ou ele pode encarar o tsunami inevitável como uma oportunidade de desenvolvimento e carreira. Para isso terá que se movimentar, se jogar em novas áreas e tomar riscos profissionais, poderá se concentrar em uma linha específica de especialização ou tentar sair abraçando várias linhas diferentes. Afirmo que as organizações não querem mais profissionais do primeiro tipo, inertes, até porque as empresas querem buscar sua transformação através de profissionais que também se transformam.

O que realmente se espera nos dias atuais é que os profissionais de marketing mudem o mindset: que sejam mais empreendedores, mais curiosos para aprender coisas novas, sedentos por conhecimento, que se integrem bem com os novos colegas de trabalho com formação e expertise diferenciadas, que desenvolvam mais habilidades e competências para que esse diálogo seja possível, que questionem as fórmulas antigas de sucesso, porém preservando os fundamentos do marketing, que são inquestionáveis e continuam atuais. Na base desse cenário, busca-se um profissional de marketing mais analítico. Tal perfil merece ser melhor explicado.

Todos nós fomos formados e treinados para darmos respostas. Tradicionalmente nos preocupamos mais com as respostas do que com as perguntas. E é aqui que reside o pulo do gato para ser um bom profissional analítico: fazer boas e melhores perguntas. Não é fazer perguntas provocativas, mas formular perguntas como hipóteses. É imaginar que o campo de trabalho é um ambiente de teste contínuo. É modelar coisas, aprender, construir hipóteses e transformar as atividades em experimentos. Ao fazermos melhores perguntas, buscaremos melhores dados para respondê-las, provavelmente precisaremos de mais ferramentas para produção de tais dados e assim por diante. Melhores perguntas são capazes de detonar necessidades surpreendentes. Esse é a principal habilidade que se busca nesse tipo de profissional. Não é necessariamente saber as respostas, mas desenvolver a habilidade de fazer boas perguntas.

Estamos enganados se pensamos que vamos encontrar os dados e as informações que precisamos em um banco de dados à nossa disposição ou em ferramentas já existentes. Não funciona assim. Os dados que os melhores tomadores de decisão precisam quase sempre ainda não existem. Eles têm perguntas sem respostas, portanto eles têm que produzir os dados, precisam juntar dados para formar as suas hipóteses e desenvolver seus próprios experimentos. E são esses experimentos que vão trazer os dados que necessitam. Como diz Jaime Troiano: “Atualmente, nos encantamos com as montanhas de dados à nossa disposição. Lambuzamo-nos com eles e os projetos ficam obesos de informação, mas anoréxicos de insights. Marcas vivem de bons insights e nunca de uma pilha de dados”. Portanto, não devemos cair na armadilha de imaginar que profissionais analíticos não são intuitivos e criativos. É aqui que reside a magia. É nessa mistura que marketing está se transformando. Temos que aprender a navegar nos dois mundos, saber tirar o melhor de cada um e entrar na dimensão correta quando preciso.

É difícil estimar até onde vai a atual transformação da profissão de marketing, mas o trem já partiu da estação. Estar ou não dentro do trem é uma decisão individual de cada um. O alívio disso tudo é que não tem ninguém confortável, portanto, estamos todos juntos numa viagem sem destino definido. Não é hora de se distrair com a paisagem. Vai balançar um pouco, não vai haver rotina, a viagem será longa, mas poderá ser divertida dependendo de como a encararmos. O que sabemos é que marketing não é mais território exclusivo dos marqueteiros, como a maior parte das profissões de vanguarda. Abracemos essa nova realidade. Vamos abrir as nossas cabeças, sermos radicais na busca de novos conhecimentos e perguntar mais do que responder. Enfim, façamos o que precisa ser feito e nos tornemos os melhores amigos dos novos colegas de profissão. Como disse o professor Luís Fernando Garcia, da ESPM, em um evento recente que participei: “O importante não é o futuro que teremos, mas o futuro que faremos”.

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